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quinta-feira, 31 de março de 2011

RESENHA CRÍTICA

RESENHA CRÍTICA: O QUE É, COMO SE FAZ

Resenha Crítica é a apresentação do conteúdo de uma obra, acompanhada de uma avaliação crítica. Expõe-se claramente e com certos detalhes o conteúdo da obra para posteriormente desenvolver uma apreciação crítica do conteúdo. A resenha crítica consiste na leitura, resumo e comentário crítico de um livro ou texto. Para a elaboração do comentário crítico, utilizam-se opiniões de diversos autores da comunidade científica em relação as defendidas pelo autor e se estabelece todo tipo de comparação com os enfoques, métodos de investigação e formas de exposição de outros autores. Lakatos e Marconi (1996, p. 90) afirmam que:


“Resenha crítica é uma descrição minuciosa que compreende certo número de fatos: é a apresentação do conteúdo de uma obra. Consiste na leitura, resumo, na crítica e na formulação de um conceito de valor do livro feitos pelo resenhista. A resenha crítica, em geral é elaborada por um cientista que, além do conhecimento sobre o assunto, tem capacidade de juízo crítico. Também pode ser realizada por estudantes; nesse caso, como um exercício de compreensão e crítica. A finalidade de uma resenha é informar o leitor, de maneira objetiva e cortês, sobre o assunto tratado no livro ou artigo, evidenciando a contribuição do autor: novas abordagens, novos conhecimentos, novas teorias. A resenha visa, portanto, a apresentar uma síntese das idéias fundamentais da obra”.


O resenhista deve resumir o assunto e apontar as falhas e os erros de informação encontrados, sem entrar em muitos pormenores e, ao mesmo tempo, tecer elogios aos méritos da obra, desde que sinceros e ponderados. Entretanto, mesmo que o resenhista tenha competência na matéria, isso não lhe dá o direito de fazer juízo de valor ou deturpar o pensamento do autor.
A questão inicial (motivador da pesquisa) foi adequadamente respondida pelos autores? Houve parcialidade na discussão mediante os dados encontrados?


ESTRUTURA DA RESENHA CRÍTICA

1. Referência Bibliográfica
Autor(es) Título (subtítulo) Imprensa (local da edição, editora, data)
2. Credenciais do Autor
Informações gerais sobre o autor Quando? Por quê? Onde?
3. Conhecimento
Resumo detalhado das ideias principais De que trata a obra? O que diz? Possui alguma característica especial? Exige conhecimentos prévios para entendê-lo?
4. a) Julgamento da obra:
Como se situa o autor em relação: - às escolas ou correntes doutrinárias?
b) Mérito da obra:
Qual a contribuição dada?
c) Estilo:
Conciso, objetivo, simples? Claro, preciso, coerente? Linguagem correta? Ou o contrário?
d) Forma:
Lógica, sistematizada.

e)Promover uma propaganda discreta: Fazer uma breve descrição da obra sendo ela negativa ou positiva.





Resenha crítica do livro “O Código Da Vinci”


‘O Código Da Vinci’ é um bestseller norte-americano de ficção que, depois de um investimento milionário em marketing, foi publicado recentemente no Brasil. A trama do romance propõe a falsidade do cristianismo, que seria uma invenção da Igreja Católica mantida a qualquer preço ao longo dos séculos. Diante da sugestão, nas primeiras páginas do livro, de que estaria baseado em fatos reais, apresentamos uma resenha crítica publicada em “El Confidencial Digital” (Espanha).


São abundantes os romances, bem como as suas correspondentes adaptações cinematográficas, que se encaixam na chamada “teologia-ficção” para questionar a veracidade histórica do cristianismo. Não há dúvida de que pretendem aproveitar-se comercialmente do escândalo que suscitam nos fiéis e, ao mesmo tempo, fazer sucesso com um público carente de cultura religiosa, mas ainda familiarizado com o imaginário cristão.
O autor de ‘O Código Da Vinci’, Dan Brown, emprega a velha fórmula de encher páginas com uma informação aparente que, na realidade, não tem nenhuma base histórica, artística ou religiosa. Por isso, a crítica mais eloqüente é, simplesmente, expôr friamente a sua tese, despojando-a dos fogos de artifício da trama de ação.
O enredo desse romance se baseia em afirmar que Jesus foi casado com Maria Madalena, com quem teve uma filha. Este fato teria sido supostamente silenciado pela Igreja ao longo dos séculos, através de assassinatos e guerras. A hipótese, repetida por muitos detratores do cristianismo, não tem fundamento histórico algum, de modo que
não é sustentada por nenhum exegeta católico ou protestante. No entanto, o autor parece considerar mais confiável o roteiro de “A última tentação de Cristo” do que séculos de estudos bíblicos.
A Igreja Católica aparece no livro como uma grande mentira histórica, produto de uma invenção do imperador Constantino, que procurava uma religião para todo o império. Até esse momento, o cristianismo teria sido uma religião oriental pregada por um profeta judeu chamado Jesus, casado com uma certa Maria Madalena, com quem teve uma filha. O imperador teria fundido os ensinamentos cristãos com as tradições pagãs, para que fossem mais facilmente aceitos pelo povo. Ele também promoveu o Concílio de Nicéia, onde submeteu a votação a declaração da divindade de Jesus, que até então era um simples homem. Essa tergiversação fez com que fosse necessário destruir todos os relatos evangélicos e reescrevê-los, para demonstrar a divindade e Cristo. Nessa manipulação teria sido suprimida a figura da mulher de Jesus, convertendo-a na atual Maria Madalena.
Desde então, o aspecto feminino e sexual da religião cristã teria sido sistematicamente recusado pela Igreja. Esta ficção histórica permite ao autor do romance descrever a Igreja Católica — representada pelo Vaticano e pelo Opus Dei — como inimiga da mulher, da verdade e capaz de todo tipo de crimes, chegando a afirmar que assassinou cinco milhões de mulheres.
Em contraste com a mentira do cristianismo apresenta como verdadeira religiosidade a dos cultos pré-cristãos, que adoravam a divindade feminina e praticavam o sexo sagrado.
A conclusão do romance é que não basta revelar a suposta verdade sobre o cristianismo, descobrindo as provas do casamento de Jesus com Maria Madalena, mas que é necessário que a Igreja Católica reconheça a sua impostura e os seus crimes, voltando a adorar a divindade feminina, o que a obrigaria a mudar a sua doutrina moral sobre a sexualidade e sobre o sacerdócio de mulheres.
À luz do absurdo da sua tese de fundo, a verossimilhança do romance fica completamente comprometida, e as suas afirmações desatinadas caem por seu próprio peso. Há demasiada invenção, demasiada maldade, demasiada perversão para que seja ao menos verossímil. Os leitores mais inocentes, no entanto, podem ficar com a idéia de que a Igreja Católica, e em particular o Vaticano e o Opus Dei, é uma instituição pouco digna de confiança.


