Pages

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A LÍNGUA ESCRITA COMO OBJETO DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS CONSTRUTIVISTAS

Acadêmica Ana Graziela Feitosa Rocha
Orientadora Mestre Maria José de Azevedo Araujo


RESUMO
Em 1974, Ferreiro e Teberosky, psicolinguistas argentinas, iniciaram um processo de investigação, partindo da teoria de Piaget, a fim de explicar como se processa a aquisição da língua escrita. A aplicação da teoria piagetiana levou as pesquisadoras a investigarem crianças das classes baixa e média, entre 4 e 6 anos da capital Argentina. Durante a investigação as pesquisadoras observaram que a acriança possui um conhecimento prévio acerca da língua escrita mesmo antes de entrar na escola. Descobriram que as crianças possuem hipótese a cerca do código escrito que seguem uma lógica coerente com seu desenvolvimento cognitivo, detectaram alguns estágios os quais classificaram em níveis, por onde passam os infantes e que marcam o curso de seu desenvolvimento no processo de aquisição da lectoescrita. Os resultados da pesquisa foram publicados na obra "Los sistemas de escritura em el desarrollo del ninõ", em 1979, que no Brasil recebeu o título de Psicogênese da Língua Escrita, causando grande influência na maneira de enxergar a criança no processo de aquisição da leitura e da escrita e consequentemente no processo de alfabetização. O presente trabalho pretende apresentar as contribuições de Ferreiro e Teberosky relacionadas ao processo de aquisição da língua escrita e suas implicações na alfabetização. Segue-se a ordem de apresentação: Exposição dos estudos de Emília Ferreiro, a evolução da escrita demonstrada pelos níveis de desenvolvimento que seguem as crianças até chegar ao domínio da escrita. As contribuições de Emília Ferreiro apontam para uma melhor compreensão do processo de aquisição da escrita sob a ótica de "quem aprende", o que implicará no processo de ensino-aprendizagem de "quem ensina".

PALAVRAS-CHAVE: Escrita, Emília Ferreiro, alfabetização, crianças, aprendizagem.


INTRODUÇÃO
É vasto o número de pesquisas e trabalhos científicos voltados para a área da Educação no Brasil, visto que se trata de uma questão muito atrelada ao desenvolvimento do país. Sendo assim, muitos projetos políticos têm levantado a bandeira da educação como a condição ideal para se iniciar um processo de crescimento e transformação da nação.
Os que assim pensam tomam como afirmação alguns países que investiram na educação para melhorar seus indicies de desenvolvimento e se superaram, a exemplo, do Japão que foi arrasado pelos Estados Unidos na segunda guerra mundial em 1945. Por meio de investimentos, principalmente na educação, conseguiu ressurgir como potência mundial. Hoje a taxa de analfabetismo nesse país é de 1%, sendo considerada como segunda potência do mundo em termos de economia (IBGE).
Na lista de países por taxa de alfabetização de acordo com o Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento 2007/2008, o Brasil alcançou a nonagésima colocação demonstrando, na prática, uma deficiência do sistema público de ensino e suas conseqüências.
O fracasso da aprendizagem foi revelado também nos números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Síntese de Indicadores Sociais, publicados em 24 de setembro de 2008. Neles constatam que das 24,8 milhões de crianças entre oito e 14 anos, 1,1milhão não sabem ler nem escrever, embora freqüentem a escola. Dentro desse universo 29% são crianças com idade de sete anos e 14% tem oito anos, idades que estão em processo de alfabetização. E da população com mais de 15 anos no universo de 129.533.148, cerca de 9.794.889 são analfabetas, um índice bastante elevado. Observe-se o quadro.

População
15 anos ou mais
População Alfabetizada
15 anos ou mais
População Analfabeta
15 anos ou mais
Taxa
de Analfabetismo
129.533.148
119.738.159
9.794.889
5,47 %
Dados Estatísticos do Analfabetismo no Brasil – IBGE – Censo 2007

Observando os dados estatísticos é possível compreender que não há uma preparação adequada dos professores nas séries iniciais para alfabetizar. Ocorre uma cadeia sucessiva de fracassos que aumentam as taxas do analfabetismo.
Com relação a essa problemática, a pesquisadora Emilia Ferreiro (1993, p. 9) numa conferência em Havana (Cuba), organizada pelo escritório regional da UNESCO em 1988, apontava para a necessidade de se encontrar parâmetros de qualidade para alfabetização nas séries iniciais. Ao analisar os diversos mecanismos sociais que interferem e corroboram para o fracasso escolar ela conclui que "a mais básica de todas as necessidades de aprendizagem continua sendo a alfabetização". Por isso, direcionar o olhar para a mais básica de todas as necessidades – alfabetização – constitui-se um fator importante para todos que desejam ver um futuro promissor através da educação.
Recapitulando a história do processo da alfabetização, observa-se que até a década de 1970 predominavam as pesquisas no campo da alfabetização voltadas para métodos e técnicas de ensino a partir de pressupostos advindos da psicologia. Mesmo com o impulso das discussões proferidas por Paulo Freire na década de 1950, a maioria dos estudos pouco enfatizava os fatores sociais e os processos interacionais na produção de saberes na área da escrita. Contribuições da Lingüística, Sociologia, Antropologia, ampliaram a discussão nos anos 1970, mudando o enfoque dos estudos sobre a alfabetização.
Quando se fala em alfabetização, é natural que se pense nos métodos e práticas que levam os alunos, geralmente crianças, a aquisição da leitura e da escrita e consideramos a importância de apresentá-los ao universo da sociedade letrada a qual fazem parte. Essa aquisição vai muito mais além da conquista de um bem cultural, consiste, sobretudo, numa prática social que faz com que o indivíduo, interaja com o mundo com liberdade de expressão e ação. Neste contexto depara-se com um processo complexo, analisado em muitas perspectivas (histórica, sociológica, psicológica, lingüística, dentre muitas) e com vários enfoques (aluno, professor, métodos, meios e outros). Presume-se então, que se trata de um assunto de grande abrangência e relevância.
