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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O BOM CRIOULO - Adolfo Caminha


Laís Azevedo

Escrita por Adolfo Caminha, a obra “Bom-Crioulo” teve sua primeira edição lançada em 1895. O livro faz parte do movimento naturalista francês que influenciou os escritores brasileiros no início da década de 1880. Os naturalistas procuravam incorporar em suas obras as teorias cientificistas que eclodiram durante os oitocentos. Assim, o evolucionismo social de Spencer, o determinismo de Taine dentre outras teorias eram responsáveis por explicar o comportamento das personagens nesses chamados romances de tese.
“O Bom-Crioulo” foi a primeira obra brasileira a abordar o homossexualismo masculino. Vale lembrar que a premissa basilar do movimento Naturalista, tanto na França, quanto no Brasil, era a de educar a sociedade apontando o que os escritores da época consideravam doenças sociais. O termo “doenças” adequa-se bem à visão da época, haja vista que a sociedade, no século XIX, era vista pelos naturalistas como um corpo social, isto é, tal como corpo humano que também podia sofrer com enfermidades. Desse modo, uma parte doente poderia, por exemplo, levar as outras a adoecerem. Mas quem eram considerados doentes no século XIX?
Antes de mais nada, é preciso lembrar que desde o século XVIII, na Europa, uma ideia de higienização do corpo social começava a dar os seus primeiros passos. O Brasil no início do período oitocentista também foi alvo de mudanças radicais. Basta lembrar que a família real brasileira, ao chegar aqui em 1808, desencadeou uma série de mudanças na cidade do Rio de Janeiro que acabaram, dum certo modo, refletindo-se também nas outras partes do país. Sendo assim, um padrão para levar a sociedade a um status de “civilização desenvolvida” foi traçado. Além das mudanças estruturais, buscou-se também definir um padrão de família. A mulher que no período colonial desempenhava poucas funções, aliás basicamente uma: a de reprodução, no século XIX passou a influenciar a educação dos filhos. Ademais, com a reformulação da cidade, as mulheres passaram a se exibir mais, pois era muito comum outrora (durante o período colonial) o uso de mantilhas para cobrir o rosto (herança moura, talvez); afora isso, as mulheres saíam basicamente para irem à igreja. No século XIX essa situação mudou, graças a isso as mulheres ganharam um pouco mais de liberdade; sim, uma liberdade assaz limitada pelo modelo patriarcal, mas que, porém, abriu mais espaço para a mulher no modelo familiar burguês. Esse consistia, mormente, em enquadrar as famílias num modelo heterossexual, calcado num casamento, onde o pai era o cabeça e a mulher, além de zelar por alguma parte da educação dos filhos e do ambiente doméstico, deveria reproduzir a prole o máximo possível.
Baseando-se no que foi dito, aqueles considerados doentes e desviados nessa sociedade eram, pois, os homossexuais, os libertinos, as prostitutas, as solteironas etc; em suma, eram todos aqueles que não se adequavam ao modelo heterossexista. Sendo a atitude deles consideradas doenças, cabia aos naturalistas, em seu papel moralizador educador, descreve-los, ou seja, acusava-se para regenerar. Desse modo, vários romances abordando esses comportamentos eram trazidos à bailia. Sobre a histeria, por exemplo, que era responsável por acometer aquelas que não se casassem, isto é, que não faziam uso do útero e, portanto, não se reproduziam. Nesse viés, algumas obras foram escritas; “O Homem”, de Aluísio Azevedo e “A Carne” de Júlio Ribeiro são bons exemplos dessa busca por descrever o que acontecia com as solteironas.
Isso posto, podemos agora entender melhor “O Bom-Crioulo” e analisar algumas das características desse romance.