terça-feira, 29 de março de 2011

DICAS DE INTERPRETAÇÃO

Por Eraldo Cunegunds

Não só os alunos afirmam gratuitamente que a interpretação depende de cada um. Na realidade isto é para fugir a um problema que não é de difícil solução por meio de sofisma (=argumento aparentemente válido, mas, na realidade, não conclusivo, e que supõe má fé por parte de quem o apresenta).
Podemos, tranquilamente, ser bem-sucedidos numa interpretação de texto. Para isso, devemos observar o seguinte:
01. Ler todo o texto, procurando ter uma visão geral do assunto;
02. Se encontrar palavras desconhecidas, não interrompa a leitura, vá até o fim, ininterruptamente;
03. Ler, ler bem, ler profundamente, ou seja, ler o texto pelo menos umas três vezes;
04. Ler com perspicácia, sutileza, malícia nas entrelinhas;
05. Voltar ao texto tantas quantas vezes precisar;
06. Não permitir que prevaleçam suas idéias sobre as do autor;
07. Partir o texto em pedaços (parágrafos, partes) para melhor compreensão;
08. Centralizar cada questão ao pedaço (parágrafo, parte) do texto correspondente;
09. Verificar, com atenção e cuidado, o enunciado de cada questão;
10. Cuidado com os vocábulos: destoa (=diferente de ...), não, correta, incorreta, certa, errada, falsa, verdadeira, exceto, e outras; palavras que aparecem nas perguntas e que, às vezes, dificultam a entender o que se perguntou e o que se pediu;
11. Quando duas alternativas lhe parecem corretas, procurar a mais exata ou a mais completa;
12. Quando o autor apenas sugerir idéia, procurar um fundamento de lógica objetiva;
13. Cuidado com as questões voltadas para dados superficiais;
14. Não se deve procurar a verdade exata dentro daquela resposta, mas a opção que melhor se enquadre no sentido do texto;
15. Às vezes a etimologia ou a semelhança das palavras denuncia a resposta;
16. Procure estabelecer quais foram as opiniões expostas pelo autor, definindo o tema e a mensagem;
17. O autor defende idéias e você deve percebê-las;
18. Os adjuntos adverbiais e os predicativos do sujeito são importantíssimos na interpretação do texto.
Ex.: Ele morreu de fome.
de fome: adjunto adverbial de causa, determina a causa na realização do fato (= morte de "ele").
Ex.: Ele morreu
faminto.
faminto:
predicativo do sujeito, é o estado em que "ele" se encontrava quando morreu.;
19. As orações coordenadas não têm oração principal, apenas as idéias estão coordenadas entre si;
20. Os adjetivos ligados a um substantivo vão dar a ele maior clareza de expressão, aumentando-lhe ou determinando-lhe o significado.
Nota: Diante do que foi dito, espero que você mude o modo de pensar, pois a interpretação não depende de cada um, mas, sim, do que está escrito. "O que está escrito, escrito está."

ESTRATÉGIAS DE LEITURA, COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS NA ESCOLA

Beatriz dos Santos Feres (UFF)

Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (Freire: 1997, 11)

I - Considerações iniciais
Há mais de quinze anos atuando principalmente no Ensino Fundamental como professora de Língua Portuguesa, sempre me incomodaram as queixas dos pais, dos próprios professores e dos alunos em relação à má formação lingüística dos estudantes ao final do Ensino Médio. Observando a prática pedagógica em escolas da rede pública e particular, tradicionais ou de orientação construtivista, comecei a perceber a inconsistência da maioria das atividades elaboradas nas aulas - observação essa que me levou a muitos questionamentos: o que o assusta nas aulas de LP? O que afasta o aluno da leitura e da escrita? Por que, passando tantos anos na escola, tantos anos estudando LP, não adquire habilidade lingüística suficiente para ser um - pelo menos - razoável leitor e produtor de textos? Por que não encontra sentido no que faz (e pergunta: para que preciso saber análise sintática?)? Por que a informação fácil graças à “evolução tecnológica” nada auxilia? Quais têm sido os verdadeiros objetivos da escola - e do professor? Como são elaboradas as atividades dessas aulas? O que pode ser melhorado? O que é mais difícil: ensinar gramática, fazer o aluno ler ou fazê-lo escrever?
Se, para o aluno, as aulas de LP carecem de sentido, para mim, enquanto professora e educadora, passou a ser fundamental buscar meios de tornar claro esse sentido para o aluno. Quase não é necessário dizer que todo o questionamento já trazido na bagagem ganhou corpo e foi enormemente aprofundado a partir de sérias reflexões sobre o ensino da Língua e da leitura de autores como João Wanderley Geraldi, Eglê Franchi, Fiorin, Ângela Kleiman, entre outros que, professores como eu, também vêm problematizando o papel da escola e do professor na formação de proficientes usuários da língua. Que, educadores como eu, vêm mostrando a urgência da mudança de postura do professor na sua prática pedagógica, para que seja interativa, reflexiva, transformadora, consistente.

II - Reflexão e análise

É notório que continua havendo, como afirma a Prof ª Maria Helena Neves (2001), a compartimentação do ensino de LP, que trabalha com três momentos estanques - Gramática, Redação e Leitura-compreensão-interpretação de textos - em prol de uma fórmula “que dá certo” e que oferece um bom “preparo” para o vestibular. Aliás, prática essa predominantemente metalingüística, reprodutora de regras gramaticais, que ensina ao aluno, de acordo com Geraldi (1997), “o enjôo pelo estudo, o desamor pelas letras, a repugnância ao trabalho mental”.
Entre os lingüistas que voltam sua pesquisa para o ensino de Língua, é unânime a premente necessidade de adotar-se uma nova perspectiva, a perspectiva textual, que poderia levar o aluno a aprender os “vários modos de dizer”. Em outras palavras, poderia levar o aluno a aprender não só a língua, mas também a linguagem em suas diferentes esferas, que Coseriu (1980) denominou saberes (elocucional, idiomático e expressivo), através da interação e da reflexão. Destarte, a escola cumpriria a proposta do Prof. Fiorin (1996:9), segundo a qual, “O compromisso primeiro do professor de LM é auxiliar o aluno a tornar-se um leitor autônomo e um produtor competente de textos.”
Geraldi (1997:135) considera a “produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua”. Essa afirmação vai ao encontro da preocupação com a necessidade de formar um indivíduo reflexivo, crítico, capacitando-o a posicionar-se diante do mundo através de sua habilidade de expressão das idéias. E é bastante pertinente essa preocupação num país - e num mundo - excludente e desigual, tão carente de posicionamentos, líderes, transformações.
Mas como ajudar alguém a se expressar, se não houver o que expressar? Como ter o que expressar, se é tão difícil compreender o mundo que nos cerca; se é tão difícil compreender o jornal a que assistimos, o manual do aparelho eletrodoméstico, as leis de trânsito, o livro que a professora nos indicou para ler? É tão difícil adentrar numa cultura centralizada na escrita, se não nos posicionamos diante das questões porque não as conhecemos bem; se não conseguimos relacionar os fatos que vêm até nós através da mídia porque não vemos além das aparências; se não percebemos as “entrelinhas”, o discurso demagógico; se não sabemos inferir; se não conhecemos o poder que as palavras carregam: “Ai, palavras, ai, palavras,/ que estranha potência, a vossa!” (Inevitavelmente lembramo-nos de Cecília Meireles.)
Por isso a preocupação com a Leitura e com a Leitura de Literatura (grafada com respeitável letra maiúscula), por onde perpassam todos os elementos de constituição da textualidade e que, levando o aluno à reflexão a respeito de seu conteúdo, da língua, da estrutura do texto, da intenção daquele que o produz, do momento enunciativo, pode transformá-lo em um bom leitor - não só de textos, mas, quem sabe, também leitor de um mundo melhor.
É o que esta pesquisa pretende problematizar: a Leitura de textos literários. Estará a escola sabendo identificar e relacionar as esferas acima citadas? Que estratégias estão sendo usadas para desenvolver a competência para a construção de sentido? Que arcabouço teórico será necessário para isso? Como devem ser intercruzadas as atividades de gramática, redação e leitura? E por que a escola não forma leitores autônomos?
Algumas hipóteses podem ser levantadas:
· A prática pedagógica não estimula a reflexão, tornando passiva a atividade com o texto, quando não provoca o aluno com atividades instigantes.
“De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa, (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se locutor”. (Bakhtin: 2000, 290)

· O professor, muitas vezes, não considera a importância da experiência pessoal do aluno para a construção do sentido, desencorajando o desenvolvimento da criticidade.

