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terça-feira, 8 de março de 2011

COERÊNCIA E COESÃO

A coerência e a coesão contribuem para conferir textualidade a um conjunto de enunciados. Assim, a coerência, manifestada em grande parte no nível macrotextual, é o resultado da possibilidade de se estabelecer alguma forma de unidade ou relação entre os elementos do texto. E a coesão, manifestada no nível microtextual, se refere ao modo como os vocábulos se ligam dentro de uma seqüência.
Ao analisar esses mecanismos, mostramos, por meio de exemplos, as formas em que podem ocorrer. Ao mesmo tempo, procuramos fazer com que os usuários saibam empregar adequadamente cada mecanismo não só para depreender o sentido de um texto como para produzir textos com sentido, estabelecendo uma continuidade entre as partes, de modo a instaurar entre elas uma unidade, ou seja, a coerência.
É importante também lembrar que a coesão pode auxiliar no estabelecimento da coerência, embora, às vezes, a coesão nem sempre se manifeste explicitamente através de marcas lingüísticas, o que faz concluir que pode haver textos coerentes mesmo que não tenham coesão explícita.
Este tema será, portanto, desenvolvido com o objetivo de mostrar aos usuários da língua que:
1) mais importante que conhecer os conceitos de coerência e coesão é saber de que maneira esses fenômenos contribuem para tornar um texto inteligível;
2) a coerência (conectividade conceitual) e a coesão (conectividade seqüencial) são requisitos fundamentais para a elaboração de qualquer tipo de texto;
3) enquanto a coerência se fundamenta na continuidade de sentidos, a coesão pode se apresentar por meio de marcas lingüísticas, observadas na gramática ou no léxico;
4) é necessário perceber como coerência e coesão se completam no processo de produção e compreensão do texto.

A COERÊNCIA TEXTUAL

Dos trabalhos que desenvolvem os aspectos da coerência dos textos, o de Charolles (1978) é freqüentemente citado em estudos descritivos e aplicados. Partindo da noção de textualidade apresentada por Beaugrande e Dressier, Charolles também entende a coerência como uma propriedade ideativa do texto e enumera as quatro meta-regras que um texto coerente deve apresentar:

1. Repetição: Diz respeito à necessária retomada de elementos no decorrer do discurso. Um texto coerente tem unidade, já que nele há a permanência de elementos constantes no seu desenvolvimento. Um texto que trate a cada passo de assuntos diferentes sem um explícito ponto comum não tem continuidade. Um texto coerente apresenta continuidade semântica na retomada de conceitos, idéias. Isto fica evidente na utilização de recursos lingüísticos específicos como pronomes, repetição de palavras, sinônimos, hipônimos, hiperônimos etc. Os processos coesivos de continuidade só se podem dar com elementos expressos na superfície textual; um elemento coesivo sem referente expresso, ou com mais de um referente possível, torna o texto mal-formado.

2. Progressão: O texto deve retomar seus elementos conceituais e formais, mas não deve limitar-se a isso. Deve, sim, apresentar novas informações a propósito dos elementos mencionados. Os acréscimos semânticos fazem o sentido de o texto progredir. No plano da coerência, percebe-se a progressão pela soma das idéias novas às que são já tratadas. Há muitos recursos capazes de conferir sequenciação a um texto.

3. Não-contradição: um texto precisa respeitar princípios lógicos elementares. Não pode afirmar A e o contrário de A. Suas ocorrências não podem se contradizer, devem ser compatíveis entre si e com o mundo a que se referem, já que o mundo textual tem que ser compatível com o mundo que representa. Esta não-contradição se expressa nos elementos lingüísticos, no uso do vocabulário, por exemplo. Em redações escolares, costuma-se encontrar significantes que não condizem com os significados pretendidos. Isso resulta do desconhecimento, por parte do emissor, do vocabulário a que recorreu.

4. Relação: um texto articulado coerentemente possui relações estabelecidas, firmemente, entre suas informações, e essas têm a ver umas com as outras. A relação em um texto refere-se à forma como seus conceitos se encadeiam, como se organizam, que papeis exercem uns em relação aos outros. As relações entre os fatos têm que estar presentes e ser pertinentes.


A COESÃO TEXTUAL

Um texto, seja oral ou escrito, está longe de ser um mero conjunto aleatório de elementos isolados, mas, sim, deve apresentar-se como uma totalidade semântica, em que os componentes estabelecem, entre si, relações de significação. Contudo, ser uma unidade semântica não basta para que um tal. Essa unidade deve revestir-se de um valor intersubjetivo e pragmático, isto é, deve ser capaz de representar uma ação entre interlocutores, dentro de um padrão particular de produção. A capacidade de um texto possuir um valor intersubjetivo e pragmático está no nível argumentativo das produções lingüísticas, mas a sua totalidade semântica decorre de valores internos à estrutura de um texto e se chama coesão textual. Assim, estudar os elementos coesivos de um texto nada mais é que avaliar os componentes textuais cuja significação depende de outros dentro do mesmo texto ou no mesmo contexto situacional.
Os processos de coesão textual são eminentemente semânticos, e ocorrem quando a interpretação de um elemento no discurso depende da interpretação de outro elemento. Embora seja uma relação semântica, a coesão envolve todos os componentes do sistema léxico-gramatical. Portanto há formas de coesão realizadas através da gramática, e outra através do léxico. Deve-se ter em mente que a coesão não é condição necessária nem suficiente para a existência do texto. Podemos encontrar textualidade em textos que não apresentam recursos coesivos; em contrapartida a coesão não é suficiente para que um texto tenha textualidade. Segundo Halliday & Hasan, há cinco diferentes mecanismos de coesão:

