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domingo, 15 de abril de 2012

CONVENCIONALIDADE E LINEARIDADE DO SIGNO LINGUÍSTICO

1. Vimos, no percurso expositivo de Eco, que há uma longa linhagem histórica (de aproximadamente sete séculos) na qual o termo “signo” virá a ser assimilado à ordem de problemas que definem o regime da compreensão que caracteriza nossa relação com textos, palavras e enunciados: na tradição que vai dos gregos aos estóicos, em primeiro lugar, sabemos que a questão do signo tem correlação com a estruturação discursiva do pensamento, mas sobretudo no sentido em que estas decorram de condições de verdade; é bom que nos recordemos que o caráter sígnico do pensamento põe em remetimento recíproco fatos que conhecemos e exprimimos numa forma proposicional; esta expressão do pensamento numa forma enunciativa não determina o caráter de veridição que é intrínseco à concepção de signo na Antiguidade. Deste modo, as palavras foram sistematicamente excluídas da reflexão semiótica, nesta sua primeira dentição.
2. Pois bem, esta outra ordem de concepções na qual o signo aparece comprometido com as estruturas da compreensão textual, é precisamente aquela na qual o interesse pelas teorias semióticas emergiu, pela primeira vez, como um traço característico de sua inclusão ao universo de problemas das ciências humanas e sociais (e, muito especialmente, no campo de estudos da comunicação). Ela não é, evidentemente originária deste mesmo contexto, pois suas raízes se identificam, como vemos no texto de Eco, dezesseis séculos antes de Saussure, com o modo no qual Agostinho, por exemplo, assimila à caracterização da implicação sígnica o outro modo de remetimento que define a correspondência entre palavras e seus conteúdos (portanto, com o modo como a definição de signo não tem em conta apenas as relações de implicação causal ou natural, própria aos indícios, mas também as de correspondência arbirtária, que se exprimem como palavras).
3. Pois é precisamente, esta ordem das concepções sobre o signo semiológico (culminando na perspectiva barhesiana) que pretendemos averiguar, por ora. Esta ordem de problemas nos remete agora às relações entre signos e linguagens, e às concepções (ou escolas semióticas) que procuram pensar os signos enquanto instâncias (ou veículos) próprios à formação de enunciados ou de sentenças dotadas de um valor de significação intencional (de um “querer dizer”). A compreensão dos enunciados (uma vez tomados na condição de signos) não nos requisita, por seu turno, este modo de concatená-los na ordem de uma implicação filoniana (“se x, logo y”): sentenças e palavras (assim como também termos de ligação e tempos verbais) são unidades de uma linguagem, elementos que empregamos como portando um conteúdo que não é mais da ordem de uma implicação lógica (melhor dizendo, causal), mas de uma “correspondência arbitrária” (em termos, uma convenção determinada por um código).
4. É prudente que tenhamos conta do fato de que esta relação entre os processos inferenciais e a linguagens já está como que incubada na idéia mesma da entidade sígnica como resultante de um processo lógico de implicação: Eco nos lembra como a filosofia dos estóicos insiste em não dissociar a faculdade de implicar fatos particulares com o modo como conferimos generalidade ao valor cognitivo de uma ocorrência. Assim sendo, se penso na relação entre dois fatos particulares, é porque inscrevo a eles um caráter típico ou característico, que é aquilo que lhe confere a universalidade pela qual é admitido, quando pensamos: esta generalidade da implicação inferencial é expressa na forma das unidades do discurso que exprime estas relações, numa forma lingüisticamente articulada. Disto decorre a impossibilidade de dissociar a estrutura lógica da implicação de sua contraface expressiva e convencional na linguagem .
· Eco, “Signo e Inferência”: p. 40.
5. No modo como, ainda segundo Eco, Santo Agostinho tentou unificar estas duas ordens da concepção do signo, sete séculos depois dos estóicos, poderíamos estabelecer que a relação entre fatos é, de certo modo, uma resultante (decerto cronológica, quiça ontológica) das relações entre expressões linguísticas e seus conteúdos (em termos, de palavras e seus significados). Uma admissão como esta nos conduziria a pensar o estatuto lógico do signo como localizado no âmbito da conotação (do sentido indireto), ao passo que os signos linguísticos seriam, por definição, denotativos. Mais tarde, entretanto, a questão da significação se sofistica, para Agostinho, quando considera a função própria aos termos de ligação, o que dá início ao que Eco designa como “modelo instrucional” ou, mais simplesmente, a análise contexual do significado.
· Eco, “Signo e inferência”: p. 44.
6. Um aspecto que nos permitirá tratar, em separado, a definição do signo enquanto entidade ligada aos modos de expressão linguística, diz respeito ao estatuto epistemológico dos modos lógicos de implicação: em certos casos de inferência (“se usa um broche com foice e martelo, então comunista”), as condições de veridição de uma proposição não são dadas por fatos anteriores, mas firmadas por convenção, isto é, não por um princípio de implicações que vai do antecedente ao consequente ou inversamente (não é da ordem da causalidade entre duas proposições, portanto), mas estabelecidas como um princípio coletivo (ou social) e arbitrário. O valor de conhecimento que se estabelece para as proposições, nestes casos funciona como uma resultante de práticas sociais institucionalizadas, e deve ser explicado como um recurso dos signos a este modo de sua compreensão. Entender enunciados, neste caso, é entender um conjunto de signos que se opera a partir dos princípios de concatenação próprios às regras da linguagem.
