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domingo, 1 de abril de 2012

ANÁLISE DE O BOM CRIOULO

ENREDO

Na calmaria do mar, os marinheiros se enfileiravam para ver o castigo que três deles receberiam devido a infrações dentro do navio. Entre eles estava Amaro, o bom crioulo, um negro forte, ex-escravo fugido, metia medo nos companheiros. Entrara pra marinha e se destacava, por muito tempo sonhou navegar e agora ali estava em uma embarcação. Recebeu como punição algumas chibatadas que aguentou com dureza.
Estava sendo punido por brigar com outro companheiro por causa de Aleixo que era um rapazinho do sul, loiro de olhos azuis que deixou Amaro desconcertado quando o viu e o fez protegido, mas sua estima ia além da amizade, desejava Aleixo como homem deseja mulher. No decorrer da viagem os dois criaram laços de amizades e pouco tempo depois se acabara a viagem e os dois desembarcaram no Rio de Janeiro planejando alugarem um quartinho na Rua da Misericórdia onde D. Caroline vivia em um sobradinho a alugar quartos. Ela era conhecida de Amaro por uma vez este ter-lhe salvado a vida. Alugaram um quarto colado ao sótão e ali viveram como dois amantes. Amaro tratava Aleixo como um escravo a satisfazê-lo, mas a afeição existia. D. Carolina brincava que juntos acabariam tendo um filho.
Por certo período, embarcavam e trabalhavam no mesmo navio e juntos voltavam a terra unindo-se em seu quartinho na Rua da Misericórdia e foi assim até que Amaro foi transferido para serviço em outra embarcação daí eles combinaram o dia para que voltassem juntos e se encontrassem no sobradinho de D. Carolina. Mas, no navio de Amaro ele só podia desembarcar uma vez por mês. A boa referência de seu trabalho garantida pela convivência satisfatória que levava na Rua da misericórdia fazia-o mais requisitado.
Um dia Aleixo desembarcou, mas Amaro não se encontrava no quartinho. Como estava sozinho, deitou-se na cama e começou a fumar e a planejar, pela primeira vez, encontrar outro homem, já que era bonitinho, poderia achar outro uma vez que já estava acostumado às relações com o mesmo sexo. Porém D. Carolina desejou possuí-lo. Inicialmente ele mostrava por ela certo pudor, mas ela se insinuava e convidou-o para ir ao quarto dela e foi ali que ele esteve com a primeira mulher de sua vida. Os dois passaram a viver um romance. Aleixo a desejava e a recíproca era verdadeira.
Amaro apareceu e desta vez quem não estava no quartinho foi Aleixo. Amaro vasculhou o quarto em busca de traição e depois saiu à rua, pensando em se ajeitar com alguma mulher e abandonar Aleixo. Acabou se embriagando tornando-se uma fera e consequentemente entrou em uma briga e acabou levado por um capitão à sua embarcação, passou a primeira noite preso e no dia seguinte recebeu o castigo. Foram cento e cinquenta chibatadas, as quais levaram o negro ao hospital.
Aleixo e D. Caroline possuíam-se. Ele queria por tudo esquecer a figura do negro pelo qual nunca sentira nada e de quem guardava até certo rancor. Amaro estava no hospital, sentia-se ali preso, o que lhe torturava devido a sua paixão pela liberdade. Com o decorrer dos dias Aleixo vivia com Caroline e exigia-lhe fidelidade. E Amaro, inválido no hospital, morria de saudade, desejo, ciúme, raiva por Aleixo.
Conseguiu o negro que um bilhete fosse escrito a Aleixo, narrando-lhe onde estava, seu estado e pedindo uma visita. Aleixo não apareceu e, assim, a raiva e o ciúme do negro aumentaram, ele acreditava que o rapazinho arrumara outro homem e sofria e sofria por isso.
Depois de um tempo o bilhete chegou a Rua da Misericórdia, Caroline o rasgou, temia o Bom Crioulo. Nesta noite trancou as portas. Quando Aleixo voltou e teve com a porta trancada encheu-se de desconfiança sobre uma traição. A má situação que se estabeleceu levou Caroline a contar o que a levara a trancar-se. Aleixo cogitou uma visita ao negro, mas ela afirmou que era melhor que não, Amaro acabaria por esquecer-se do rapaz.
Então em um dia de visita, Herculano, ex-companheiro de Amaro nas embarcações, apareceu em visita a um doente. Amaro teve com ele e disfarçado indagou sobre Aleixo. Recebeu de reposta que ele estava metido com oficiais e que saía e entrava quando queria, acreditavam até que tinha uma rapariga.
Depois da partida de Herculano, Amaro planejou sua fuga, pois mais que nunca queria ter com Aleixo, era uma raiva e também um desejo de possuí-lo provocando-lhe dor. Escapou do hospital pulando a janela durante a noite quando chegou ao mar, tomou carona em um barquinho e chegou ao cais de madrugada. Vagou pela cidade, até chegar ao sobradinho da Rua da Misericórdia, que aparentava estar abandonado.
Foi à padaria praticamente em frente e perguntou se Aleixo e D. Caroline ainda moravam ali e o que teve como resposta foi que havia boatos de que se arranjavam juntos e saíam a passeios à noite. Foi nesse ínterim que Aleixo saiu à rua e Bom Crioulo foi ter com ele.
Pegou o rapaz e com fúria chamava-lhe de safado e lhe culpava pelo estado em que se encontrava. Aleixo se acovardou diante da presença e do que o negro lhe dizia. Amaro falava baixo, porém ameaçador, logo o povo se aglomerou em volta dos dois. No fim, D. Caroline saiu à janela e viu descendo a rua o negro Amaro preso pelos guardas por ter assassinado Aleixo a navalhadas e este era carregado do meio da multidão com o corpo mole e ensanguentado.