Considerando a importância do assunto, duas concepções de alfabetização chamam a atenção: uma voltada para os métodos tradicionais de ensino, que regem a maior parte das escolas do nosso sistema de educação e outra voltada para proposta construtivista, baseada nas concepções teóricas de Piaget, Emília Ferreiro e colaboradores.
Na primeira concepção, a criança mostra-se dependente de estímulos externos para produzir respostas, sendo submetidas repetidas vezes a um mesmo estímulo para automatizar a língua escrita. Ao contrário dos métodos tradicionais, a segunda concepção vê a criança como sujeito ativo que constrói hipóteses. A elaboração do conhecimento se dá pela interação do sujeito com o objeto, nesse caso, a língua escrita.
Com relação à teoria construtivista, muitos educadores se apropriam dos estudos da Psicogênese da Escrita de Emília Ferreiro publicados no Brasil nos anos 1980 de forma superficial, tentando aplicar os testes encontrados nessa pesquisa em sala de aula. Com isso, uma série de equívocos foi cometida, como por exemplo, a rotulação das crianças de acordo com estágios de desenvolvimento e a organização de propostas pedagógicas que assumiam práticas excessivamente espontâneas, desvalorizando o papel do professor como mediador da aprendizagem.
Algumas ações mal-sucedidas na abordagem construtivistas, por falta de embasamento teórico, insegurança e formação para desenvolvimento de uma prática diferenciada, fizeram muitas Secretarias de Educação e professores persistirem nos métodos tradicionais. Tomando como pressuposto a má compreensão inicial dos estudos advindos da teoria de Emília Ferreiro pelos educadores que buscaram uma aplicação direta dos dados da investigação em práticas pedagógicas, propomos a investigação do desenvolvimento da teoria psicogenética e sua real contribuição em propostas alfabetizadoras sob a perspectiva construtivista. Sendo assim, a grande questão desta pesquisa reside na seguinte pergunta: Como a compreensão do processo de aquisição da escrita nas crianças torna-se importante para a atuação do alfabetizador?
Este trabalho pretende esclarecer aspectos relevantes das pesquisas de Ferreiro e Teberosky que contribuem para alfabetização, constituindo-se como objeto de estudo os próprios estudos de Ferreiro e Teberosky acerca da psicogênese da língua escrita, as experiências envolvidas e as implicações teóricas a eles relacionadas. A pesquisa se concentrará nos procedimentos metodológicos que as pesquisadoras utilizaram para chegar aos estudos apresentados no livro "A psicogênese da língua escrita" (publicado pela primeira vez no Brasil em 1986) e seu impacto sobre as práticas alfabetizadoras.
Acredita-se que essa pesquisa poderá contribuir na desmistificação acerca das ideias equivocadas relacionadas ao estudo de Emília Ferreiro e do construtivismo. Auxiliará aos docentes na ampliação de seus conhecimentos acerca do assunto, o que implicará num melhor desempenho da prática pedagógica em sala de aula.
Foi a partir de pesquisas feitas por Ferreiro, Teberosky e colaboradores acerca da compreensão dos processos de aquisição do conhecimento e da língua escrita que se revelaram novas perspectivas, os estudos que até então, estavam voltados para "como se ensina" voltaram-se para "como se aprende".
Não era interesse das autoras proporem uma nova metodologia - até porque para Emilia Ferreiro (2001, p. 30) não é o método que gera o conhecimento, para ela "os métodos (como seqüências de passos ordenados para chegar a um fim) não oferecem mais do que sugestões, incitações, quando não práticas rituais ou conjunto de proibições" - nem uma nova classificação dos transtornos de aprendizagem, mas apresentar a interpretação do processo do ponto de vista do sujeito que aprende.
As teorias de Piaget sobre o processo de aquisição do conhecimento formaram as bases para as teorias de E. Ferreiro na compreensão do processo da aquisição da lectoescrita. As descobertas de Emília Ferreiro e Teberosky servem também para uma reflexão sobre as práticas de ensino na sala de aula que implicam principalmente no processo de alfabetização. Embora os trabalhos da autora se concentrem na compreensão do processo de aquisição da lectoescrita, foi por meio deles que os educadores passaram a conceber a alfabetização como um procedimento que vai além da apropriação das técnicas mecanicista de codificação da língua escrita.
O primeiro passo para essa apreensão foi deter-se ao fato da criança demonstrar sua percepção da escrita mesmo antes de entrar em contato com a educação formal escolar. Proporcionar a alfabetização de forma menos fragmentada e a partir da compreensão da função social que a escrita e a leitura representam outros pontos marcantes nas pesquisas de Ferreiro. Quando o alfabetizando percebe essa relação, ele passa a processar as informações de maneira a reorganizar e reestruturar seu pensamento de acordo com as novas relações que se estabelecem. Isso nada mais é que um processo interativo e construtivo já mencionado anteriormente por Piaget.
Foi investigando o desenvolvimento e evolução da língua escrita em experiências com crianças entre quatro a seis anos na periferia da cidade de Buenos Aires em 1974, (chamou-lhe a atenção um expressivo número relacionado ao fracasso escolar nas séries iniciais) que chegaram à conclusão que existem cinco níveis que representam essa evolução.
A compreensão desses níveis se insere dentro dos estudos de Emília Ferreiro, Ana Teberosky e colaboradores que abordaremos posteriormente.
Nos capítulos subseqüentes, o estudo abordará: Os estudos de Emilia Ferreiro e colaboradores; O desenvolvimento da psicogênese da língua escrita e posteriormente, Formas de apropriação dos postulados de Emília Ferreiro na prática escolar.


