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terça-feira, 8 de março de 2011

A VITALIDADE DO ÓBVIO


O planejamento tem que se tornar para as pessoas (para os grupos) tão simples como o andar. Para isto, há uma receita infalível e, ao mesmo tempo, desprezada pelas pessoas: buscar o óbvio.
Desde logo, convém deixar claro que, ao falar em óbvio, não estou falando de algo que é superficial, que nada explica. Não estou falando daquilo que as pessoas chamam de óbvio com desprezo, quando se referem a tautologias utilizadas por mentes pobres que nada têm a dizer. Quando falo em óbvio, quero referir-me àquelas soluções que são simples, que todas as pessoas envolvidas com a matéria que se discute conseguem entender e que suscitam aquelas exclamações típicas: “Assim, até eu!” e “Como não pensei nisto antes?” Uso o termo com o sentido que lhe dá o Pequeno dicionário brasileiro da Língua Portuguesa: “que está diante; patente, claro; axiomático”.
Neste sentido, o óbvio não é fácil de descobrir e, muito menos, é o que nos parece como primeira solução, imediata, pronta pela ideologia e pelo senso comum. É preciso trabalhar bastante para chegar ao óbvio. São necessários o estudo e a prática, a descoberta vagarosa que inclui o erro, a solução cada vez mais próxima. Para achar o óbvio é preciso compreender que, havendo esforço e honestidade, não há erro, mas aproximação sucessiva à verdade. O agricultor, com o tempo e a consciência que lhe vem da ação-reflexão, vai caminhando rumo ao óbvio e a ele chega quando faz da única maneira possível para atingir o melhor naquelas condições determinadas em que ocorre sua plantação. Um professor, um artista. . ., com esforço, descobrem o óbvio.
Nem sempre chegamos ao óbvio. Na verdade, a ele chegamos em alguns pontos mais simples. Muitas vezes não o aceitamos e seguimos realizando nossas tarefas mais ou menos, sem satisfação completa, rindo daquelas pessoas mais simples que já o alcançaram em muito mais aspectos. Outras vezes – demasiadas vezes lamentavelmente – não o reconhecemos porque de fato não o estamos buscando e ninguém percebe que encontrou quando não sabe o que procura, como dia o provérbio.
Cristóvão Colombo, segundo a história que dele mais se conta, alcançou o óbvio quando venceu seus concorrentes no ato de fazer com que um ovo ficasse em pé sem nenhuma sustentação que assim o mantivesse. Quando quebrou a ponta do ovo para que pudesse apoiar-se na mesa e ficar em pé, ouviu deles a exclamação assustada: “Ah! Assim é fácil”. E ninguém dissera que era fácil. . .
Galileu descobriu o óbvio quando viu que a terra girava ao redor do sol: Edison fez o mesmo; e Gandhi; e Einstein; e Martin L. King. . .
O óbvio aparece muito claro nas adivinhas e nos problemas com que muitas vezes brincamos. Quando alguém resolve a questão e surge como uma luz que nos faz a todos ficar calados, sorrindo constrangidos diante de nossa pouca acuidade mental, é o óbvio que nos envolve inteiramente.
Em qualquer prática a descoberta do óbvio traz resultados extraordinários. Há mesmo formas de agir que se consagram como técnicas porque atingiram aquele grau de perfeição além do qual já não adianta ir.
Em nosso caso, que falamos em planejamento, temos que pensar no óbvio em duas dimensões: no que se refere a técnicas, metodologia, processos e instrumentos do planejamento e no que diz respeito ao conteúdo da análise da realidade, das propostas, da nossa teoria, das nossas escolhas. De fato, no planejamento, como já disse em outro lugar, é muito importante o moinho, mas ele de nada valerá se não houver um bom grão para moer. Insistirei mais na primeira dimensão porque afinal estamos falando em planejamento e esta dimensão é mais própria dele e também porque é mais fácil compreendê-lo aqui, dadas suas dimensões mais reduzidas em confronto com todo o projeto social e os variadíssimos campos de ação de que teríamos que falar.
O homem caracteriza-se por planejar, isto é, por vislumbrar um fim e encadear meios para alcançar este resultado. O que, de verdade, não é comum é a utilização automática de uma metodologia bem preparada e  um conhecimento mais claro do conteúdo do processo que se desencadeia. Muitas vezes cada ação é desligada da outra – e os processos são muito parciais e picotados – de modo que a intervenção na realidade não é ampla e global nem consciente.
Quando uma pessoa aprende a andar, sobretudo se o faz com ajuda de elementos científicos, pode discutir seus rumos e seus caminhos – sozinha ou com outros – sem preocupar-se sobre o próprio processo de caminhar; quando se trata de algo mais complexo, como aprender a usar um instrumento mais sofisticado (por exemplo, dirigir um avião) será necessário um trabalho mais cuidadoso, para tornar isto um processo automático, a fim de que a preocupação com o instrumento não prejudique o que realmente importa que é o resultado que se quer alcançar e para o qual o instrumento é útil.
Assim é preciso que aconteça com o planejamento porque ele, ao final, é um instrumento para alcançar algum resultado determinado. É preciso que sua aplicação se torne automática, a fim de que a energia seja endereçada para a questão de fundo. Só alcançaremos o óbvio em planejamento quando mudarmos nosso modo de pensar.
Só conheço um texto sobre o óbvio. É o pequeno livro de Robert R. Updegraff, intitulado Adams Óbvio e publicado pela Editora Haper & Brothers; em 1916.

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