1. Referência: elementos referenciais são os que não podem ser interpretados por si próprios, mas têm que ser relacionados a outros elementos no discurso para serem compreendidos. Há dois tipos de referência: a situacional feita a algum elemento da situação e a textual.
Ex: Você não se arrependerá de ler este anúncio. – exofórica
Paulo e José são advogados. Eles se formaram na PUC. – endofórica

2. Substituição: colocação de um item no lugar de outro no texto, seja este outro uma palavra, seja uma oração inteira. Ex: Pedro comprou um carro e José também. O professor acha que os alunos estão preparados, mas eu não penso assim.
Para Halliday & Hasan, a distinção entre referência e substituição, está em que, na ocorrência desta, há uma readaptação sintática a novos sujeitos ou novas especificações. Ex: Pedro comprou uma camisa vermelha, mas eu preferi uma verde. (há alteração de uma camisa vermelha para uma camisa verde.)

3. Elipse: substituição por f: omissão de um item, de uma palavra, um sintagma, ou uma frase: – Você vai à Faculdade hoje? – f Nãof f f.

4. Conjunção: este tipo de coesão permite estabelecer relações significativas entre elementos e palavras do texto. Realiza-se através de conectores como e, mas, depois etc. Há elementos meramente continuativos: agora (abre um novo estágio na comunicação, um novo ponto de argumentação, ou atitude tomada ou considerada pelo falante ); bem ( significa "eu sei de que trata a questão e vou dar uma resposta ")

5. Coesão lexical: obtida através de dois mecanismos: repetição de um mesmo item lexical, ou sinônimos, pronomes, hipônimos, ou heterônimos. Ex: O Presidente foi ao cinema ver Tropa de elite. Ele levou a esposa. Vi ontem um menino de rua correndo pelo asfalto. O moleque parecia assustado. Assisti ontem a um documentário sobre papagaios mergulhadores. Esses pássaros podem nadar a razoáveis profundidades.

6. Colocação: Uso de termos pertencentes a um mesmo campo semântico. Ex: Houve um grande acidente na estrada. Dezenas de ambulâncias transportaram os feridos para o hospital mais próximo.
Koch, tomando por base os mecanismos coesivos na construção do texto, estabelece a existência de duas modalidades de coesão:

1.– coesão referencial: existe coesão entre dois elementos de um texto, quando um deles para ser interpretado semanticamente, exige a consideração do outro, que pode aparecer depois ou antes do primeiro (catáfora e anáfora, respectivamente ) – Ele era tão bom, o meu marido! (catáfora)
– O homem subiu as escadas correndo. Lá em cima ele bateu furiosamente à uma porta. (anáfora).

A forma retomada pelo elemento coesivo chama-se referente. O elemento, cuja interpretação necessita do referente, chama-se forma remissiva. O referente tanto pode ser um nome, um sintagma, um fragmento de oração, uma oração, ou todo um enunciado. Ex: A mulher criticava duramente todas as suas decisões. Isso o aborrecia profundamente. (oração) Perto da estação havia uma pequena estalagem. Lá reuniam-se os trabalhadores da ferrovia.(sintagma nominal) No quintal, as crianças brincavam. O prédio vizinho estava em construção. Os carros passavam buzinando. Tudo isso tirava-me a concentração. (enunciado)
Elementos de várias categorias diferentes podem servir de formas remissivas:
– pronomes possessivos – Joana vendeu a casa. Depois que seus pais morreram, ela não quis ficar lá.
– pronomes relativos – É esta a árvore à cuja sombra sentam-se os viajantes.
– advérbios – Antônio acha que a desonestidade não compensa, mas nem todos pensam assim.
– nomes ou grupos nominais – Imagina-se que existam outros planetas habitados. Essa hipótese se confirma pelo grande número de OVNIs avistados.

2. – coesão sequencial: conjunto de procedimentos lingüísticos que relacionam o que foi dito ao que vai ser dito, estabelecendo relações semânticas e/ou pragmáticas à medida que faz o texto progredir. Os elementos que marcam a coesão seqüencial são chamados relatores e podem estabelecer uma série de relações:
a) implicação entre um antecedente e um conseqüente: se etc.
b) restrição, oposição, contraste: ainda que, mas, no entanto etc
c) soma de argumentos a favor de uma conclusão: e, bem como, também etc.
d) justificativa, explicação do ato de fala: pois etc.
e) introdução de exemplificação ou especificação: seja...seja, como etc.
f) alternativa (disjunção ): ou etc.
g) extensão, amplificação: aliás, também etc.
h) correção: isto é, ou melhor etc.

E mais as relações estabelecidas por outras conjunções coordenadas e subordinadas.

Referências Bibliográficas
FIORIN, José L. e SAVIOLI, Francisco P. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo, Ática, 2006.
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1973.
KOCH, Ingedore V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo, Contexto, 2003.
------------------------. A coesão textual. São Paulo, Contexto, 2004.
KOCH, Ingedore V. e TRAVAGLIA, Luiz C. Texto e coerência. São Paulo, Cortez, 2003.
-------------------------------------------------------. A coerência textual. São Paulo, Contexto, 2003b.

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