EMÍLIA FERREIRO E ANA TEBEROSKY
Incomodada com a situação educacional da América Latina e com os números oficiais de analfabetos (800 milhões no mundo) divulgados pela UNESCO em 1976, Emília Ferreiro, passou a investigar a natureza dos processos de aquisição de conhecimento sobre a língua escrita, a fim de contribuir na solução dos problemas que implicam o fracasso escolar na América Latina e com isso evitar futuros analfabetos.
Acompanhada por Ana Teberosky e colaboradores, E. Ferreiro desenvolveu uma pesquisa que procurava evidenciar os aspectos positivos do conhecimento da criança. Não era de interesse das pesquisadoras estabelecerem uma lista de aptidões e de habilidades, nem definir os princípios que as crianças adotam para compreender a escrita.
A preocupação das autoras estava em estudar o processo de construção dos conhecimentos no domínio da língua escrita. A pesquisa partiu da identificação dos processos cognitivos subjacentes à aquisição da escrita, ou seja, a compreensão e a natureza das hipóteses infantis sobre o código escrito e o tipo de conhecimento que a criança se apóia para aprender a ler e a escrever.
Os princípios básicos que nortearam o projeto experimental das autoras foram: não identificar leitura com decifrado; não identificar escrita como cópia de um modelo; não identificar progressos na conceitualização com avanços no decifrado ou na exatidão da cópia.
Com os princípios básicos definidos as autoras passaram a metodologia da pesquisa que propunha uma situação experimental, segundo os delineamentos da psicologia genética. As tarefas supunham uma interação entre o sujeito e o objeto de conhecimento (neste caso, a escrita) na forma de uma situação a ser resolvida. Em seguida, desenvolvia-se um diálogo entre o sujeito e o entrevistador, com a intenção de evidenciar os mecanismos de pensamento infantil.
O método da indagação aplicado pelas autoras era inspirado no "método clínico" desenvolvido pela escola de Genebra e objetivava explorar os conhecimentos da criança no que se referiam as atividades de leitura e de escrita.
A análise dos resultados da pesquisa possuía um caráter qualitativo, pois, se destinava a interpretar cada categoria de respostas e a encontrar os níveis sucessivos do desenvolvimento. A análise dos resultados não se propõe dar respostas corretas ou erradas, mas compreender os chamados "erros" da criança.
A duração das pesquisas foi de um ano, com um grupo de trinta crianças proveniente de um meio social de classe baixa e que cursavam primeira série do ensino primário.
As crianças foram submetidas às entrevistas periodicamente no inicio, meio e ao final do ano escolar. A escola freqüentada pelas crianças estava localizada num bairro da periferia de Buenos Aires. Os pais eram na sua maioria, operários não qualificados. Duas razões são atribuídas ao fato das pesquisadoras escolherem crianças da classe baixa, primeiro pelo baixo desempenho escolar nos níveis sócio-econômicos desfavorecidos. E segundo porque geralmente essas crianças são aquelas que iniciam a aprendizagem ao começar a escolaridade primária.
Os resultados dessa investigação surpreenderam as autoras por descobrirem que o processo de aprendizagem passa por vias insuspeitadas para o docente, e por perceberem, que inclusive essas crianças de classe baixa não começam do "Zero" na primeira série. "aos seis anos, a criança já possui toda uma série de concepções sobre a escrita, cuja gênese é preciso procurar em idades mais precoces" (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.40).
Com essa descoberta as autoras passaram a investigar outra população de estudos, crianças de 4, 5, e seis anos de classe baixa e de classe média num total de 108 sujeitos na fase pré-escolar, para descobrir em que momento a escrita se constitui em objeto de conhecimento para a criança. O tipo de metodologia aplicado foi o mesmo, porém os resultados revelaram novas perspectivas.
Dessa feita, novas descobertas foram feitas com relação às interpretações que as crianças possuíam a respeito dos aspectos formais do grafismo: letras, números e sinais de pontuação.
Do ponto de vista metodológico Esther Pillar Grossi (1990, p.18), responsável pelo Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia da Pesquisa e Ação (GEEMPA), onde estuda crianças da periferia em Porto Alegre, observou que no desenvolvimento do processo de alfabetização a criança apresenta dois momentos bem nítidos – um onde o sujeito julga escrever com desenhos – e outro no qual se usam sinais gráficos.
Ainda segundo Grossi, "ao escrever com letras, números ou assemelhados, condiciona a quantidade deles, o seu tamanho, a sua posição... a características figurais do ente cuja palavra lhe está escrita". Assim, uma criança ao representar graficamente um elefante e um rato, pode usar mais gráficos para o elefante que para o rato no intuito de mostrar a dimensão dos animais.


A EVOLUÇÃO DA ESCRITA
Bem antes do que se imagina, cerca de dois anos e meio/três anos, as crianças ao disporem de um lápis e papel demonstram tentativas de desenhar e também de escrever. As "garatujas", assim chamadas por Ferreiro e Teberosky, se constituem muito mais que simples marcas no papel, são as primeiras tentativas de escrita demonstradas pelas crianças. Essas primeiras tentativas de escritas são do tipo ondulado contínuo (numa espécie de nomes em cursiva), ou uma série de círculos ou de linhas verticais. Constituem-se dois momentos importantes: O ato de imitação da escrita e a interpretação da escrita produzida.
É o que demonstra Letícia, quatro anos, aluna de uma escola pública de Aracaju. Logo que entra na escola na primeira semana de aula ao ser solicitada para que escreva seu nome, a grafia do nome aparentemente ao leitor desavisado parece apenas garatujas sem sentido.
No primeiro momento à semelhança do traçado em relação ao do adulto se manifesta de forma global e quanto à interpretação, estudos feitos pelas pesquisadoras mostraram que desde cedo há uma grande expectativa em cima de nome próprio, especialmente em crianças de classe média. As autoras confirmam da seguinte forma:
No começo da interpretação da própria escrita, a criança pode acompanhar seus desenhos de outros sinais que representam seu próprio nome. Se trabalha sobre o modelo da escrita de imprensa (grafias separadas), pode usar várias grafias similares, mas de tal maneira que em todas elas, como conjunto, diz seu próprio nome, mas em cada uma delas tomadas separadamente, também diz seu nome. (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.192).