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.” (Freire: 1997, 11)

· A escola trabalha quase que exclusivamente com a “informação pronta”.

“A maioria das pessoas tem como leitura habitual apenas a mídia. É lá que vão buscar os seus tijolos para construir, mas pouca coisa tem serventia. (...) Na verdade, a mídia nos oferece uma espécie de “visão tubular” das coisas. É como se olhássemos apenas a parte da realidade que ela nos permite olhar e da maneira como ela quer que nós a interpretemos.” (Abreu, 2000:35)


· O aluno não aprende a diferir “conhecimento” de “sabedoria”. Bloom (2001:17), ao defender a importância de ler (Literatura), indaga: “Nos dias de hoje, a informação é facilmente encontrada, mas onde está a sabedoria?” E ainda considera: “Caso pretenda desenvolver a capacidade de formar opiniões críticas e chegar a avaliações pessoais, o ser humano precisará continuar a ler por iniciativa própria.”

Como a Lingüística Textual pode vir a auxiliar nessa nova perspectiva? Em primeiro lugar, centralizando as aulas nos textos (orais e escritos, de diversos registros) e diminuindo ou acabando com a distância entre leitura-produção-gramática. Em segundo lugar, trazendo uma análise textual que focalize a interação, fazendo com que o receptor assuma sua responsabilidade de construir o sentido do texto através de suas marcas superficiais e das relações extralingüísticas que o texto mantém com a enunciação e com os outros textos de uma cadeia discursiva.
A Lingüística Textual sugere que a produção e a recepção de textos sejam observadas a partir de funções textuais de natureza lingüística e extralingüística, organizadas em quatro categorias: contextualização, coesão, coerência e conexão de ações (Marcuschi, 1983). Essas noções estão centralizadas no processo de comunicação via texto - e não no texto como produto -, na atividade verbal como “uma instância do planejamento interativo”. Noções essas que pressupõem a noção de texto eleita para nortear o presente trabalho: conjunto de enunciações coerentes, intencionalmente estruturadas sintática e semanticamente e estreitamente ligadas a fatores comunicativos e referenciais.
Além disso, para realizar uma pesquisa voltada para a atividade de leitura-compreensão-interpretação de textos na sala de aula do Ensino Fundamental, a Semiolingüística mostrou-se bastante adequada aos nossos propósitos, que pretendem problematizar a ineficácia na formação de proficientes leitores. Essa linha teórica postula que a competência de produção/interpretação ultrapassa o simples conhecimento de palavras e suas regras de combinação e requer um saber mais global, que compreende outros elementos da interação social que fazem parte do processo de enunciação.
Seguindo essa orientação, torna-se premente a necessidade de substituir a postura do professor-reprodutor de regras gramaticais por outra, investigativa, experiencial, que faça com que os alunos busquem compreender os mecanismos intra e interdiscursivos de constituição do sentido.
De acordo com Charaudeau (1995), o termo Semiolingüística origina-se de semiosis (relacionando forma e sentido) e lingüística, lembrando que a forma de ação pretendida pelo sujeito comunicante é sobretudo constituída por material linguageiro.
No processo de semiotização do mundo agem dois sujeitos do mundo real, externos ao enunciado: o sujeito-comunciante e o sujeito-interpretante. Eles desdobram-se em dois outros sujeitos, internos ao próprio enunciado, pertencentes ao mundo da palavra: o sujeito-enunciador e o sujeito-destinatário. Fazendo a ligação entre os sujeitos externos e os internos, há o sujeito-locutor e o sujeito-interlocutor.
A Semiolingüística inscreve-se numa problemática que pretende articular operações cognitivas de ordem lingüística com operações cognitivas de ordem psico-socio-comunicativa.
Ao elaborar um enunciado, o sujeito-comunicante intervém no espaço da tematização e da relação. Durante a tematização, identifica os seres do mundo, qualifica-os, representa suas ações, explica etc; trabalha com o sentido literal ou explícito, um sentido de língua, que é medido segundo critérios de coesão, num movimento centrípeto. Além disso, o sujeito-comunicante precisa construir um sentido de acordo com sua intencionalidade, um sentido indireto ou implícito, num movimento centrífugo: é o sentido de discurso. Nesse caso, intervém no espaço da relação, pois trabalha com operações destinadas a significar a finalidade do ato de comunicação e a identidade dos protagonistas, fornecendo índices semiológicos como cenários, scripts, roteiros de ação e sua “identidade discursiva”.
No processo de recepção textual, o sujeito-interpretante faz o movimento contrário. Age em duas esferas: da compreensão e da interpretação. Ele deve reconhecer o sentido das palavras e as “instruções de sentido” mais prováveis, a coesão contextual propiciadas pelas operações de identificação, qualificação, que presidem o sentido de língua - é o trabalho de compreensão.
Outrossim, deve reconhecer o sentido indireto, implícito mas verossímil em função da intertextualidade (operações de ordem inferencial). Pelo grau de coerência do trabalho inferencial, mede-se a verossimilhança do sentido de discurso. Também deve reconhecer o quadro contratual do ato de comunicação; ao relacionar as marcas do texto e as características desse quadro, sinaliza outras inferências que testemunharão a finalização do mundo significado. Pelo grau de ajustamento do trabalho inferencial, será medida a justeza do sentido de discurso.
O trabalho de interpretação de texto é constituído, pois, pelo duplo processo (discursivo e situacional) de ordem inferencial que leva ao reconhecimento-construção do sentido do discurso problematizado e finalizado.
Adotar a perspectiva da Semiolingüística para o trabalho com texto na sala de aula pode possibilitar uma abordagem mais consistente quanto ao ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa e da linguagem.
III - Conclusão
Elaborar atividades em que sejam acionadas essas estratégias de compreensão (no âmbito da superfície textual) e de interpretação (relacionadas ao momento enunciativo e às relações extralingüísticas) representará a possibilidade de proporcionar meios de amadurecimento e autonomia para o leitor em formação - o que deve ser prioridade da prática pedagógica. Isso será possível fazendo um trabalho, embora consciente das dificuldades inerentes ao processo, certo da capacidade de transformação nele contida. Daí a preocupação com a construção do sentido do texto, com os procedimentos envolvidos nessa construção, com as estratégias acionadas no processo de leitura e, principalmente, com a necessidade de o professor assumir uma nova postura nas aulas de Língua Portuguesa.
Trabalhando desta forma, quem sabe possamos nos juntar ao Prof. Fiorin, acreditando que “uma pedagogia da compreensão dos mecanismos constitutivos do sentido é uma pedagogia do gosto, pois, como dizia Valéry, a compreensão precede o prazer estético”. E, finalmente, possamos formar usuários proficientes da língua, que encontraram razões para estudar LP, que se sintam seguros para escrever ou falar, ou -até - para gostar de ler.
IV - Referências bibliográficas
­­­­­­­­ ABREU. Antônio Suarez .Leitura e redação. In: BASTOS, Neusa Barbosa (org.). Discutindo a prática docente em Língua Portuguesa. São Paulo: IP/PUC-SP, 2000.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BLOOM, Harold. Como e porque ler. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
CHARAUDEAU, Patrick. Les conditions de compréhension du sens de discours. Anais do I Encontro franco brasileiro de análise do discurso. Rio de Janeiro: CIAD/UFRJ, 1995.
COSERIU, Eugênio. Lições de lingüística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980.
FIORIN, José Luís. Teorias do discurso e ensino da leitura e da redação. In: Gragoatá. n.1 (2. sem. 1996). Niterói: EDUFF, 1996.
FRANCHI, Eglê. E as crianças eram difíceis - a redação na escola. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 33.ed. São Paulo: Cortez, 1997.
GERALDI, João Wanderley .Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
KLEIMAN, Ângela. .Leitura: ensino e pesquisa. 2 a ed., São Paulo: Pontes, 1996.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Lingüística textual: o que é e como se faz. Recife: UFPE/Mestrado em Letras e Lingüística, 1983.
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na escola. São Paulo: Contexto, 2001.

