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terça-feira, 8 de março de 2011

O ESCORPIÃO E A RÃ

Um dia a floresta pegou fogo. E incêndio não tem medo de rabo de escorpião. Só havia um jeito de fugir da morte: era atravessando o rio, para o outro lado. Os bichos que sabiam nadar pulavam na água, levando seus amigos nas costas. Mas o escorpião nem tinha amigos nem sabia nadar. E não havia ninguém que se arriscasse a oferecer-lhe carona.
O escorpião então, valentia e coragem sumidas ante o fogo que se aproximava, foi forçado a se humilhar. Dirigiu-se com a voz mansa à rã, que se preparava para a travessia.
_ Por favor, me leve nas suas costas _ ele disse.
_ Eu não sou louca. Sei muito bem o que você faz a todos que se aproximam de você _ replicou a rã.
_Mas veja _ argumentou o escorpião _, eu não posso picá-la com o meu ferrão. Se o fizesse você morreria, afundaria, e eu junto, pois não sei nadar.
A rã ponderou o raciocínio estava certo. Podia ser que o escorpião fosse muito feroz, mas não podia ser burro. Todo mundo ama a vida. O escorpião não podia ser diferente. Ele não iria matar, sabendo que assim se mataria... E como tinha bom coração resolveu fazer esta boa ação.
_ Muito bem _ disse a rã ao escorpião. _ Suba nas minhas costas. Vou salvar sua vida...
O escorpião se encheu de alegria, subiu nas costas lisas da rã, e começaram a travessia.
_ Que coisa _ ele pensou _, é a primeira vez que me encosto em alguém de corpo inteiro. Antes era só o ferrão... E até que não é ruim. O corpo da rã é bem maciinho...
Enquanto isso a rã ia dando suas braçadas tranqüilas, nado de peito, deslizando sobre a superfície.
_ E como é gostoso navegar _ continuou o escorpião nos seus pensamentos. _ Estes borrifos de água, como são gostosos. É bom ter a rã como amiga...
Estavam bem no meio do rio. O escorpião olhou para trás e viu a floresta em chamas.
_ Se não fosse a rã, eu estaria morto neste momento.
E um estranho sentimento, desconhecido, encheu seu coração: gratidão. Nem sempre veneno e ferrão são a melhor solução. A vida estava com a rã, macia e inofensiva, que não inspirava medo a ninguém...
Sentiu seu corpo descontrair-se. Achou que a vida era boa... Era bom poder baixar a guarda e descansar.
Voltou-se de novo  para trás para olhar a floresta incendiada. Mas, ao fazer isto, viu-se refletido, corpo inteiro, na água do rio que brilhava à luz do fogo. E o que viu o horrorizou: seu rabo, dantes ereto, agora dobrado, desarmado. Escorpião de rabo mole... Todos ririam dele. E sentiu um ódio profundo da rã.
_ Espelho, espelho meu, existe bicho mais terrível que eu?
A resposta estava naquele rabo mole, refletido no espelho da água. E a única culpada era a rã...
Sem um outro pensamento enrijeceu o rabo e o enfiou nas costas da rã.
A rã morreu. E com ela o escorpião.

MORAL: A estupidez do poder é maior que o amor à vida.
Rubem Alves.

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