A expectativa referente à escrita do próprio nome como descrito pelas autoras também são identificadas em crianças sergipanas. Os exemplos a abaixo são de crianças na faixa etária de quatro anos, de escolas distintas (particular e pública); de classes diferentes (Média e Baixa) da cidade de Aracaju em início do ano letivo de 2008. Nas ilustrações verificamos que embora de classes e escolas distintas, as características são as mesmas. Ao pedir-lhes que escrevessem seus nomes ambos desenharam e rabiscaram ao mesmo tempo demonstrando dificuldade em dissociar escrita e desenho.
Escrita do nome completo de Marlysson (4anos - classe média)
Abaixo desenho de Guilherme (4 anos – classe baixa)
Para compreender melhor a situação em questão as autoras passaram investigar como as crianças escrevem sem ajuda escolar. O universo explorado foi de crianças entre quatro a seis anos de Classe Media e Classe Baixa e o objetivo consistia em incentivá-los a escrever (até porque não sabiam escrever) como lhes parecesse melhor. Foram utilizadas várias maneiras de exploração da escrita como: pedindo-lhes que escrevessem o nome próprio, o nome de algum amigo ou de um membro da família; confrontando situação de desenhar com situação de escrever; induzindo-as escrever palavras que geralmente são apresentadas no inicio da aprendizagem escolar e outras de outros contextos, inclusive uma oração especifica.
Os resultados apurados indicaram cinco níveis sucessivos:
Nível 1 - Neste nível "escrever é reproduzir os traços típicos da escrita que a criança identifica como a forma básica da mesma" (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.193).
A característica observada em relação à forma da escrita mostra que a criança reproduz traços típicos da escrita que ela indica como básico. Podendo ser na forma cursiva com grafismo ligado entre si como uma linha ondulada ou em forma de imprensa com grafismos separados compostos de linhas curvas.
Em relação à interpretação é a intenção subjetiva do escritor que prevalece. Nesse nível a escrita ainda não funciona como veículo de transmissão de informação, cada criança interpreta apenas sua própria escrita. A escrita tem característica semelhante e nada impede de uma mesma escrita servir para mais de um significado.
Outra característica das crianças nesse nível é fazer a correspondência figurativa entre a escrita e o objeto referido. As autoras perceberam que há uma tendência da criança de tentar refletir na escrita algumas das características do objeto, a propósito, na escrita do nome das pessoas as crianças esperam que sejam proporcionais ao tamanho ou a idade dessa pessoa.
Outra característica desse nível, ainda que momentânea, é a dificuldade de referenciar as atividades de escrever e desenhar. O desenho funciona como uma garantia da escrita. O que a escrita não pode sozinha "dizer" encontra-se representado no desenho.
A respeito da união indissociável do desenho e da escrita Azenha (1999) declara que para o infante: "O desenho é uma clara estratégia da remissão ao conteúdo registrado." Isso significa dizer que devido à dificuldade que a criança tem de interpretar a própria produção da escrita ela vê no desenho um apoio que garante o significado no momento da leitura. Dois fatos importantes foram observados durante a pesquisa: a presença de uma ordem linear e a leitura da escrita como sendo global, cada letra equivale pelo todo.
Nível 2 – Foi observado no referido nível uma evolução na forma do grafismo de modo que se mostravam mais definidos e muito mais próximos das letras. Contudo, a hipótese central levantada pelas autoras foi: "Para ler coisas diferentes(isto é, atribuir significados diferentes), deve haver uma diferença objetiva nas escritas" (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.202).
Essa diferença objetiva é apresentada na forma do grafismo, na combinação entre eles ou na ordem em que eles aparecem durante o ato da escrita. Também foi observado que ainda persiste nesse nível a hipótese conceitual referente à quantidade mínima de letras e a variedade de grafismos para se processar o ato de leitura.
A repetição dessa hipótese é notada em vários contextos o que reforça a idéia de que essa exigência é puramente inerente a criança. Como algumas crianças conhecem poucas formas gráficas, elas resolvem o conflito relacionado à hipótese conceitual anteriormente citada, variando a posição na ordem linear dos grafismos para expressar a diferença de significação e mantendo a mesma quantidade e variedade. As autoras mostram alguns exemplos de crianças que dispõem desse recurso, dentre eles o de Valéria de quatro anos, classe média (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.204).
A r o n = sapo
A o r n = pato
I A o n = casa
r A o 1 = mamãe sai de casa. (mamá sale de casa)[1]
Essa percepção para solucionar problemas com a escrita está relacionada á aquisição cognitiva da criança, um ponto importante a ser considerado. Isso demonstra que a criança é um agente participativo na construção da escrita. Observa-se ainda nesse nível que a escrita continua sendo não analisável em partes, sendo considerada como uma totalidade única, não fragmentável, o que leva a criança a interpretá-la globalmente.
O exemplo de Willian seis anos, aluno de uma escola pública da cidade de Aracaju caracteriza o nível pré-silábico, escrita global, sem correspondência entre o valor sonoro e grafia. Observe-se:
Nível 3 – Hipótese Silábica. Esse é o nível em que a criança procura atribuir valor sonoro a cada uma das letras que faz parte da escrita. A característica marcante nesse grupo é que a criança trabalha com a hipótese da escrita como representante de partes sonora da fala e cada letra equivale uma sílaba ((ibidem, p. 209).
Trata-se de uma evolução importante, pois a criança deixa de ver a escrita como de forma global e passa identificá-la como recorte silábico. Passando a chamar-se hipótese silábica. As crianças expressam a hipótese silábica na escrita através de grafismos que pouco se parecem com letras ou com grafismos bem diferenciados, tanto para substantivos como para orações. Os que utilizam grafismos indefinidos demonstram a correspondência grafismo-sílaba procedendo da seguinte forma: palavras dissílabas dois caracteres, palavras trissílabas três caracteres e assim por diante. Os que utilizam algum tipo de grafismo definido podem atribuir à letra um valor sonoro estável ou não.