APRENDER A LER E COMPREENSÃO DO TEXTO: PROCESSOS COGNITIVOS E ESTRATÉGIAS DE ENSINO

Susana Gonçalves *

Síntese: Este artigo tem por objectivo identificar os processos cognitivos que intervêm no acto de leitura e na compreensão do texto e extrapolar da investigação algumas estratégias para o ensino da leitura e compreensão de texto, aplicáveis ao ensino básico. Depois de identificar as diferenças entre bons leitores e leitores principiantes e de apresentar algumas práticas comuns aos professores eficazes no ensino da leitura, serão apresentadas estratégias práticas que podem ser ensinadas às crianças para melhorarem o nível de compreensão do texto escrito.

Palavras chave: cognição; compreensão da leitura; significado; ensino da leitura.

SÍNTESIS: El artículo tiene por objeto identificar los procesos cognitivos que intervienen en el acto de la lectura y en la comprensión del texto y extrapolar, de la investigación, algunas estrategias para la enseñanza de la lectura y la comprensión de texto, aplicables a la enseñanza básica. Después de identificar las diferencias entre buenos lectores y lectores principiantes y de presentar algunas prácticas comunes a los profesores, eficaces en la enseñanza de la lectura, se presenta una serie de estra¬-tegias prácticas que pueden ser enseñadas a los niños para mejorar el nivel de com¬pren¬sión del texto escrito.

Palabras clave: cognición; comprensión de la lectura; significado; enseñanza de la lectura.

abstract: The goal of this paper is to identify the cognitive processes that take place in the act of reading and in the comprehension of a text, and to extrapolate from this research some strategies for teaching how to read and how to comprehend a text, that can be applied to elementary education. After identifying the difference between skillful and beginner readers, and after presenting some practices that are common to all the teachers who are successful in teaching how to read, some practical strategies will be presented. These strategies can be taught to kids in order to improve their level of text comprehension.

Key words: cognition; reading comprehension; meaning; teaching to read.


1. Introdução
A leitura põe em jogo duas actividades cognitivas: a identificação dos signos que compõem a linguagem escrita (esta actividade pressupõe que o leitor faça a correspondência entre grafemas e fonemas) e a compreensão do significado da linguagem escrita (o que pressupõe um acto de interpretação por parte do leitor). É nesta segunda componente do processo de leitura que nos vamos centrar, mantendo em mente, todavia, a ideia de que a compreensão de um texto depende sempre da descodificação da escrita, ou seja, de saber ler no sentido literal.
Se nos centramos na compreensão da leitura é porque atendemos a uma outra evidência sobre o acto de ler que nem sempre mereceu o devido reconhecimento: não basta aprender a ler, é necessário aprender com o que se lê: necessário interpretar os conteúdos e atribuir-lhes significado, para que a leitura, enquanto exercício de inteligência, cumpra o seu papel. Ora, esta interpretação não é um acto mecânico de juntar letras e formar palavras, mas um verdadeiro diálogo do leitor com o autor, em que aquele co-participa na produção de sentido do texto.
A compreensão e a proficiência na leitura evoluem ao longo do desenvolvimento da criança e relacionam-se com a compreensão de outras informações que a criança obtém através de outros sistemas de comunicação além da escrita. A compreensão da informação linguística depende do desenvolvimento das capacidades cognitivas para seleccionar, processar e (re)organizar informações, mas depende igualmente do nível dos conhecimentos prévios em relação à língua e aos conteúdos abordados no texto.
Investigações baseadas nas perspectivas cognitivista e desenvolvimental permitiram demonstrar que dois dos factores mais determinantes para explicar as diferenças entre os leitores principiantes e os leitores experientes, no que respeita ao grau de compreensão do texto lido, são o conhecimento prévio (que, naturalmente, vai aumentando com a idade) e as estratégias de compreensão pelas quais o leitor opta durante o acto de leitura (também estas relacionadas com a idade). Apesar da correlação com o nível etário, tanto o conhecimento prévio quanto as estratégias de compreensão podem ser melhoradas pela via do ensino. O professor pode contribuir para tornar a criança um leitor apto e, mais do que isso, um amante da leitura. Muitos o têm conseguido. A arte e o engenho, embora dependam dos seus recursos e da sua criatividade pessoais, incluem também uma grande dose de pequenos segredos técnicos que outros podem pôr em prática.
2. A leitura como construção do significado do texto