FOCO NARRATIVO:

O foco narrativo é em terceira pessoa, com narrador onisciente. É bastante utilizado o discurso indireto livre para desvendar os pensamentos e sentimentos dos personagens, recurso que Caminha talvez tenha aprendido em Eça de Queirós, uma de suas maiores influências literárias.

PERSONAGENS

AMARO – o Bom-Crioulo: personagem principal, ex-escravo, tem cerca de 30 anos. De início, bom marinheiro, respeitado pela seriedade, força e valentia. Mas aos poucos vai se tornando relaxado, principalmente depois de se apaixonar pelo grumete Aleixo.
ALEIXO – adolescente, tem cerca de 15 anos, veio de família pobre de pescadores. Pele clara, olhos azuis, sua figura cativa a todos. Torna-se objeto das paixões de Amaro e D. Carolina. Morre tragicamente ao final.
Amaro vive integralmente suas contradições, até as últimas consequências, reconhece em Aleixo a causa de sua decadência, mas vai até o fim no seu amor, seus ciúmes no hospital estão em constante contraste com sua saudade carregada de sensualismo, sabe o quanto o álcool lhe faz mal, mas procura-o como último recurso quando já não suporta a realidade.
Sua personalidade, ao longo de todo o romance, é aquela figura enlouquecida e apaixonada que, no último capítulo, caminha com desejo e ódio ao encontro de Aleixo e de seu destino.
D. CAROLINA – portuguesa, ex-prostituta, 38 anos. A princípio, grata a Amaro por este ter lhe salvado a vida no passado, acaba roubando do Bom-Crioulo o grumete Aleixo, que seduz com sua experiência e o resto de sensualidade que lhe sobrou.
HERCULANO – marinheiro imberbe, mórbido, solitário, é castigado ao início da narrativa por ter sido flagrado se masturbando.
SANT’ANA – marinheiro castigado por ter se envolvido em briga com Herculano, manhoso, gago.
AGOSTINHO – guardião do navio, especialista em aplicar chibatadas, é um sádico que se aproveita do seu ofício. Adora castigar.
O reduzido número de personagens significativos na narrativa e a casualidade de alguns acontecimentos soltos na trama parecem denunciar o pouco fôlego de Adolfo Caminha como escritor. Exemplos desses acontecimentos são a “coincidência” da visita de Herculano ao hospital, quando diz a Amaro do destino de Aleixo, e a presença fantasma do açougueiro amante de D. Carolina em algumas passagens do livro.