Vejamos os exemplos mostrados pelas autoras (p. 209): Javier quatro anos, classe baixa, identifica "sa / po" como AO e "Ur / so" como PA. Para Javier e outras crianças desse nível a letra memorizadaestará sempre presente, porém representando diversos valores sonoros, neste caso específico a vogal a.
Em contrapartida, crianças de seis anos da classe média, participantes da entrevista mostram a fixação do valor sonoro em algumas letras. Todas elas identificaram "sa / po" como AO, assim fica subentendido que a criança retém primeiramente o valor sonoro das vogais e estas podem representar quaisquer sílabas em que estejam presentes, exemplo "Pau" (palo em espanhol) = AO.
É interessante notar que por um momento a hipótese conceitual relacionada à quantidade mínima de letras é deixada de lado pelas crianças em virtude do esforço e concentração que elas fazem para corresponder grafia e som. O conflito se restabelece principalmente quando as crianças estão diante de palavras monossilábicas. Para solucionar o impasse as crianças deram respostas distintas. Isabel seis anos classe média usou a letra U sem valor sonoro a fim de completar a quantidade mínima exigida: AUO é "pato" (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.209).
Azenha (1999) sintetiza a hipótese silábica da seguinte forma:
A estratégia utilizada pela criança é atribuir a cada letra ou marca escrita o registro de uma sílaba falada. É esse fato que constitui a hipótese silábica. O saldo qualitativo representado por esta estratégia leva a criança à superação global entre a forma escrita e a expressão oral, fazendo com que, pela primeira vez, se trabalhe com a hipótese de que a escrita representa partes sonoras da fala."
Ocorre que, muitos professores cometem o equivoco de interpretar a hipótese silábica como o momento em que a criança demonstra saber empregar o valor sonoro convencional das letras, porem o que evidencia essa hipótese é atribuição de um valor silábico que a criança faz a cada marca produzida. E essa marca pode ser letra, pseudoletra ou número com valor sonoro convencional ou não. O que se resume nesse nível é que "A hipótese silábica é uma construção original da criança que não pode ser atribuída a uma transmissão por parte do adulto." (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.209).
Nível 4 – Passagem da hipótese silábica para alfabética. Essa passagem ocorre quando a criança se depara com dois conflitos: um relacionado à hipótese silábica e a exigência mínima de letras para se constituir o ato de leitura e o outro relacionado à hipótese silábica e as várias opções de formas gráficas convencionadas pelo meio externo. Substituir duas hipóteses construídas ao longo de sua evolução consiste numa tarefa difícil para criança, porém tentando resolver esses conflitos a criança vai testando outras hipóteses até se aproximar da escrita alfabética. Segundo os testes aplicados pelas autoras a relação da criança com o nome próprio é o que mais evidencia essa tentativa de solucionar o conflito interno versus meio.
Ao longo de várias hipóteses testadas a criança compreende que "escrever algo é ir representando, progressivamente, as partes sonoras desse nome" e que "o meio ofereceu um repertorio de letras, uma série de equivalentes sonoros para várias delas" (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.217).
A interferência do meio na forma apresentar as informações faz a diferença, ocorre que as crianças de classe média de seis anos onde o meio favorece, reconhecem o próprio nome e algumas palavras como mamãe e papai, também sabem recitar na ordem as vogais e geralmente sabem verbalmente as 10 primeiras letras do alfabeto. Contudo, o nome próprio é o que mais chama atenção, por vezes a criança reconhece varias letras por meio dele.
Por se tratar de um nível de transição torna-se um tanto difícil para criança administrar as informações oferecidas pelo meio e as hipóteses internas, Isso pode ocasionar um bloqueio que impede um bom desempenho. Muitas crianças de classe baixa por causa dessa dificuldade chegam à hipótese silábica, porem não consegue avançar mais que isso.
O exemplo abaixo de Danilo, seis anos, aluno de uma escola pública da cidade de Aracaju no inicio do nível silábico, demonstrando o esforço em solucionar o conflito entre suas hipóteses e os novos padrões estabelecidos pela escrita formal.
Observa-se nas respostas de Danilo a presença da hipótese conceitual da variedade e quantidade mínima de letras. Nota-se a presença de recorte silábico, embora não exista ainda uma relação entre valor sonoro e grafia.
Nível 5 – A escrita alfabética. Trata-se do último estágio dessa evolução e nele a criança já compreende que para cada caractere da escrita existe um valor sonoro correspondente, estes menores que a sílaba. Também nesse nível a criança já é capaz de realizar uma analise sonora dos fonemas das palavras antes de escrevê-las. Contudo, um outro problema se estabelece, dessa feita não mais de ordem do sistema da escrita, mais de ordem ortográfica. A dificuldade consiste em discernir nas grafias que correspondem a vários valores sonoros ou, inversamente, nas distintas grafias que correspondem a um mesmo valor sonoro. (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.221).
Por isso o ingresso nesse nível deve ser acompanhado pela aprendizagem das formas ortográficas de nossa língua, de forma a mostrar a criança que um mesmo som pode estar associado a várias letras ou uma letra pode corresponder a vários sons.
Ao mencionar a entrada da criança no nível alfabético Grossi (1990) declara: "Este é o marco que advogamos como critério básico da alfabetização. Dizemos que alguém que chegou a esse ponto transpôs o umbral das coisas escritas." Resta ao docente estimular as crianças o prazer pela leitura e escrita a fim de que elas possam ser no futuro adultos leitores, aptas para compreensão e produção textual. As pesquisadoras enfatizam que a criança nesse nível já tem estabelecido à escrita alfabética e que não há nenhuma dificuldade relacionada às leis de composição do código alfabético.
O exemplo de Agnaldo, seis anos, aluno de escola pública da cidade de Aracaju, demonstra a dificuldade da criança na fase alfabética relacionada à questão ortográfica. Observa-se a dúvida na escolha de algumas letras, supressão de outras e troca na ordem.