7. A Linguística estrutural de Saussure vai resolver esta questão do sistema arbitrário sob o qual as expressões linguísticas podem ser explicadas, a partir do modo como ele concebe o próprio signo linguístico: neste caso, temos que separar momentaneamente aquilo que é central para a linguística (o estudo da lingual enquanto sistema de regras), daquilo que nos interessa agora, a saber, o modo como Saussure define a unidade minima do signo, enquanto parte deste sistema. Vejamos como estas questões se constroem, em seguida.
8. Assim sendo, a definição do signo linguistico está incluída na noção do “sistema”, através do qual Saussure concebe o objeto da linguística: sendo a língua definida como um “sistema de signos”, e não como um “conjunto” ou “enumeração” dos mesmos, a definição do signo linguístico, na perspectiva saussureana, não o introduz como uma unidade puramente individual, mas como o termo de uma função, união de certos aspectos dos processos de nomeação, que não podem ser separados, sem o sacrifício da idéia mesma de signo que funciona num sistema de valores: Saussure começa por identificar nas unidades que constituem a língua esta unidade entre um aspecto material (sonoro ou gráfico) e uma ordem de idéias (às quais associamos instantaneamente as emissões dotadas de certo grau de articulação).
· Saussure, Ferdinand de. “Princípios Gerais”: p. 79,80.
9. É assim portanto que surge a idéia de uma definição do signo linguístico como união de uma porção acústica (um significante) e outra de suas partes como referido aos conceitos (o significado): elas se constituem na unidade do signo como partes mutuamente indissociáveis (a imagem saussureana é a do verso e reverso de uma mesma folha de papel).
10. Dois princípios regem fundamentalmente a constituição do signo enquanto unidade complexa: em primeiro lugar a arbitrariedade da relação entre significante e significado (isto é, o fato de que esta unidade não é explicável em termos de determinação de cada uma de suas partes, entre si, mas por um princípio convencionado, instituído no partilhamento social), fato este que explica o aspecto de instituição social, através do qual Saussure define a língua enquanto objeto de estudos da linguística; em segundo lugar, a porção acústica do signo é determinada em seu valor, apenas no contexto de suas relações com outras porções de sons e de palavras (isto significa que o valor de uma unidade sonora é sempre o resultado de sua articulação com outras unidades do sistema inteiro, seja no plano da oposição presencial pela qual sons e palavras se articulam, seja no nível da associação própria à relação entre uma porção de sons e enunciados e seus correspondentes conteúdos), o que caracteriza a dimensão de sistema de signos que define a língua enquanto objeto.
11. A definição linguística do “signo”, assim como os princípios que regem sua articulação, no sistema de valores que é a língua, influenciou enormemente a constituição dos saberes semiológicos, como já vimos no passado, no modo como Roland Barthes restitui ao papel da descoberta da obra do lingüista genebrino a maior influência de seu turno semiológico, entre o fim dos anos 50 e o início dos 60; a incidência dos saberes lingüísticos no processo de constituição da semiologia enquanto ciência se justifica pelo modo como as ciências da linguagem permitem à nascente ciência geral dos signos a observação de uma série de fenômenos correlatos às linguagens naturais (mas não articulados a partir do mesmo tipo de matéria própria à língua), e que poderiam ser observados, a partir de princípios firmados pelo modo como Saussure definiu o objeto e as finalidades da própria linguística (o que não se deu de modo simples, mas por uma série de transposições e de especificações feitas à definição saussureana do signo linguístico).
12. Segundo Barthes, a importância do conceito linguístico de signo como unidade é o de definir para a própria linguística, (ou pelo menos para seus ramos que encontram-se concernidos com a dimensão participativa dos significados como entidades linguísticas) um princípio operatório que consiste em estabelecer que na linguagem encontramos, como estruturalmente comprometidas, duas espécies de unidades: primeiramente, as unidades significativas (os monemas ou, simplesmente, as palavras) que são portadoras de um sentido semântico simples, assim como as unidades distintivas (grosso modo, os fonemas ou sons da língua), que, segundo Barthes, participam da forma, mas não são necessariamente portadoras de sentido. A suposição de que o signo linguístico envolva uma diferenciação teórica, mas não fenomênica, entre significantes e significados aparelha a própria linguística a firmar o princípio da dupla articulação dos signos da língua.
Leitura Obrigatória:
Barthes, Roland. “Significante/significado”. In: Elementos de Semiologia;
Eco, Umberto. “Signo e Inferência”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;
Saussure, Ferdinand de. "Princípios gerais". In: Curso de Linguística Geral.

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