LINGUAGEM:

É interessante notar, também, como o autor trabalha a linguagem para tratar do sexo. Tudo é dito objetiva e cruamente, mas nunca a própria consumação do ato sexual, o narrador esconde-se por detrás das palavras: quando do episódio da masturbação de Herculano (o Pinga) no navio (“cometendo, contra si próprio, o mais vergonhoso dos atentados”); quando da posse de Aleixo por Amaro (“E consumou-se o delito contra a natureza”); quando da polução de Amaro, no capítulo IV (“passou a mão no lugar úmido, e verificou, cheio de indignação, cheio de tédio, com um gesto de náusea, a irreparável perda que sofrera inconscientemente durante o sono”); e assim por todo o livro. Essa atitude é comum também quando se trata de expressões de baixo calão proferidas pelos personagens. Amaro nunca completa a expressão “ - ...que os pariu”. São sempre as mesmas reticências...


TEMPO

Pelas descrições do ambiente do Rio de Janeiro, pode-se afirmar que a história é contemporânea de sua publicação, isto é, acontece no final do século XIX, pouco tempo depois da proclamação da República no Brasil. Predomina o tempo cronológico, mas não é possível precisar o intervalo em que ocorre a narrativa.
Quando Amaro vai para o couraçado, fica claro que ele e Aleixo estão juntos há cerca de um ano, mas a história prolonga-se por um tempo indefinido, até o desfecho com o assassinato do grumete.
Em alguns momentos, há o uso do flash-back, para recuperar as origens dos personagens principais ou quando Amaro, internado no hospital, se lembra dos bons tempos com Aleixo e quando, no dia em que Amaro é chicoteado na velha corveta.

ESPAÇO

O espaço dessa obra pode ser dividindo em externo e interno. Os cenários externos principais são contrastantes, a paisagem marítima é descrita pelo narrador com um certo Romantismo ou, quando se trata da vida de marinheiro, descrições carregadas de impressionismo, revelando um ambiente deprimente e opresso, como no momento em que os marinheiros estão para ser castigados.
A pobreza e a sujeira das ruas suburbanas do Rio de Janeiro acentuam o contraste com as descrições românticas do mar.
Os espaços internos são o interior da corveta em alto-mar onde Bom-Crioulo e Aleixo se conhecem e o sobradinho da Rua da Misericórdia onde vão viver em terra e, posteriormente, D. Carolina e Aleixo se amariam.
Dentro da corveta, o ambiente é desagradável, repugnante mesmo, quando serve de cenário para os contatos mais íntimos entre Amaro e Aleixo.
É notável a competência com que Adolfo Caminha descreve o espaço do navio, pudera o autor cursou a Escola Naval e foi guarda-marinha e a passagem do Rio de Janeiro, principalmente a que se vê da orla marítima, aparecendo aqui e ali, ao longo da história.
O mesmo acontece na descrição do quarto do sobradinho em que vão viver Bom-Crioulo e Aleixo quando chegam em terra.
Essa caracterização negativa do espaço que envolve a relação “proibida e imoral” entre Bom-Crioulo e Aleixo tem um peso valorativo, funciona como uma crítica ao relacionamento homossexual, um julgamento moral, o espaço é decadente porque o que acontece entre os dois marinheiros também é decadente. Mas o mesmo não vale quando se trata de descrever o cenário dos encontros entre Aleixo e D. Carolina.
É valorizada a ação exterior com destaque para cenas verdadeiramente cinematográficas, como os momentos de briga de rua, de luta para controlar a embarcação em dia de tempestade ou a cena dos castigos corporais a que deviam ser submetidos os marinheiros que infringiam o regulamento. Merecem o mesmo tratamento as cenas de sexo, que são interrompidas ou não chegam a detalhes explícitos em virtude da moral social que também atinge o escritor e sua preocupação prévia com a reação do leitor.

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