APROPRIAÇÃO DOS POSTULADOS DE EMILIA FERREIRO NA PRÁTICA ESCOLAR
Foram entrevistadas algumas professoras da rede de ensino particular na cidade de Aracaju, onde se adota a linha de pensamento construtivista.Observou-se na fala das professoras entrevistadas um conjunto de reflexões propostas a partir dos pressupostos construtivistas.
Na escola "X", Marise, professora da Educação Infantil (crianças de quatro e cinco anos), ao ser questionada sobre a forma como a leitura e a escrita são apresentadas, responde:
- Em todas as salas tem letras, em todas as salas tem números, em todas as salas tem escrita, independente dele (o aluno) saber ler ou não. E em todas as salas tem livros de estórias que eles pegam pra ler... que agente proporciona a eles o momento..., por exemplo: a leitura silenciosa. Né? E aí eu digo o que é uma leitura silenciosa. É uma leitura que a gente vai ler sem estar falando, sem provocar barulho... então a gente brinca muito com eles: agora é silenciosa (a professora fala num tom mais baixo nessa hora). Então, eles têm contato com a escrita desde quando eles entram na escola... eles estão sempre envolvidos com a leitura e com a escrita. Todas as salas possibilitam isso para criança, criando um ambiente favorável para leitura.
Continuando ela acrescenta:
- "Aqui, na verdade desde cedo eles tem contato com a leitura e com a escrita, por exemplo, toda sexta-feira todos os alunos levam livro para casa, é o empréstimo de livros, porque a idéia é que eles já vão lendo... eles fazem à leitura visual, eles folhem o livro, muitas vezes eles criam à história baseado no desenho que ele ta vendo, né? E baseado também na... quando ele ouviu..., que a professora contou. Ele vai criando em cima de alguma coisa que ele já sabe e das imagens".
Com relação à escrita a professora Marise ressalta:
- "Em alguns momentos, a gente faz, por exemplo... ele vai escrever do jeito dele uma carta pra mãe e aí muitos deles falam: mais tia eu não sei escrever. Você sabe escrever do seu jeito, do seu melhor jeito, porque de repente quando você fala do seu jeito, tem criança que é muito esperta e vai lá e... já escrevi do meu jeito, né? Então é do seu melhor jeito, por quê? Porque ele vai se incomodar, ele vai se importar com o cuidado. A gente percebe criança fazendo nessa escrita, repetindo uma letra, escrevendo várias letras, fazendo riscos como se fosse escrita cursiva e em forma de ondas [...] Depois que ele termina agente diz: agora você vai me dizer o que escreveu pra eu escrever do jeito que o adulto escreve que é o jeito que você vai aprender".
Observa-se na atitude da professora Marise, o mesmo procedimento de E. Ferreiro em sua investigação ao solicitar às crianças que escrevessem. De acordo com a autora"várias crianças disseram, é claro, que não sabiam escrever, mas bastou aceitar esse fato e incitá-las a que fizessem 'como te pareça melhor, como tu pensas', para obter delas uma resposta escrita" (1999, p.193).
Diferentemente da leitura, as tentativas de escrita pelas crianças são de imediato corrigidas pelos adultos no intuito de que o erro não perdure e isso faz com que muitas crianças resistam à escrita. A atitude de instigar a criança escrever, mesmo como lhes pareça melhor, ajuda a criança se libertar dos pré-conceitos adultos e expor suas hipóteses a cerca da escrita.
A respeito de empréstimo de livros como menciona a professora na entrevista, é um elemento novo, porém, muito importante. Através dessa estratégia se estabelece uma relação de prazer e interação entre o indivíduo e o material escrito. Também se constrói uma relação de zelo, pois, ao levarem para casa os livros emprestados, essas crianças terão de cuidar deles eles até o momento da devolução. A postura dessa escola construtivista em particular, contraria a maioria das escolas tradicionais que preferem manter seus livros em salas fechadas e inacessíveis a fim de protegê-los dos alunos, deixando-os apenas como objetos decorativos nas prateleiras das bibliotecas.
Em relação à leitura silenciosa, é um recurso muito importante para estimular a concentração dos pequenos na fase em que a inquietude é condizente com a idade e também como forma de estabelecer uma relação entre a criança e o texto. É inconcebível no ensino tradicional o fato de uma criança na Educação Infantil ser levada a leitura silenciosa, pelo simples motivo delas não dominarem ainda a escrita e a leitura formal. A prática da leitura silenciosa consiste em atos realizados pelos adultos que a criança presencia constantemente e tende a imitar. Ao ler um livro, revista, jornal ou qualquer outro material impresso ou eletrônico sem ao menos balbuciar, o adulto possibilita a criança perceber que é possível ler sem falar.
Essa compreensão é trabalhada na escola através da leitura silenciosa, onde os gestos de segurar um livro, folhear, olhar remetem a gestos de leitores, quando a professora recorre a esse recurso ela está proporcionando a criança também se ver como leitor.
Retomando a entrevista, dessa feita com a professora Denilza da classe da alfabetização (4-6 anos), observamos novas formas de apropriação da teoria de Emilia Ferreiro desencadeadas no seu fazer pedagógico diário. A professora da rede de ensino particular "X" ao se referir a sua prática na sala de aula ressalta:
- "Através de perguntas, através de atividades lúdicas, através de atividades de escrita livre, a gente faz uma avaliação do que esses alunos já têm. Então, a partir do que eles já têm a gente vai dando continuidade. Tem uma dinâmica muito grande. A gente traz a escrita livre... pra ver em que estágio à criança estar e como ela se relaciona com a escrita, então têm algumas que mesmo tendo contato antes... mas, como já tem conhecimento da escrita formal elas não querem errar e dizem: tia eu não sei escrever".