O enredo dessa obra de Caminha centra-se na figura de três personagens, Amaro, conhecido com Bom-Crioulo, ex-escravo que possui 30 anos de idade; Aleixo, um jovem loiro e belo, cuja idade não passa dos quinze anos, e  D. Carolina, uma quarentona que aluga quartos na Rua da Misericórdia. A história inicia-se com a personagem Amaro numa corveta (uma espécie de embarcação) que descrita de modo bastante lúgubre. Nesse cenário, o narrador apresenta-nos, além do Bom-Crioulo, Aleixo, rapaz esse que manterá até no meio da narração uma relação homoerótica com Amaro. O Bom-Crioulo nesse capítulo inicial está sendo castigado, juntamente com ele dois jovens, um deles que fora pego masturbando-se; atitude essa que, segundo o narrador, é um dos maiores crimes da natureza, uma vez que o sêmen é jogado ao chão e, por isso, não pode cumprir sua função primordial que é a de fecundar. Eis aí a ideia da qual falamos anteriormente, o prazer que não visava a reprodução deveria ser, pois, ignorado. Em um outro capítulo, ainda no início da obra, o narrador realiza uma digressão para explicar o passado de Amaro. Assim, descobrimos que a personagem é um escravo fugido que entrou na marinha para se ver livre do cativeiro. Além dessa informação, o narrador aduz também, desde já, as preferências sexuais de Bom-Crioulo, que tenta manter relações sexuais com duas prostitutas, ambas as tentativas frustradas. É mostrado, dessa maneira, a falta de desejo que Bom-Crioulo sente pelo sexo oposto, que Amaro considera inferior, pois, para ele, as mulheres ocupam-se somente de mentiras.
Na corveta Amaro apaixona-se por Aleixo, o ex-escravo garante ao efebo proteção e esse, por sua vez, garante-lhe o prazer sexual, que é consumado pela primeira vez na embarcação. Amaro, no auge de sua paixão pelo jovem, aluga um dos quartos de D. Carolina. Essa senhora, que no início apóia a relação dos dois, passa a gostar também do jovem, quando Amaro é designado para trabalhar noutra embarcação.
Abro um parênteses aqui para abordar o processo de zoomorfização que marca as cenas em que Amaro e Aleixo entregam-se aos prazeres da carne. O Bom-Crioulo é descrito como um touro; Aleixo, por seu turno, é visto pelo ex-escravo sempre como uma mulher, nas palavras do narrador, uma rapariga (referimo-nos não ao significado pejorativo que o termo ganhou depois). Fica claro, logicamente que de modo implícito, que Amaro desempenha o papel ativo na relação, e Aleixo o passivo.
Voltando ao enredo, Amaro é mudado de navio, suas visitas ao jovem tornam-se mais raras. Devido a isso, o jovem marinheiro fica, em grande parte, sozinho no quartinho alugado pelos dois, haja vista que os horários do casal não se coincidem. Ementes, Aleixo começa a travar uma relação com D. Carolina, que usa-o para sentir-se mais jovem. Nesse meio tempo, Bom-Crioulo desesperado para ver sua paixão arruma desculpa para sair do navio, durante o passeio bebe bastante, assim é preso, devido a desordem que apronta e, devido a isso, no navio onde labuta, recebe castigos corporais que o fazem ir para o hospital. Lá o ex-escravo fica trancafiado por mais de um mês, seus ímpetos libidinosos aumentam a cada dia nesse “cárcere”. Uma noite, então, Amaro escapa e toma conhecimento, logo pela manhã numa padaria, que o jovem Aleixo estava amigado com D. Carolina. Ao sair do estabelecimento, Bom-Crioulo depara-se com efebo e, valendo-se duma navalha, lho ceifa a vida.
Nesse romance curto, que pode ser visto, ao nosso ver, como uma novela, a mensagem é bem clara: o homossexualismo e o amasiamento com uma mulher que é sustentada por um açougueiro, somada às condições favoráveis à pratica homossexual desenvolvida no interior da embarcação, são determinantes para o futuro trágico de Aleixo. Desse modo, a ideia moralizante e pedagógica fica nítida para o leitor: “torne-se homossexual e sofra uma tragédia tal como a do jovem marinheiro”. A relação matrimonial que Amaro tenta estabelecer com Aleixo, como fica bem frisado no decorrer da obra, sempre será fatal. De mais a mais, o autor claramente chama a atenção para as condições desses navios, que se não forem bem vigiadas, constituar-se-á  um local propício as práticas, valendo-me aqui das palavras do narrador, pederastas.
Há mais outros pontos que podem ser destacados. Procurarei, nos próximos textos concernentes a essa obra de Adolfo Caminho destacar outros pontos interessantes.
Para findar, gostaria de dizer que “O Bom-Crioulo” possuí, sem dúvidas, o mérito por ter abordado a questão no final do século XIX. Entretanto, penso que “A Normalista”, obra de vertente naturalista do mesmo autor em questão, é um trabalho mais bem apurado, conta com uma trama melhor e com personagens mais densos.

 

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