Algumas perspectivas sobre a formação e a evolução do conhecimento adoptam o conceito de esquema cognitivo para explicar como é que organizamos mentalmente as informações que recolhemos da nossa experiência. A metáfora adoptada por estas teorias pode servir-nos para percebermos porque é que os conhecimentos prévios do leitor são um elemento determinante para o grau de compreensão daquilo que ele lê.
De acordo com estas perspectivas (cujas fontes históricas se centram nas obras de Barttlet e Piaget), o conhecimento organiza-se em esquemas cognitivos que nos permitem descrever e explicar o mundo. São os esquemas aquilo que nos permite reconhecer estímulos, estabelecer conexões entre eles e tomar decisões acerca do que fazer na sua presença.
Estes esquemas podem estar adormecidos ou activados, quer dizer, podemos requisitá-los apenas quando os necessitamos e para tal basta ir ao grande armazém que é a memória. Este armazém tem uma secção de arquivo (memória de longo prazo) e uma secção activa (memória de trabalho): identificar objectos, reconhecer problemas, tomar decisões, executar actos, pressupõe trazer da memória de longo prazo para a memória de trabalho todos os conhecimentos relevantes (conectados) para a questão com que nos confrontamos. Cumprida a missão, estes conhecimentos regressam ao arquivo, muitas vezes modificados, devido às novas aquisições derivadas da experiência e da reflexão.
Compreender um texto consiste num processo gradual durante o qual o leitor procura uma configuração de esquemas que representem adequadamente cada uma das passagens que vai lendo. Estas passagens sugerem ao leitor interpretações possíveis que vão sendo avaliadas e reavaliadas em função das frases seguintes, até que uma interpretação consistente seja, por fim, encontrada (Rumelhart, 1980). À medida que o leitor lê, são trazidos à consciência (à memória de trabalho) os conhecimentos do repertório de informação do sujeito que são relevantes para entender o que está escrito e para fazer o trabalho de interpretação: construir um significado para o texto. O acto de interpretação corresponde à procura de uma «formulação coerente» do conteúdo do texto, sendo que esta coerência é obtida a partir de correspondências entre dados presentes na mensagem e dados presentes na memória, nos esquemas (Anderson, 1978).
Compreender a linguagem (oral ou escrita) implica descodificar uma mensagem de um modo activo. Não se trata de integrar mecanicamente a mensagem do autor nos esquemas preexistentes, acrescentando-lhes qualquer coisa. Trata-se, pelo contrário, de um processo em que é feita uma associação entre o texto percepcionado e os esquemas (conhecimento prévio) que o sujeito traz à leitura. Os esquemas que são invocados dependem do contexto de interpretação, um contexto onde se inclui a situação física e social do sujeito, o nível de atenção, o ponto de vista e restrições motivacionais, emocionais e cognitivas (Winograd, 1977; Haberlandt, 1982). Daí que o mesmo texto, quando lido em diferentes ocasiões, em diferentes estados de espírito, resulte em aprendizagens e significados diferentes. Quantas vezes não tivemos já esta experiência, ao ler pela segunda vez um livro (ao rever um filme, ao conversar de novo com alguém) de sentir que só agora compreendemos verdadeiramente o significado das palavras... Da mesma forma, o mesmo texto, lido por pessoas diferentes resulta em diferentes interpretações, já que as grelhas de leitura, podendo partilhar elementos comuns, são distintas de sujeito para sujeito. O significado das novas informações não está no texto, mas na interacção com as informações relevantes já existentes na memória. Ou seja, aquilo que aprendemos devemo-lo ao que já sabemos.
Quanto mais soubermos (quanto mais relevantes forem os nossos conhecimentos para integrarmos novas informações) mais aprenderemos e mais depressa o poderemos fazer. Este mecanismo, que explica a assimilação do conhecimento, explica, também, segundo Ausubel (et al., 1978), a relação entre a memória e a aprendizagem humana. Segundo este autor, os significados das coisas surgem sempre que se formam estas ligações significativas entre a informação nova (aquilo que se leu) e a pré-existente (aquilo que já se sabia). A aprendizagem dá-se nesse momento, quando a informação nova é assimilada à estrutura existente, ficando ancorada em ideias de suporte no mesmo domínio de conhecimento!(1) Esta interacção entre texto e estrutura cognitiva faz também com que o leitor recorde do texto elementos que aí não estavam presentes. Embora isto possa parecer surpreendente, diversos estudos o demonstraram empiricamente (cf., Le Ny, 1989).(2)
Devido a esta dimensão ideossincrática, alguns autores defendem que o texto não possui significado interno (e. g., Collins et al., 1980; Spiro, 1980; Ausubel et al., 1978; Noizet, 1980): o significado é construído pelo receptor, quando compreende (interpreta) uma mensagem. Numa mensagem nunca estão explicitadas todas as ideias do autor. Este tem intenções acerca das quais o leitor tem que fazer algumas inferências, baseando-se no seu conhecimento prévio. Este processo «inferencial» ajuda o leitor a clarificar detalhes não mencionados no texto, lendo nas entrelinhas.




3. Conhecimento prévio e compreensão da leitura

Vários estudos (cf., Anderson, 1978; Causinille-Marméche e Mathieu, 1988; Dole et al., 1991) mostram que a diferença entre bons e maus leitores não resulta de diferentes capacidades de processamento da informação, mas de diferenças na qualidade e organização dos conhecimentos prévios e nos processos cognitivos e metacognitivos postos em jogo durante a leitura. Da análise das diferenças entre os dois tipos de leitores, sintetizadas no quadro 1, podemos concluir que os conhecimentos do leitor e a forma como estes estão organizados têm uma importância fundamental para a compreensão da leitura. Podemos ainda rever aquelas velhas crenças que nos dizem que os leitores são bons ou maus devido às suas capacidades ou aptidões cognitivas. Com efeito, a investigação mostra que esta não é a norma. Indivíduos com capacidades idênticas podem ler de modo qualitativamente diferente, consoante aquilo que já sabem de antemão e o modo como sabem.

 
 
Quadro 1

Diferenças no conhecimento prévio entre bons e maus leitores

A maior capacidade de compreensão dos especialistas na leitura deriva do acesso a um corpo de conhecimentos relevantes e facilmente activados, os quais permitem um tratamento mais aprofundado e pertinente do enunciado. Quanto mais pertinentes e melhor organizados forem os conhecimentos prévios do leitor, tanto os conhecimentos gerais como aqueles que se referem ao domínio de conteúdo concreto abordado pelo texto, melhor será o seu desempenho na leitura e interpretação, melhor será a assimilação/aprendizagem dos conteúdos e melhor será, por conseguinte, a eficácia dos processos cognitivos em tarefas idênticas posteriores.
Apesar de tudo, a relação entre os conhecimentos prévios do leitor e a compreensão não é linear. O conhecimento pode existir mas não ser activado durante a leitura, pode estar fragmentado e por isso ser aplicado com incorrecções, pode ser incompatível com a informação presente no texto que está a ser lido e por isso poderá levar o leitor a desvalorizar ou a deturpar o que lê (Dole et al., 1991). Além disso, há que valorizar também o papel de outro factor destacado pela investigação como sendo distintivo entre leitores: as estratégias cognitivas.

4. As estratégias de compreensão da leitura

O leitor é um agente activo, capaz de construir e reconstruir o significado do texto à medida que o lê, através da integração das novas informações com os conhecimentos prévios a elas relacionados, do ajustamento das suas expectativas e da aplicação de estratégias flexíveis que regulam a compreensão do texto através dum controlo consciente do acto de leitura. Estas estratégias são o segundo grande factor em que se diferenciam os bons e maus leitores. A literatura tem salientado as seguintes: determinar as ideias principais do texto; sumariar a informação contida no texto; efectuar inferências sobre o texto; gerar questões sobre os conteúdos do texto; por fim, monitorar a compreensão (estratégia habitualmente designada por metacognição).

4.1 Reconhecer e determinar as ideias principais

A capacidade de separar os aspectos essenciais dos detalhes é um dos factores que diferenciam os leitores na sua eficácia e está muito associado à compreensão do texto e à sua recordação posterior. Aquilo que o leitor considera mais importante assume maior relevo no acto de leitura e por isso é mais facilmente memorizado. Como já referimos, os leitores mais eficazes têm maior capacidade de destrinçar e seleccionar os elementos importantes do texto e por isso aquilo que guardam na memória resulta de um trabalho selectivo em que o «trigo» já está separado do «joio». Por isso, os elementos mais importantes ficam menos sujeitos ao esquecimento. Os bons leitores procuram avaliar o texto a partir de várias frentes, incluindo o seu conhecimento sobre o autor (tendências, intenções, objectivos...) e usam o seu conhecimento da estrutura do texto para identificar e organizar a informação.
Durante a leitura, estes leitores envolvem-se activamente num trabalho de pesquisa, durante o qual reflectem acerca das ideias encontradas no texto e da sua importância relativa. Esta pesquisa faz com que a leitura seja uma actividade selectiva. Estes leitores não se restringem a seguir o percurso linear do texto. Lêem e relêem algumas passagens, dão saltos para trás, a fim de comparar algumas passagens com outras já lidas anteriormente e de clarificar ideias. Certos trechos considerados importantes, contraditórios ou pouco claros são mantidos presentes na memória de trabalho, de modo a clarificá-los à medida que novas passagens, com eles relacionadas, vão sendo lidas.
No final da leitura, os bons leitores têm consciência de até que ponto conseguiram obter um quadro de representação coeso sobre o texto, ou seja, até que ponto compreenderam as suas ideias principais e, caso verifiquem que não compreenderam, ou que existem lacunas, empenham-se de novo na leitura do texto para clarificar o seu significado.
Por fim, os bons leitores são mais capazes de determinar as ideias importantes do texto, não apenas em função das intenções do autor, mas igualmente em função dos seus próprios objectivos de leitura, tendo o discernimento para perceber quais as partes do texto que se relacionam com esses objectivos.
A identificação das ideias principais é também influenciada por elementos próprios do texto, como o tipo de vocabulário usado pelo autor, a quantidade de pormenores de apoio às ideias principais ou a presença de tópicos específicos sobre essas ideias (Andre, 1987; Goetz e Armbruster, 1980). Há aqui uma pista interessante do ponto de vista educativo, quanto à redacção de textos didácticos, de modo a evitar alguns erros usuais. É frequente, por exemplo, vermos textos de manuais escolares dirigidos a crianças redigidos com vocabulário demasiado complexo, pouco frequente na linguagem de uso corrente ou pouco compatível com o nível de desenvolvimento e capacidade de abstracção linguística dos seus destinatários.

4.2 Sumariar a informação

Trata-se de uma actividade mais geral que a anterior. A sumariação implica que o leitor sintetize grandes unidades de texto, condensando as ideias principais e recriando um novo texto coeso e coerente com o original. A função desta estratégia é clarificar as ideias principais do texto e as suas interacções.
A sumariação implica o recurso a operações cognitivas como: seleccionar umas informações e anular outras; condensar algumas informações e substituí-las por conceitos mais gerais e inclusivos; integrar as informações seleccionadas numa representação coerente, compreensível e resumida do texto original (Dole et al., 1991). Ora, estas operações estão altamente relacionadas com o nível de desenvolvimento do leitor. Os estudos (cf., Gagné, 1985; Dole et al., 1991) mostram que embora quase todas as crianças consigam sintetizar a estrutura principal de narrativas simples, as mais novas têm desempenhos fracos na sumariação de texto complexos sobre as mesmas narrativas.
A sumariação relaciona também a estrutura do texto com o conhecimento prévio: os textos bem estruturados e que descrevem acontecimentos familiares ao leitor têm maiores probabilidades de serem compreendidos, sintetizados e memorizados.
O treino da sumariação é uma actividade eficaz, pois permite ao aluno reconhecer a estrutura do texto, favorecendo a memorização de passagens importantes, uma melhor compreensão das relações de subordinação entre ideias e melhor capacidade de detectar as palavras-chave do texto (Oakhill e Garnham, 1988; Andre, 1987; Gagné, 1985).

4.3 Efectuar inferências sobre o texto

Muitos autores defendem que esta estratégia é o centro vital da compreensão. Ela está presente na leitura de quaisquer textos, dos mais simples aos mais complexos, tanto em adultos como em crianças. A inferência permite chegar a uma compreensão mais aprofundada do que a mera compreensão literal do texto. Compreender um texto implica inferir sobre o que se lê (título, tema, objectivos, enquadramento do texto...), a partir daquilo que se sabe (Anderson e Pearson, 1985; Dole et al., 1991; Andre, 1991; Gagné, 1981). A inferência permite dar coerência ao que se lê, extrair novas informações a partir do que está escrito, evocar informações que devem ser adicionadas ao texto e completá-lo (Van de Velve, 1989).
Ao ler num jornal um artigo de opinião, fazemos inferências acerca das razões pelas quais o autor escreveu o artigo, porque o publicou naquele jornal e não noutro, porque defendeu certos argumentos, porque evocou uns factos e deixou outros omissos... Fazemos tais inferências a partir de conhecimentos e crenças que entendemos serem relevantes (p. ex., aquilo que sabemos acerca do autor, do jornal e do tema abordado).
Estes conhecimentos são filtrados pelos valores, opiniões e emoções: ao ler podemos sentir-nos irritados, revoltados, divertidos, comovidos, apaziguados,... Sabe-se que os bons leitores avaliam e respondem afectivamente àquilo que lêem, de um modo tanto mais intenso quanto maior o seu interesse sobre o assunto lido (Pressley et al., 1997). Ou seja, fazem uma leitura emocionalmente activa na qual não se limitam a memorizar automaticamente a informação, mas antes a interpelam a partir de uma posição crítica.

4.4 Gerar questões sobre o texto

Trata-se de um procedimento relacionado com a inferência e que, como noutras estratégias, também distingue os leitores mais e menos proficientes. Os resultados da investigação mostram que a capacidade de colocar questões pertinentes sobre os conteúdos do texto permite ao leitor aprofundar a compreensão sobre esses conteúdos. Na sua maioria, estes estudos (citados por Andre, 1987; Dole et al., 1991; Oakhill e Garnham, 1988) salientaram as seguintes implicações para o ensino da leitura:
 Treinar os alunos a responderem questões sobre o texto permite-lhes compreender informações sobre histórias a serem apresentadas posteriormente, já sem necessidade de recorrer a questões auxiliares como as que foram utilizadas num treino inicial.
 Se os alunos forem ajudados a produzir as suas próprias questões isso os ajudará a melhorar a compreensão do texto.





4.5 Monitorar a compreensão (metacognição)

A metacognição é a capacidade de estar consciente dos próprios processos de pensamento: é o pensar sobre o pensar, a auto-avaliação que nos permite dizer «estou a compreender». Durante a leitura, a metacognição inclui duas componentes distintas:
 Estar consciente da qualidade e do grau de compreensão – esta componente implica que o leitor seja capaz de detectar incongruências no texto e de se implicar activamente na resolução deste problema. Os leitores mais novos, tal como os menos proficientes, têm mais dificuldade em detectar e resolver estas incongruências. Contudo, na maioria dos casos, as incongruências são detectadas quando o conhecimento prévio é insuficiente para se compreender o que se lê («Não percebo. Isto é novo, está relacionado com quê?») ou quando contradiz aquilo que se lê («Isto vai contra o que eu sei acerca deste assunto!»).
 Saber o que fazer e como fazer quando se descobrem falhas na compreensão – este é um aspecto capital no desenvolvimento da mestria na leitura e uma das diferenças mais acentuadas entre leitores de baixo e de alto nível de mestria.
Seguindo a síntese apresentada por Dole et al. (1991) podemos dizer que os bons leitores são mais capazes de: gerir a energia e o tempo que gastam para resolver problemas de leitura; utilizar os recursos disponíveis (por exemplo, repetir a leitura de uma passagem anterior para compreender melhor outra que se segue); e adaptar as estratégias que utilizam, de um modo flexível, às diferentes circunstâncias.
Em contrapartida, e de acordo com Garner (1988), verifica-se que os leitores mais novos ou inexperientes têm pouca consciência da necessidade de encontrar sentido para o texto; encaram a leitura mais como um processo de decomposição do que de atribuição ou procura de significado; têm dificuldade em identificar os momentos em que não estão a perceber o texto; e têm dificuldade em encontrar estratégias compensatórias (tal como reler o texto, estudar com mais detalhe os segmentos difíceis ou sumariar) quando não compreendem o que lêem.
Estas diferenças metacognitivas entre leitores dão-nos um indicativo sobre algumas sugestões práticas para o ensino da leitura, que se podem traduzir numa ideia básica: se o aluno aprender a conversar consigo próprio acerca do que leu e compreendeu e se, adicionalmente, lhe forem dadas instruções sobre como agir quando verifica que não compreende, ele poderá tornar-se mais consciente do seu estilo de leitura, da sua eficácia e das alternativas para melhorar a compreensão.

5. Aplicações ao ensino: uma síntese

A perspectiva que acabámos de apresentar permite-nos identificar alguns princípios orientadores para o ensino destas competências:
 Os alunos são agentes activos da sua aprendizagem, são capazes de construir significado e de auto-regular os ensinamentos adquiridos na escola. Os professores, por seu lado, são agentes mediadores desta aprendizagem, mais do que os transmissores de saber estático: eles podem apoiar o aluno, tanto na construção dos significados quanto no desenvolvimento de estratégias que facilitem a leitura e a sua compreensão.
 A leitura é um processo de especialização gradual. O seu objectivo é a construção de significado, independentemente da idade e da capacidade do leitor. O que varia entre os diferentes leitores é o grau de sofisticação na capacidade de leitura e a maior ou menor necessidade de apoio por parte do professor (Dole et al., 1991).
 Tal como o bom leitor tem em mente uma ideia acerca da forma como construir o significado do texto, o professor também tem alguma ideia acerca de como apoiar o aluno nesse trabalho. O professor pode alterar as suas acções, consoante os objectivos, exigências dos textos e tarefas de leitura, respostas dos alunos e contingências situacionais do ensino (Dole et al., 1991).
 A leitura e o ensino da leitura são actividades interactivas, envolvendo o professor, o aluno e os colegas. As suas interac¬ções contínuas em sala de aula interferem com a construção de significado do texto (Dole et al., 1991).
 A estrutura do texto é um elemento essencial. Um discurso conexo, coerente e bem estruturado é mais fácil de ser compreendido e de ser recordado do que um conjunto de frases desconexas ou mal estruturadas. Por outro lado, o texto é tanto mais compreensível quanto mais congruente for com os conhecimentos e expectativas do leitor. Por esta razão, os conteúdos a transmitir devem ser integrados em textos (e contextos) interessantes e significativos para o aluno.
 Os elementos do texto vistos como mais importantes são melhor recordados. Para que o aluno identifique as ideias principais com facilidade, o professor pode orientá-lo, ensinando fórmulas de apoio à leitura, como: sublinhados, tomar notas, fazer esquemas e sumários, organizar mapas de conceitos ou relacionar as ideias do texto com ideias afins.
 As estratégias de leitura são adaptáveis e intencionais, podendo ser aperfeiçoadas em função do leitor, dos textos e dos contextos (Dole et al., 1991). A inferência é uma das estratégias que mais determina o grau de compreensão da leitura. Para desenvolver esta competência, o professor pode ensinar que ler não é apenas pronunciar bem as palavras, é também detectar o seu valor semântico (Anderson, 1980). Ensinar o aluno a fazer perguntas pertinentes acerca de textos difíceis é outra estratégia que poderá ser desenvolvida com a ajuda do professor (Collins et al., 1980; Oakhill e Garnham, 1988) e que aumentará a competência inferencial.
 Quanto melhores forem as capacidades metacognitivas e a auto-regulação, melhor será a capacidade do aluno para avaliar as suas produções, identificar estratégias de leitura úteis e saber quando deixam de o ser. O professor pode informar o aluno sobre como e quando utilizar estas estratégias, viabilizando a sua transferência a situações novas. O treino metacognitivo poderá ajudar o aluno a examinar os seus processos internos de compreensão durante a leitura.
Pressley (1996, in Pressley et al., 1997) efectuou um levantamento das actividades desenvolvidas para ensinar a literacia, por educadores de infância e professores do 1.º, do 2.º e do 5.º ano do ensino básico e de educação especial, considerados muito competentes pelos seus supervisores. As suas opções dão-nos pistas interessantes sobre os melhores métodos para ajudar o aluno a compreender significativamente a leitura e mostram que é importante ter em conta o contexto de aprendizagem em sala de aula (organização do espaço e do tempo, gestão da turma, formação de grupos, tipo de tarefas, clima na sala de aula, etc.). Como é fácil de ver, os professores eficazes cujo trabalho é referido nas sinopses abaixo valorizam estes factores.

6. Conclusões

O ensino da compreensão da leitura tem um valor formativo no âmbito do desenvolvimento pessoal e social dos alunos, desde as primeiras etapas de iniciação à leitura. A língua escrita é um veículo de comunicação sociocultural que difunde valores, ideologias, conhecimentos sobre o mundo. Através da leitura, o nosso campo de experiências (fonte de conhecimento e desenvolvimento) amplifica-se muito para lá das fronteiras da experiência directa.
Se os benefícios da leitura são evidentes para a maioria dos leitores experientes, que vêem nessa actividade um modo de comunicar e aprender, o mesmo não se pode dizer das crianças, no início da aprendizagem da leitura. A proximidade funcional entre a língua escrita e a oral não é evidente para uma criança no início da vida escolar. Aparentemente, a leitura tem muito pouco a ver com o ser criança3. Claro que os argumentos apresentados são facciosos e facilmente contestáveis. Mas, se essa contestação for fácil e imediata no plano de um discurso, será ela assim tão facilmente interiorizada e aceite pelas crianças? A resposta é sim, mas devagarinho (e estrategicamente!). A leitura pode tornar-se uma das actividades mais gratificantes para a criança (muitos casos de leitores compulsivos com 6, 8 ou 10 anos o comprovam) mas tal só acontece quando a criança percebe (e para tal precisa de ajuda) que a leitura pode ajudá-la a cumprir objectivos cognitivos, lúdicos, afectivos e sociais).
Enquanto a criança não aprender a decifrar os códigos da linguagem escrita, o conhecimento que esta encerra permanecerá um mistério inacessível. Infelizmente, o ensino da leitura foi durante séculos concebido como o ensino da descodificação dos componentes formais da língua (sintaxe, fonética, léxico) para acesso à mensagem literal (muitas vezes nem isso). Esquecia-se que a linguagem tem outras dimensões: a pragmática (relacionada com os objectivos e os contextos do sujeito) e a semântica (relacionada com os significados). Gostar de ler pressupõe saber ler formalmente, saber ler significativamente e saber ler de modo contextualizado e pessoal.
A escola é o grande iniciador à leitura para a maioria das crianças. Deverá, por isso, garantir que esta actividade seja aprendida num registo de forte significação pessoal. Para isso, a leitura não pode ser apresentada como uma actividade mecânica, mas como uma actividade construtiva e empenhada do aluno, como algo a ser compreendido por referência àquilo que a criança já sabe e àquilo que quer saber para alcançar os seus objectivos. Só quando a criança conseguir estabelecer estes vínculos e perceber o valor e utilidade instrumental da leitura é que poderá empenhar-se na leitura de modo tão completo que assegure que o acto de ler é um verdadeiro acto de aprendizagem.


Bibliografia

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Winograd, T. (1977): «A Framework for Understanding Discourse», in M. A. Just, e P. A. Carpenter (eds.): Cognitive Processes in Comprehension. Nova Jersey, Lawrence Erlbaum Associates Publishers, pp. 63- 88.


Notas

* Professora adjunta e coordenadora do Gabinete de Relações Internacionais, Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), Portugal.
1 O mais interessante deste processo de aprendizagem é que a assimilação de novas informações, as ligações significativas entre o novo e o velho saber, tanto contribuem para a retenção da informação relevante como para o esquecimento da que é irrelevante. Enquanto algumas informações são integradas na estrutura de conhecimentos, nos esquemas cognitivos, outras são banidas. As informações pouco inclusivas (ilustrações, pormenores, a forma literal do texto), depois de cumprirem a sua missão (contribuir para formar conceitos gerais...) são esquecidas, subordinando-se a uma ideia mais inclusiva. Isto acontece devido a uma espécie de economia cognitiva que resulta das limitações da nossa capacidade de memória. É mais fácil memorizar um conceito abstracto do que osexemplos a ele associados. Não havendo espaço na memória para todas as informações lidas, permanecem apenas as que o leitor considere relevantes. Compreende-se, assim, porque é que, com o passar do tempo, um texto deixa da ser recordado na forma literal, mesmo quando o conteúdo é conservado.
2 A ideia de que a informação interiorizada e organizada previamente afecta o processamento cognitivo da informação posterior não é recente. Já no início dos anos trinta, Bartlett se referiu à natureza construtiva da memória, tendo verificado, a partir dos seus estudos sobre a recordação de textos lidos que aquilo que é recordado pelos sujeitos se relaciona com os seus conhecimentos prévios e interesses pessoais. Bartlett constatou que, ao mesmo tempo que as pessoas «recordam» uns elementos do texto (no caso destas investigações, tratava-se de narrativas de histórias tradicionais) e esquecem outros, também «recordam» elementos que não constavam no texto original.
3 Ler pode ser uma actividade enfadonha para uma criança, devido aos obstáculos à compreensão:
• O texto escrito não usa os mesmos vocábulos, regras e organização
gramatical que o texto falado.
• O autor não está presente, pelo que é difícil perceber (no nível concreto com que a criança funciona) que houve alguém que escreveu o texto e que esse alguém tem objectivos, valores e intenções, que permanecem por detrás do que escreveu.
• Ao contrário do que acontece no diálogo, o texto não responde directamente às dúvidas, não diz por outras palavras, não explica de novo, não considera o estilo de aprendizagem do leitor, não evita palavras difíceis, não explica as que trazem dúvidas.
• Um texto escrito não tem vertente afectiva evidente. Quando nos aborrece podemos pô-lo de lado. Fecha-se o livro, põe-se na prateleira e estamos certos de que não reivinda a nossa atenção.
• Os livros falam de coisas que podemos desconhecer, que não nos interessam, que já sabemos, com as quais discordamos – e não se interessam pelo que pensamos acerca do que dizem.
• Os livros obrigam a estar parados fisicamente, e logo fazem isso à criança, que tanto gosta de explorar o mundo através das suas correrias...

domingo, 27 de março de 2011

JOSÉ SARAMAGO

JOSÉ SARAMAGO


José Saramago - filho e neto de camponeses - nasceu na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, ao sul de Portugal, no dia 16 de novembro de 1922, ainda que os registros oficiais mencionem como data de nascimento o dia 18.
Seus pais mudaram para a capital, Lisboa, quando Saramago ainda não havia completado dois anos. Portanto, a maior parte da sua vida decorreu nessa que é uma das mais importantes cidades europeias, embora até o início da idade adulta passasse períodos numerosos e prolongados em sua aldeia natal.
Autodidata, chegou a fazer estudos secundários que, por dificuldades econômicas, não prosseguiu. Seu primeiro emprego foi como serralheiro, tendo exercido depois diversas profissões: desenhista, funcionário da saúde e da previdência social e tradutor.
Iniciou sua atividade literária em 1947, com o romance Terra do Pecado, só voltando a publicar (um livro de poemas) em 1966. Trabalhou durante doze anos numa editora, onde exerceu as funções de gerente de produção e editor de literatura. Também foi crítico literário da revista Seara Nova.
Em 1972 e 1973 fez parte da redação do jornal Diário de Lisboa, onde foi comentarista político, tendo também coordenado, durante cerca de um ano, o suplemento cultural desse vespertino.
Em 1975, tornou-se diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias. Acuado pela ditadura de Salazar, a partir de 1976 passou a viver de seus escritos, inicialmente como tradutor, depois como autor. Saramago também participou da primeira Direção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, de 1985 a 1994, presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores.
Prêmio Nobel de Literatura
Saramago era um autor prolífico. Além de romances, publicou diários, contos, peças teatrais, crônicas e poemas. Em 1980, alcança notoriedade com o livro Levantado do Chão. Outro romance, Memorial do Convento repetiria, dois anos depois, o mesmo sucesso.
Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro censurado pelo governo português - o que leva Saramago a exilar-se em Lanzarote, nas Ilhas Canárias (Espanha), onde viveu até sua morte.
Primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998, Saramago foi considerado, pelo crítico Harold Bloom, como "o escritor de romances mais dotado de talento dos que seguem com vida, um dos últimos titãs de um gênero em vias de extinção".
Entre seus outros livros estão os romances O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), Ensaio sobre a Cegueira (1995, adaptado para o cinema pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles), Todos os Nomes (1997) e O Homem Duplicado (2002). Deve-se citar também a peça teatral In Nomine Dei (1993) e os dois volumes de diários recolhidos nos Cadernos de Lanzarote (1994-7).
Em janeiro de 2010, Saramago relançou o livro A Jangada de Pedra, que teve toda a renda da edição revertida para as vítimas do terremoto no Haiti.
Casado com a jornalista espanhola Pilar Del Rio em segundas núpcias, Saramago deixou uma filha (do primeiro casamento) e dois netos. "Comunista hormonal", como ele mesmo se classificou, Saramago faleceu aos 87 anos.
Folha de S. Paulo; El País






RESUMO/RESENHA DO LIVRO E DO FILME


Ensaio sobre a Cegueira é um texto literário que narra a história de uma pandemia inédita – a cegueira branca – através de um dos muitos grupos de pessoas que por ela são contagiados. Quando a doença se manifesta num homem e se propaga a todas as pessoas com quem contactou num curto espaço de tempo, o Governo decide isolar os pacientes num manicómio fora de uso, mas cedo se verifica que o poder de contágio supera todas as medidas preventivas que possam tomar. É através dos olhos da única pessoa imune à cegueira, a mulher de um oftalmologista, que vemos o cenário de degradação, tanto física como psicológica, em que a história dos habitantes do hospital se desenrola. Dentro do manicómio, a comida rareia, graças a um abastecimento deficiente efectuado por soldados aterrorizados e à crescente sobrelotação do local. O asseio torna-se impossível, e das condições precárias de vida emergem atitudes de grande violência e egoísmo. Quando a cegueira atinge proporções gigantescas no mundo exterior ao manicómio, a mulher do oftalmologista conduz o seu pequeno grupo de cegos para fora do hospital, através de uma cidade que desconhecem, povoada de imundície e de um salve-se-quem-puder global, em busca de mantimentos que parecem ter desaparecido com a visão. Depois de passar pelas casas dos companheiros em busca de familiares sobreviventes à cegueira, a mulher do oftalmologista leva o grupo para a sua casa, onde passam os dias e as noites acalentando a esperança de uma cura que lhes parece cada vez mais distante. É numa dessas noites que o primeiro cego lança um grito de alegria e anuncia aos seus companheiros que recuperou a visão. Um a um, e pela mesma ordem em que foram contagiados, os cegos voltam a ver.




Ensaio Sobre a Cegueira, é um dos livros mais comentados dos últimos anos, tendo inclusive uma versão cinematográfica do diretor Fernando Meirelles.

Um motorista parado no sinal se descobre subitamente cego. É o primeiro caso de uma “treva branca” que logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos se perceberão reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas.

Este livro é a fantasia de um autor que nos faz lembrar “a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”. Saramago nos dá, aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos, como Franz Kafka e Elias Canetti.

Cada leitor viverá uma experiência imaginativa única. Num ponto onde se cruzam literatura e sabedoria, o autor nos obriga a parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu: “uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”.