Continuando a professora Denilza acrescenta:
- "No momento de escrita livre, se fosse numa outra visão a criança tinha errado, mas ela acertou, porque ela foi encorajada a colocar suas hipóteses sobre a escrita. Então, aqui a gente trabalha a hipótese sobre a escrita nessa escrita livre".
Quando questionada sobre como a leitura e a escrita são apresentadas, observa que "o primeiro contato é com o nome deles, a escrita do nome deles, com o nome das pessoas que eles têm contato, com as coisas que estão ao redor deles... porque o interessante do construtivismo é que a gente contextualiza."E ao mencionar as formas de correção ela diz:
- "No momento da correção da tarefa a gente chama a criança individualmente e faz sempre uma observação positiva: Parabéns você acertou tudo, Parabéns você venceu o desafio. Então essas frases que a gente faz são frases de incentivo. Então, como é que a gente faz a correção? Existe o momento pra gente dizer êita! A língua portuguesa enganou você! A gente traz muito o lúdico e brinca com isso e aí eu escrevo a letra certa. Eu brinco muito no ar, eu fico de costas pra ele (aluno) e vou fazendo o movimento correto Então, a gente brinca com isso no ar, brinca com isso numa caixa de areia, brinca com isso apagando com algodãozinho no quadro".
Ao se referir à apresentação do conteúdo programático, Denilza revela:
- "Aqui a gente brinca com as letras. As vogais eu estou apresentando de forma lúdica. Então eu trago umas músicas que apresentam as vogais e a gente entoa as vogais e eles (os alunos) não esquecem nunca. Não é uma questão de memorização. Não precisa dizer vamos estudar agora, vamos ler todas as letras do alfabeto. A gente trabalha memorização com poesia, porque a memorização fica interessante".
Elementos novos de apropriação como lúdico, brincadeiras, desafios e estímulos surgem atrelados à teoria construtivista, o que desencadeia uma dinâmica especifica na prática de sala de aula da professora. Percebe-se ainda, na fala da professora Denilza, uma preocupação inicial de avaliar em que estágio seus alunos se encontram ao chegarem à classe da alfabetização. Ao discernir os estágios das crianças ela começa uma dinâmica diversificada que vai do lúdico a escrita contextualizada.
Nos procedimentos metodológicos da professora Denilza se observa o uso da escrita livre, um tipo de escrita que dar liberdade ao aluno grafar sem restrições e sem coagi-los a escrita formal. Por meio da escrita livre a professora os encoraja a exporem suas hipóteses a cerca da escrita. Admitir as hipóteses infantis só foi possível graças à teoria psicogenética de Emília Ferreiro que provocou a forma de compreensão do processo de aquisição da lectoescrita e, por conseguinte a alfabetização. Até então, prevalecia o modelo tradicional de ensino em que a criança nessa fase é condicionada a repetições, cópias, cartilhas, e traçados.
Outro elemento também é observado na fala da professora Denilza: a escrita contextualizada. A partir nome próprio (n essa fase a expectativa em relação ao próprio nome é intensa), do nome das pessoas com quem convive e das coisas que estão ao seu redor, os alunos vão tendo seu primeiro contato com a escrita. No decorrer do processo, a professora apresenta as letras de forma lúdica, por meio de brincadeiras e músicas. Ao contrário do ensino tradicional que relaciona a alfabetização à memorização, a professora ressalta a importância da poesia na eficácia desse processo.
A diversidade de recurso, brincar na caixa de areia, com movimentos no ar, com algodão molhado, transforma aprendizagem numa atividade prazerosa e permite a criança perceber a escrita de um modo funcional. A concepção de erro também é diferente numa perspectiva construtivista. Na visão tradicional tudo que não está condizente com a escrita convencional é tido como erro.
A professora Denilza prefere brincar com os alunos no momento da correção e mostrar a forma correta de forma agradável, sem punições, nem restrições. Os "erros" são tratados como "erros construtivos", por se tratarem de tentativas de acertos através de formulações e reformulações de hipóteses no momento em que a criança está organizando seu pensamento.
A apropriação da teoria psicogenética também é confirmada nas falas de Cátia, Natália e Raquel, professoras da escola "Y", também de classe média da mesma capital. De acordo com a professora da educação infantil (4-5 anos) Cátia: "tintas, papel, lápis de cera, canetinhas e tesoura, são essências para realização dos desenhos e recortes, as crianças descobrem o que é o mundo ao reproduzirem seu dia-dia com eles".
A professora Natália, da educação infantil (4-5 anos), ao mencionar a importância de explorar os diversos tipos de linguagem, diz:
- "A criança vai ampliando gradativamente suas possibilidades de expressão, através de diversas linguagens: oral, escrita, sonora (musical), plástica (visual), corporal (movimento) e iconográfica (linguagem por símbolos), compreendendo cada vez mais as mensagens comunicadas pelos outros através dessas linguagens e usufruindo do prazer dessas expressões".
A professora Raquel da classe da alfabetização (cinco a seis anos) descreve as crianças desta fase como sendo "[...] capazes de representar mentalmente as situações e as pessoas, o que facilita o processo criativo das mesmas. Sua linguagem oral se aproxima da realidade dos adultos, o que facilita o entendimento e a comunicação. Sua percepção é global, ou seja, seus desenhos e seus pensamentos são ricos em detalhes, relacionando aspectos."
Na fala da primeira professora da escola "Y", Cátia, percebe-se que o desenho é o recurso usado para representar o cotidiano da criança, pois, nessa fase desenho e escrita estão indiferenciados.
A respeito da fala da professora Natália, percebe-se uma preocupação em ampliar as possibilidades de linguagem nessa faixa etária, como também ampliar o repertório de palavras e expressões. Isso é possível, a partir do momento que o professor explora o universo - sonoro, plástico, corporal e iconográfico - atividades que envolvem os sentidos.
Já a professora Raquel destaca a capacidade da criança organizar mentalmente suas respostas. De fato, a criança enquanto sujeito cognoscente elabora seu pensamento de forma lógico, o que faz com que ela participe ativamente na construção do conhecimento. A pesar de sua percepção ser globalizada a criança é capaz de manifestar uma riqueza de detalhes nos desenhos.
Embora instituições com propostas de ensino diferentes, as professoras, tanto da escola X como da escola Y, fazem uma apropriação da teoria de Emília Ferreiro de modo a inspirar novas práticas que são expressas durante os depoimentos. A compreensão do processo da aquisição da lectoescrita direciona o foco da aprendizagem da alfabetização para um individuo que interage na construção desse processo.
Nas escolas que adotam uma postura construtivista, a teoria proposta desloca a prática e atua como fator de novas experiências. Essas experiências vão gradativamente se incorporando como recurso metodológico de ensino no fazer pedagógico diário dessas educadoras e como conseqüência se obtém um conjunto de ações que se refletem positivamente no processo de ensino-aprendizagem.
Percebe-se nas professoras da escola "Y" uma preocupação com os aspectos voltados para comunicação e expressão a fim de que através da compreensão desses aspectos se tenha um melhor desempenho no processo da alfabetização. Em todas elas, no entanto se percebe que a apropriação da teoria de Emília Ferreiro inspirou novas práticas que são expressas durante os depoimentos. Isso significa dizer que a aquisição da lectoescrita que implica na alfabetização é um processo que se constrói gradativamente, onde os agentes participantes interagem dialogando entre si.

CONCLUSÃO
As contribuições de Emília Ferreiro para compreensão da escrita motivaram muitas escolas a incluírem em sua prática de sala de aula à proposta construtivista como recurso pedagógico. Embora Emília Ferreiro não tivesse desenvolvido nenhum método de ensino, abriu caminho para conceber a acriança como sujeito participante na construção do conhecimento. As experiências realizadas pela autora e colaboradores confirmaram a hipótese inicial da investigação a qual "todos os conhecimentos supõem uma gênese" (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.260).
No decorrer das investigações elas puderam acompanhar a evolução desse processo e descrever as hipóteses infantis a respeito dos processos cognitivos relativos à aquisição da escrita. Através dessas hipóteses se chegou aos níveis de evolução da escrita, percorridos pelas crianças.
Conhecer o processo de aquisição da escrita faz-se necessário a todos os docentes a fim de que se evitem alguns equívocos que interferem no processo de ensino-aprendizagem da alfabetização.
Os estudos de Emília Ferreiro proporcionaram aos teóricos, educadores e estudiosos do assunto a conceberem a alfabetização sob outro prisma, na perspectiva da criança.
Em nossa pesquisa constatamos através de entrevistas com professoras da educação infantil, que existe uma preocupação em fazer um diagnóstico dos alunos a fim de avaliar quais os conhecimentos prévios que eles trazem ao chegarem à escola. A partir desse diagnóstico se desenvolve uma série de atividades direcionadas ao aprendizado da leitura e da escrita que envolve a criatividade, a musicalidade, a poesias e o lúdico.
Essas atividades estão calcadas em projetos pedagógicos que norteiam toda escola e por meio delas as professoras acompanham o processo de evolução da escrita de seus alunos.
Processo este, que começa pelas primeiras tentativas de escrita- garatujas e passa pelos níveis pré-sílabicos, silábico, silábico-alfabético, até em fim chegar ao nível alfabético.
Ao contrario de algumas escolas de modelos de alfabetização tradicional, em que os decentes se prendem a cartilhas e metodologias mecanicistas, a percepção das professoras que comungam do pensamento construtivista é demonstrado através das diversas formas de apropriação da teoria psicogenética no cotidiano da sala de aula. Escrita livre, leitura silenciosa, poesias, arte, entre outras, são exemplos de formas de apropriação que estão presentes no fazer pedagógico dessas docentes.
A apropriação dos pressupostos de Emília Ferreiro, pelas professoras da educação infantil, mostra a relação entre teoria e a prática: teoria deslocando a prática. Nisto se percebe a importância de se compreender o processo de aquisição da lectoescrita e com isso, contribuir para realizar um processo de alfabetização eficaz.
É certo que a teoria psicogenética de Emília Ferreiro não se insere como a única e infalível teoria voltada para compreensão da língua escrita, porém a aplicabilidade dos postulados de Ferreiro no processo de alfabetização nos dias atuais revela a preocupação dos educadores em encontrar alternativas menos mecanicistas que ajam significativamente no processo de construção do saber formal. Essa busca será sempre constante, pois, o dinamismo das transformações a que o mundo se submete impulsiona esse processo.

SOBRE AS AUTORAS
Ana Graziela Feitosa Rocha é graduanda em Letras/Português na Universidade Tiradentes, em Aracaju/SE. Cursa o 2º período, no segundo semestre de 2009. O presente artigo é resultado de uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica, sob orientação da mestre Maria José de Azevedo Araujo evisa mostrar a língua escrita como objeto de aprendizagem, através da análise dos pressupostos construtivistas para a aquisição da escrita aprofundando dos estudos dos pressupostos de Emília Ferreiro e de Teberosky. Contatos: grazfl@hotmail.com e azevedo1956@bol.com.br

REFERÊNCIAS
AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget a Emília Ferreiro. 7. ed. São Paulo: Ática, 1999.
ELIAS, Marisa Del Cioppo. De Emílio a Emília: trajetória da alfabetização. São Paulo: Scipione, 2000.
FERREIRO, Emília. Com todas as letras. Tradução de Maria Zilda de Cunha Lopes. Retradução e cotejo de textos Sandra Trabuscco Valenzuela. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
_________________. Reflexões sobre alfabetização. Tradução Horácio Gonzáles (et.al.). 24. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
_________________; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Tradução de Diana Myriam Liechtenstein, Liana Di Marco, Mário Corso.Porto Alegre: Artmed, 1999.
GROSSI, Esther Pilar. Didática da alfabetização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
SOARES. Magda. Alfabetização e letramento. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário