20 DE NOVEMBRO, DIA PARA REFLEXÕES E DECISÕES
A lei N.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, incluiu o dia 20 de novembro no calendário escolar, data em que comemoramos o Dia Nacional da Consciência Negra. A mesma lei também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Com isso, professores devem inserir em seus programas aulas sobre os seguintes temas: História da África e dos africanos, luta dos negros no Brasil, cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional.
Com a implementação dessa lei, o governo
brasileiro espera contribuir para o resgate das contribuições dos povos negros
nas áreas social, econômica e política ao longo da história do país.
A
escolha dessa data não foi por acaso: em 20 de novembro de 1695, Zumbi - líder
do Quilombo dos Palmares- foi morto em uma emboscada na Serra Dois Irmãos, em
Pernambuco, após liderar uma resistência que culminou com o início da
destruição do quilombo Palmares.
Então, comemorar o Dia Nacional da Consciência
Negra nessa data é uma forma de homenagear e manter viva em nossa memória essa
figura histórica. Não somente a imagem do líder, como também sua importância na
luta pela libertação dos escravos, concretizada em 1888.
Porém, hoje as estatísticas sobre os
brasileiros ainda espelham desigualdades entre a população de brancos e a de pretos
e pardos. Por isso, é importante conhecermos algumas informações sobre o
assunto.
História do Dia Nacional da Consciência
Negra
Esta data foi estabelecida pelo projeto
lei número 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003. Foi escolhida a data de 20 de
novembro, pois foi neste dia, no ano de 1695, que morreu Zumbi, líder do
Quilombo dos Palmares.
A homenagem a Zumbi foi mais do que
justa, pois este personagem histórico representou a luta do negro contra a
escravidão, no período do Brasil Colonial. Ele morreu em combate, defendendo
seu povo e sua comunidade. Os quilombos representavam uma resistência ao
sistema escravista e também um forma coletiva de manutenção da cultura africana
aqui no Brasil. Zumbi lutou até a morte por esta cultura e pela liberdade do seu
povo.
IMPORTÂNCIA DA DATA
A criação desta data foi importante,
pois serve como um momento de conscientização e reflexão sobre a importância da
cultura e do povo africano na formação da cultura nacional. Os negros africanos
colaboraram muito, durante nossa história, nos aspectos políticos, sociais,
gastronômicos e religiosos de nosso país. É um dia que devemos comemorar nas
escolas, nos espaços culturais e em outros locais, valorizando a cultura
afro-brasileira.
A abolição da escravatura, de forma oficial,
só veio em 1888. Porém, os negros sempre resistiram e lutaram contra a opressão
e as injustiças advindas da escravidão.
Vale dizer também que sempre ocorreu uma
valorização dos personagens históricos de cor branca. Como se a história do
Brasil tivesse sido construída somente pelos europeus e seus descendentes.
Imperadores, navegadores, bandeirantes, líderes militares entre outros foram
sempre considerados heróis nacionais. Agora temos a valorização de um líder
negro em nossa história e, esperamos que em breve outros personagens históricos
de origem africana sejam valorizados por nosso povo e por nossa história.
Passos importantes estão sendo tomados neste sentido, pois nas escolas
brasileiras já é obrigatória a inclusão de disciplinas e conteúdos que visam
estudar a história da África e a cultura afro-brasileira.
Zumbi dos Palmares, o maior ícone da resistência negra ao
escravismo
no Brasil
Vinte de novembro é o Dia Nacional da
Consciência Negra. A data - transformada em Dia Nacional da Consciência Negra
pelo Movimento Negro Unificado em 1978 - não foi escolhida ao acaso, e sim como
homenagem a Zumbi, líder máximo do Quilombo de Palmares e símbolo da
resistência negra, assassinado em 20 de novembro de 1695. no Brasil
O Quilombo dos Palmares foi fundado no
ano de 1597, por cerca de 40 escravos foragidos de um engenho situado em terras
pernambucanas. Em pouco tempo, a organização dos fundadores fez com que o
quilombo se tornasse uma verdadeira cidade. Os negros que escapavam da lida e
dos ferros não pensavam duas vezes: o destino era o tal quilombo cheio de
palmeiras.
Com a chegada de mais e mais pessoas,
inclusive índios e brancos foragidos, formaram-se os mocambos, que funcionavam
como vilas. O mocambo do macaco, localizado na Serra da Barriga, era a sede
administrativa do povo quilombola. Um negro chamado Ganga Zumba foi o primeiro
rei do Quilombo dos Palmares.
Alguns anos após a sua fundação, o
Quilombo dos Palmares foi invadido por uma expedição bandeirante. Muitos
habitantes, inclusive crianças, foram degolados. Um recém-nascido foi levado
pelos invasores e entregue como presente a Antônio Melo, um padre da vila de
Recife.
O menino, batizado pelo padre com o nome
de Francisco, foi criado e educado pelo religioso, que lhe ensinou a ler e
escrever, além de lhe dar noções de latim, e o iniciar no estudo da Bíblia. Aos
12 anos o menino era coroinha. Entretanto, a população local não aprovava a atitude
do pároco, que criava o negrinho como filho, e não como servo.
Apesar do carinho que sentia pelo seu
pai adotivo, Francisco não se conformava em ser tratado de forma diferente por
causa de sua cor. E sofria muito vendo seus irmãos de raça sendo humilhados e
mortos nos engenhos e praças públicas. Por isso, quando completou 15 anos, o
franzino Francisco fugiu e foi em busca do seu lugar de origem, o Quilombo dos
Palmares.
Após caminhar cerca de 132 quilômetros,
o garoto chegou à Serra da Barriga. Como era de costume nos quilombos, recebeu
uma família e um novo nome. Agora, Francisco era Zumbi. Com os conhecimentos
repassados pelo padre, Zumbi logo superou seus irmãos em inteligência e
coragem. Aos 17 anos tornou-se general de armas do quilombo, uma espécie de
ministro de guerra nos dias de hoje.
Com a queda do rei Ganga Zumba, morto
após acreditar num pacto de paz com os senhores de engenho, Zumbi assumiu o
posto de rei e levou a luta pela liberdade até o final de seus dias. Com o
extermínio do Quilombo dos Palmares pela expedição comandada pelo bandeirante
Domingos Jorge Velho, em 1694, Zumbi fugiu junto a outros sobreviventes do
massacre para a Serra de Dois Irmãos, então terra de Pernambuco.
Contudo, em 20 de novembro de 1695 Zumbi
foi traído por um de seus principais comandantes, Antônio Soares, que trocou
sua liberdade pela revelação do esconderijo. Zumbi foi então torturado e
capturado. Jorge Velho matou o rei Zumbi e o decapitou, levando sua cabeça até
a praça do Carmo, na cidade de Recife, onde ficou exposta por anos seguidos até
sua completa decomposição.
“Deus da Guerra”, “Fantasma Imortal” ou
“Morto Vivo”. Seja qual for a tradução correta do nome Zumbi, o seu significado
para a história do Brasil e para o movimento negro é praticamente unânime:
Zumbi dos Palmares é o maior ícone da resistência negra ao escravismo e de sua
luta por liberdade. Os anos foram passando, mas o sonho de Zumbi permanece e
sua história é contada com orgulho pelos habitantes da região onde o negro-rei
pregou a liberdade.
No período de escravidão no Brasil (séculos
XVII e XVIII), os negros que conseguiam fugir se refugiavam com outros em igual
situação em locais bem escondidos e fortificados no meio das matas. Estes
locais eram conhecidos como quilombos. Nestas comunidades, eles viviam de
acordo com sua cultura africana, plantando e produzindo em comunidade. Na época
colonial, o Brasil chegou a ter centenas destas comunidades espalhadas,
principalmente, pelos atuais estados da Bahia, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso,
Minas Gerais e Alagoas.
Na ocasião em que Pernambuco foi invadida
pelos holandeses (1630), muitos dos senhores de engenho acabaram por abandonar
suas terras. Este fato beneficiou a fuga de um grande número de escravos.
Estes, após fugirem, buscaram abrigo no Quilombo dos Palmares, localizado em
Alagoas.
Esse fato propiciou o crescimento do Quilombo
dos Palmares. No ano de 1670, este já abrigava em torno de 50 mil escravos.
Estes, também conhecidos como quilombolas, costumavam pegar alimentos às
escondidas das plantações e dos engenhos existentes em regiões próximas;
situação que incomodava os habitantes.
Esta situação fez com que os quilombolas
fossem combatidos tanto pelos holandeses (primeiros a combatê-los) quanto pelo
governo de Pernambuco, sendo que este último contou com os serviços do
bandeirante Domingos Jorge Velho.
A luta contra os negros de Palmares
durou por volta de cinco anos; contudo, apesar de todo o empenho e determinação
dos negros chefiados por Zumbi, eles, por fim, foram derrotados.
Os quilombos representaram uma das formas de
resistência e combate à escravidão. Rejeitando a cruel forma de vida, os negros
buscavam a liberdade e uma vida com dignidade, resgatando a cultura e a forma
de viver que deixaram na África e contribuindo para a formação da cultura
afro-brasileira.
HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO: INTRODUÇÃO
Ao falarmos em escravidão, é difícil não
pensar nos portugueses, espanhóis e ingleses que superlotavam os porões de seus
navios de negros africanos, colocando-os a venda de forma desumana e cruel por
toda a região da América.
Sobre este tema, é difícil não nos lembrarmos
dos capitães-de-mato que perseguiam os negros que haviam fugido no Brasil, dos
Palmares, da Guerra de Secessão dos Estados Unidos, da dedicação e ideias
defendidas pelos abolicionistas, e de muitos outros fatos ligados a este
assunto.
Apesar de todas estas citações, a escravidão é
bem mais antiga do que o tráfico do povo africano. Ela vem desde os primórdios
de nossa história, quando os povos vencidos em batalhas eram escravizados por
seus conquistadores. Podemos citar como exemplo os hebreus, que foram vendidos
como escravos desde os começos da História.
Muitas civilizações usaram e dependeram do
trabalho escravo para a execução de tarefas mais pesadas e rudimentares. Grécia
e Roma foi uma delas, estas detinham um grande número de escravos; contudo,
muitos de seus escravos eram bem tratados e tiveram a chance de comprar sua
ESCRAVIDÃO NO BRASIL
No Brasil, a escravidão teve início com a
produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam os
negros africanos de suas colônias na África para utilizar como mão-de-obra
escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste. Os comerciantes de escravos
portugueses vendiam os africanos como se fossem mercadorias aqui no Brasil. Os
mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos.
O
transporte era feito da África para o Brasil nos porões do navios negreiros.
Amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil,
sendo que os corpos eram lançados ao mar.
Nas fazendas de açúcar ou nas minas de
ouro (a partir do século XVIII), os escravos eram tratados da pior forma
possível. Trabalhavam muito (de sol a sol), recebendo apenas trapos de roupa e
uma alimentação de péssima qualidade. Passavam as noites nas senzalas (galpões
escuros, úmidos e com pouca higiene) acorrentados para evitar fugas. Eram
constantemente castigados fisicamente, sendo que o açoite era a punição mais
comum no Brasil Colônia.
Eram proibidos de praticar sua religião de
origem africana ou de realizar suas festas e rituais africanos. Tinham que
seguir a religião católica, imposta pelos senhores de engenho, adotar a língua
portuguesa na comunicação. Mesmo com todas as imposições e restrições, não
deixaram a cultura africana se apagar. Escondidos, realizavam seus rituais,
praticavam suas festas, mantiveram suas representações artísticas e até
desenvolveram uma forma de luta: a capoeira.
As mulheres negras também sofreram muito com a
escravidão, embora os senhores de engenho utilizassem esta mão-de-obra, principalmente,
para trabalhos domésticos. Cozinheiras, arrumadeiras e até mesmo amas de leite
foram comuns naqueles tempos da colônia.
No Século do Ouro (XVIII) alguns escravos
conseguiam comprar sua liberdade após adquirirem a carta de alforria. Juntando
alguns "trocados" durante toda a vida, conseguiam tornar-se livres.
Porém, as poucas oportunidades e o preconceito da sociedades acabavam fechando
as portas para estas pessoas.
O negro também reagiu à escravidão,
buscando uma vida digna. Foram comuns as revoltas nas fazendas em que grupos de
escravos fugiam, formando nas florestas os famosos quilombos. Estes, eram
comunidades bem organizadas, onde os integrantes viviam em liberdade, através
de uma organização comunitária aos modelada.
NA FOTO ACIMA: JOAQUIM NABUCO
CAMPANHA ABOLICIONISTA E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
A
partir da metade do século XIX a escravidão no Brasil passou a ser contestada
pela Inglaterra. Interessada em ampliar seu mercado consumidor no Brasil e no
mundo, o Parlamento Inglês aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), que proibia o
tráfico de escravos, dando o poder aos ingleses de abordarem e aprisionarem
navios de países que faziam esta prática.
Em 1850, o Brasil cedeu às pressões inglesas e
aprovou a Lei Eusébio de Queiróz que acabou com o tráfico negreiro. Em 28 de
setembro de 1871 era aprovada a Lei do Ventre Livre que dava liberdade aos
filhos de escravos nascidos a partir daquela data. E no ano de 1885 era
promulgada a Lei dos Sexagenários que garantia liberdade aos escravos com mais
de 60 anos de idade.
Somente no final do século XIX é que a
escravidão foi mundialmente proibida. Aqui no Brasil, sua abolição se deu em 13
de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel.
TRÁFICO E COMÉRCIO DE ESCRAVOS
Não se pode ignorar que o tráfico de negros da África para o Brasil decorreu do processo de colonização portuguesa iniciado na segunda metade do século XV. O modelo econômico baseado na monocultura e extratividade, com utilização de mão-de-obra escrava, caracterizava as colonizações da época, mas nem por isso deixa de ser visto como desumano e absurdo.
O
tráfico de escravos da África para o Brasil, por menos que se queira, faz parte
da nossa história. Mesmo que se tente esquecer ou esconder _ como fez Rui
Barbosa quando mandou queimar a documentação existente sobre escravidão no
Brasil _ não se pode ignorar sua existência. Conhecer o tráfico e o comércio de
escravos no Brasil é entender um pouco a importante contribuição dos africanos
na formação da cultura brasileira.
A
Biblioteca Nacional guarda um grande número de documentos sobre esse assunto.
São mapas estatísticos, correspondência, gravuras e desenhos, periódicos, livros
raros, material informativo arquivado de acordo com sua característica nos
setores de Manuscritos, Iconografia, Periódicos, Obras Raras e Obras Gerais.
A maior parte dos escravos que aportavam inicialmente no Brasil provinha das colônias portuguesas na África. Eram negros capturados nas guerras tribais e negociados com os traficantes em troca de produtos como a aguardente, fumo e outros. O tráfico de escravos não era exclusividade dos portugueses, pois ingleses, holandeses, espanhóis e até norte-americanos se beneficiavam desse comércio, que era altamente lucrativo. Os riscos dessa atividade estavam nos perigos dos oceanos e nas doenças que algumas vezes chegavam a dizimar um terço dos escravos transportados.
Os portos que recebiam maior número de
escravos no Brasil eram Salvador, Rio de Janeiro e Recife; desses portos os
escravos eram transportados aos mais diversos locais do Brasil. Algumas outras
cidades recebiam escravos vindos diretamente da África, como Belém, São Luís,
Santos, Campos e outras. A proporção de desembarque de escravos em cada porto
variou ao longo de 380 anos de escravidão, dependendo do aquecimento da
atividade econômica na região servida pelo porto em questão. Durante o ciclo
áureo da cana-de-açúcar do Nordeste, os portos de Recife e Salvador recebiam o
maior número de escravos, mas, durante o ciclo do ouro em Minas Gerais, coube
ao Rio de Janeiro receber o maior número de escravos.
A venda dos escravos vindos da África
era feita em praça pública, através de leilões, mas o comércio de negros não se
restringia à venda do produto do tráfico. Transações comerciais com escravos
eram comuns. Neste site são exibidos documentos que registram as mais variadas
transações com o escravo, como se fosse um produto qualquer comerciável.
As relações comerciais internas envolvendo
escravos acentuavam-se em momentos específicos do processo escravocrata.Com o
declínio da produção de cana-de-açúcar no Nordeste, por exemplo, muitos
proprietários de escravos venderam parte de seu plantel para o Sudeste,
principalmente, para o Rio de Janeiro e São Paulo, áreas de produção de café,
que passou a ser o produto mais importante da balança comercial brasileira. Os
documentos presentes neste site demonstram a preocupação dos governantes
nordestinos como esvaziamento de escravos das lavouras nordestinas e descreve
as medidas adotadas para evitar tal processo.
O acervo da Biblioteca Nacional, no que
se refere ao tráfico de escravos e ao seu comércio, restringe-se basicamente ao
período posterior à segunda metade do século XVIII, sendo que a maior parte dos
documentos é referente ao século XIX.
Dentre os documentos pertencentes a esse
acervo, destacam-se alguns como um mapa estatístico que enumera a quantidade de
escravos transportados de Benguela para o Brasil, ou um documento de doação de
uma escrava a um cura de paroquial.
Os documentos presentes neste site ajudam a
compreender o que já afirmava Caio Prado Júnior, em História econômica do
Brasil. Falava que o " tráfico e a escravidão achavam-se indissoluvelmente
ligados; esta não se podia manter sem aquele. Coisa que já se compreendia então
perfeitamente, e que os fatos posteriores comprovariam; abolido o tráfico, a
escravidão seguir-lhe-ia o passo a curto prazo." (Prado Júnior, 1945: 144
)
RESISTÊNCIA NEGRA À ESCRAVIDÃO
A
historiografia conservadora, que valoriza os heróis como únicos responsáveis
pelos grandes feitos da humanidade, enaltece a Princesa Isabel como a redentora
dos negros, a libertadora e ignora todo o processo conjuntural e estrutural que
a levou a assinar, em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea.
A
partir da segunda metade do século XIX cresceram os movimentos abolicionistas,
que passaram a pressionar cada vez mais o governo em busca de uma extinção
definitiva da escravatura. As pressões internacionais, principalmente dos
ingleses, também eram grandes, e os próprios negros passaram a se rebelar
contra a situação com maior frequência.
O
Quilombo de Palmares, no século XVII, em Alagoas, tornou-se uma referência na
história da resistência dos negros à escravidão. Até hoje, quando se fala em
resistência negra à escravidão se é induzido a pensar em Zumbi dos Palmares e
no quilombo que ele liderou. Mas esse famoso quilombo não foi o único a
existir, muito pelo contrário, eles multiplicaram-se pelo Brasil como forma de
organização de resistência dos negros fugidos do trabalho escravo.
O acervo documental sobre os quilombos
não é muito rico. Na Biblioteca Nacional, poucos documentos fazem referência
aos acampamentos de negros fugidos, já que a maior parte da documentação sobre
escravidão no Brasil era produzida por escravagistas que exigiam o completo
extermínio desses focos de resistência.
Num dos artigos do periódico Aurora
Fluminense, exigia-se que o governo fosse mais incisivo na ação contra os
quilombos existentes nas cercanias da Corte. O artigo enumerou alguns
acampamentos de negros fugidos existentes então. As providências exigidas não
eram meros discursos retóricos da imprensa conservadora, tratava-se de uma
questão de sobrevivência econômica para alguns. Em fins do século XIX, manter
seus escravos era de extrema necessidade para alguns fazendeiros, pois o fim do
tráfico e a promulgação da Lei do Ventre Livre limitavam a manutenção do numero
de escravos à compra através do tráfico interno, que se tornara muito caro com
a diminuição da oferta.
Os documentos mostram que a fuga e os
quilombos não eram as únicas formas de resistência dos negros perante a
escravidão: rebeliões, assassinatos, suicídios, revoltas organizadas também
fizeram parte da história da escravidão no Brasil.
Das revoltas históricas, a mais conhecida foi
a dos Malês, em Salvador. Essa revolta foi tão significativa que na
correspondência de pessoas importantes da Corte, no século XIX, constantes do
acervo da Biblioteca Nacional, há diversas menções a ela. Havia o medo de que
novas revoltas como aquela transformassem o Brasil numa "anarquia."
Os Malês, como se sabe eram um grupo étnico numeroso, já islamizado, que tinha
capacidade de se organizar até mesmo nas senzalas.
Há ainda, no acervo da Biblioteca Nacional uma
bela coleção de imagens que documentam os castigos impostos aos escravos
fujões.Essa iconografia retrata a crueldade dos castigos infligidos àqueles que
buscavam apenas sua liberdade.
Na luta pela liberdade, nem sempre os negros
eram vítimas, algumas vezes, eles eram os algozes. Num dos documentos é relatado
o assassinato de um capitão-do-mato pelos negros de uma fazenda.
No Brasil colonial, praticamente, todo o
trabalho era escravo. O braço negro esteve sempre presente em todas as áreas e
setores de atividades. Nas lavouras, no serviços domésticos e urbanos foi a
força de trabalho fundamental para a economia brasileira. O escravo era
habitualmente chamado "os pés e as mãos" do senhor e da senhora,
todos os brancos, exceto os mais pobres, dependiam deles.
Os negros dos diversos locais da África
que aqui chegavam eram levados imediatamente ao mercado de escravos, onde eram
vendidos para aqueles que fizessem a maior oferta. Desse modo, membros de uma
mesma família ou de uma mesma tribo de separavam, aumentando ainda mais sua
revolta. Os movimentos dos cativos contra o sistema escravocrata eram
constantes. Suicídios, inclusive os coletivos, privando o senhor de seu
investimento; homicídios praticados contra os brancos e as fugas eram maneiras
de demonstrar sua rebeldia. Os quilombos, verdadeiras cidades de escravos
fugidos, instaladas em locais de difícil acesso, também foram uma alternativa
para se livrarem da opressão dos senhores brancos.
Podem-se distinguir dois tipos de
trabalho escravo com características próprias: o produtivo, nas lavouras ou nas
minas, e o doméstico. O primeiro, quer no campo, quer nas minas, era um
trabalho árduo que ia da aurora ao escurecer. Segundo Charles R. Boxer, a vida
média desses escravos era estimada entre sete e dez anos de trabalho; os demais
trabalhavam na casa de seus senhores como criados de quarto, amas de crianças,
mucamas, cozinheiras, costureiras, etc.
Subdividindo ainda mais esses setores de
atuação do trabalho escravo, verifica-se que no espaço urbano destacou-se o
trabalho dos escravos de ganho e também dos escravos de aluguel. Esses últimos,
como o próprio nome diz, eram alugados por seu senhor a terceiros, normalmente
eram aqueles que realizavam, com propriedade, algum ofício como carpinteiros, sapateiros
e cozinheiros. E os de ganho, eram os que iam pelas ruas a fim de prestar
serviços ocasionais e que deviam, ao fim do dia, entregar a seus senhores uma
quantia previamente fixada. Neste caso, o proprietário se desobrigava de
atender às necessidades básicas do escravo, na medida em que este dispunha de
seu tempo com maior liberdade.
Nos jornais da época, a seção de anúncios era
utilizada por proprietários de escravos para esses serviços. Na Gazeta de
Notícias lê-se o seguinte anúncio: "Aluga-se na Rua do Lavradio nº L 6, um
preto perfeito cozinheiro de forno, fogão e massa, um dito para todo serviço e
um molecote com prática de carpinteiro". Essa seção também era utilizada
para compra e venda de escravos. Veja-se um outro exemplo ainda no mesmo
jornal, "Vende-se dois moleques para o serviço, copeiros e cocheiros; na
Rua da Quitanda nL49,1Landar."
Na Divisão de Manuscritos da Biblioteca
Nacional, também se encontram várias cartas e processos referentes ao pagamento
de diárias a escravos alugados. Como se pode observar, o escravo era tratado
como mercadoria, pois inspirada no Direito Romano, a lei portuguesa
considerava-o "coisa do seu senhor", ou seja, classificava-o como
"mercadoria "ou "peça". Podia ser vendido, alugado,
emprestado, submetido, enfim, a todos os atos decorrentes do direito de
propriedade.
Os diversos tipos da labuta escrava podem ser
vistos nas litografias de Jean Baptiste Debret e Louis Buvelot que se encontram
no acervo da Biblioteca Nacional, elas retratam cenas do quotidiano dos
escravos domésticos, vendedores e dos de ganho. Nesse acervo encontra-se uma
vasta documentação sobre o tema abordado, e grande parte desse material está
disponível neste site, onde vários manuscritos, periódicos, litografias, fotografias
e mapas da época foram selecionados para facilitar a pesquisa dos interessados.
MOVIMENTOS ABOLICIONISTAS E ALFORRIAS
Os movimentos abolicionistas da sociedade
civil visavam ao fim da escravidão. Não se pode demarcar uma data como a da
fundação do abolicionismo. Isso porque durante os séculos em que a instituição
escravista durou legalmente, ela sempre amealhou partidários e opositores. Entretanto,
não há como negar que, enquanto força social organizada, composta por
indivíduos das mais diferentes classes, origem profissional ou credo, o abolicionismo
tem seu grande desenvolvimento e apogeu entre as décadas de 1860 e 1880.É
justamente nesse período que se desenvolvem as maiores campanhas jornalísticas
em prol da libertação dos escravos. Fundaram-se órgãos da imprensa
explicitamente ligados à questão abolicionista e à criação de associações cujo
fim era levantar fundos para a emancipação dos cativos.
Alguns importantes intelectuais participaram
ativamente da campanha abolicionista; criou-se um partido político que tinha o
fim da escravidão como meta. Foram apresentados na Câmara inúmeros projetos que
visavam à emancipação do elemento servil e alguns outros aspectos
complementares ( como a formação de uma colônia à beira das estradas e dos rios
para os libertos, etc.), chegando até ao ponto de o próprio Imperador, em
1867,na Fala do Trono, não se sabe se em discurso redigido por ele, mas
certamente sob sua orientação, fazer menção aos esforços do governo e do
Congresso para a resolução da questão servil.
A
Biblioteca Nacional, através do Projeto Slave Trade, tentou congregar o mais
importante acervo documental sobre o assunto; são documentos que constituem os
melhores subsídios para estudiosos do assunto. Os pesquisadores da Biblioteca
Nacional desenvolveram a pesquisa, a coleta e a descrição de fontes das mais
variadas origens e estudaram também relatos dos principais agentes dos
movimentos emancipacionistas.
Pôde-se reunir ao longo da pesquisa abundantes
informações acerca do abolicionismo, da libertação obtida através de alforrias,
da atuação das sociedades antiescravista, da visão de viajantes e pintores e da
participação de personagens de diferentes níveis sociais nas lutas
abolicionistas.
Sobre o movimento abolicionista,
especificamente, toda documentação trabalhada pertence ao século XIX. Através
das informações obtidas na pesquisa, tem-se a nítida impressão de como esses
movimentos sociais formaram, informaram e mobilizaram a sociedade da época.
Os exemplos são inúmeros. Cartas entre
fazendeiros e proprietários de escravos preocupados, ora com os avanços do
movimento e os prejuízos financeiros que poderia representar a abolição, ora
com a demora de uma decisão do governo sobre o problema.
Artistas do Império e do exterior
detinham-se em gravar nas telas um retrato subjetivo do contexto e do clima,
indiscutivelmente, influenciado pelos abolicionistas; editoriais de jornais dos
mais diferentes locais do Império, dirigidos pelos mais diversos interesses, davam
voz e fôlego a uma discussão muitas vezes ambígua e de difícil definição.
Esses dados ilustram o clímax do percurso
feito pelos debates sobre a escravidão iniciados após a Independência. Não se
tratavam mais de questões ligadas ao desejo de emancipação política de uma nova
nação, mas agora eram os cidadãos de um país que, lutando por um ideal
libertário, estabeleciam os marcos definidores do caráter nacional. Os
questionamentos sobre o maior ou menor lucro proporcionado pela economia
escravista ou sobre as dúvidas quanto à legitimidade da escravidão perante a
moral cristã, embora se julguem também muito importantes, naquele momento,
tornavam-se secundários diante da preocupação mais abrangente que era a
fundação da nacionalidade.
Percebemos o quão importante foi o
movimento abolicionista e o quanto ele chamou a atenção, quase que
monopolizando o debate nacional, não apenas pela quantidade de documentos
reunidos, mas sobretudo pela sua qualidade.
O
site que a Fundação Biblioteca Nacional ora põe à disposição dos pesquisadores
e interessados na história do povo brasileiro reúne documentos de excepcional
valor histórico. Além do ineditismo de alguns, ou seu aspecto pitoresco ou
excêntrico, eles mostram como o movimento pela extinção da escravidão se
generalizava nas diferentes regiões do vasto Império do Brasil.
De todos os documentos pesquisados, talvez os
que mais tenham dado voz ao movimento abolicionista tenham sido os jornais.
Veículos de comunicação antigos em outros países, só se desenvolveram aqui no
Brasil com a vinda da Família Real no século XIX. O jornal servia não só para
informar como para formar, para trazer discussões e ampliá-las, criando assim
uma rede de comunicação comunitária entre seus leitores. Era o jornal que
debatia questões como a vinda de mão-de-obra estrangeira ou colonos para o
trabalho agrícola, o racismo, a violência do Estado, reformas nas instituições
jurídicas e políticas, tornando a força dos militantes emancipacionistas
abrangente e amplificada.
Como se tratava de uma nação que começava a
ser construída de cima para baixo, era de se esperar que quem se ocuparia
inicialmente com o tema abolicionista fossem os membros da elite política e
cultural. Proeminentes nomes do governo em seus diferentes níveis, fazendeiros,
editores, jornalistas, políticos, juristas e poetas tinham seus nomes e suas
palavras impressas nas páginas dos jornais da época. Luís Gama, André Rebouças,
Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, só para citar os mais conhecidos, tiveram a
oportunidade de escrever e dar força ao movimento em prol da abolição. José do
Patrocínio, além de importante personagem desse movimento, e filho de mãe
negra, foi diretor da Gazeta da Tarde, um dos veículos de divulgação da
campanha abolicionista.
O
sincretismo é, sem sombra de dúvida, a marca da cultura do Brasil. Uma cultura
forjada com contribuições das mais diversas etnias africanas, trazidas no
período da escravidão; das nações indígenas que habitavam este território antes
da chegada dos portugueses; dos portugueses e demais europeus que migraram para
este país; de japoneses, chineses, árabes, uma cultura, enfim, que é síntese
das contribuições dos muitos povos que escolheram este território para viver.
O
historiador Francisco Adolfo Varnhagen fez questão de ressaltar a importância
do índio e do negro nos trabalhos historiográficos, por sua contribuição para a
constituição da cultura brasileira. Gilberto Freire, por sua vez, compreendeu a
importância dessa contribuição e, em seu livro Casa grande e senzala, discute
pela primeira vez no Brasil a importância do negro na construção do país.
A
riqueza da contribuição cultural africana na formação da cultura brasileira
fica patente nas manifestações populares no Brasil. Essa contribuição se mostra
na religião, no batuque do samba, na capoeira, na culinária, na moda, na
língua; está em todo arcabouço cultural brasileiro. A esses elementos trazidos
pelos negros escravos e adaptados por eles ao meio que encontraram no Brasil
chama-se "cultura afro-brasileira."
O contato com os documentos da
Biblioteca Nacional proporciona um encontro fascinante com registros materiais
da cultura afro-brasileira. São fotos, gravuras, desenhos e descrições de
manifestações culturais comuns aos negros escravizados. São registros
importantes para se conhecer um pouco da origem da cultura brasileira.
Através desse passeio pelo acervo da
Biblioteca Nacional, trava-se conhecimento com os músicos negros que
despontavam no cenário cultural do século XIX, mesmo contra as restrições da
elite escravocrata. Vê-se como os senhores de escravos e seus convidados
aplaudiam em suas festas os músicos negros, como eles apreciavam a música
tocada por escravos, que usavam sua arte para minorar as atrocidades da
escravidão.
Um dos documentos exibidos neste site é um
ofício encaminhado à Corte solicitando recursos para a compra de vestimentas
adequadas para músicos negros que iam se apresentar em uma festa na Fazenda
Real de Santa Cruz. Isso demonstra o prestígio dos músicos escravos e a
preocupação de fazê-los parecer apresentáveis aos convidados da Família Real.
O
visitante deste site e do CD-ROM terá oportunidade de conhecer os instrumentos
utilizados pelos escravos. São instrumentos usados até hoje pelos
percussionistas e que eram produzidos, então, de forma rústica pelos escravos
na celebração de seus orixás nas senzalas das fazendas, ou nas danças típicas e
na capoeira. São agogôs, atabaques, reco-recos e outros instrumentos registrados
em fotografias que compõem hoje a Coleção Artur Ramos. Além desses registros
musicais, o visitante terá oportunidade de ver documentos sobre os casamentos
dos negros e observará como o sincretismo religioso estava presente nessas
cerimônias.
A
contribuição africana na cultura brasileira é importantíssima; só conhecendo os
elementos que a compõem, respeitaremos a riqueza cultural do Brasil e as
diferentes formas de interagir com o meio. A riqueza da humanidade está
exatamente nas muitas formas de ver o mundo; respeitar a diversidade é
respeitar a si próprio.
ACORDOS INTERNACIONAIS E LEGISLAÇÃO SOBRE ESCRAVIDÃO
No século XIX houve muita pressão da
Inglaterra para que se desse fim à escravidão no Brasil. Os objetivos dos
ingleses eram de caráter econômico, o capitalismo se consolidava na Inglaterra
e também no restante da Europa. Não se aceitava a escravidão como forma de
trabalho, pois o escravo não recebia salário e, portanto, não podia comprar
qualquer tipo de produto. Havia também, tanto na Europa, quanto no Brasil, os
ideais iluministas herdados da Revolução Francesa que havia proclamado a
igualdade de todos os homens. Por outro lado, não interessava à Inglaterra que
os produtos brasileiros competissem com os de suas colônias. Seja por razões
econômicas, seja pela força dos movimentos pelos direitos humanos, o fato é que
a Inglaterra, país com o qual o Brasil mantinha suas maiores relações
comerciais, passou a pressionar sistematicamente o governo brasileiro para que
extinguisse o tráfico de escravos e a escravidão.
Por
considerá-lo prejudiciais a seus interesses comerciais, ainda na primeira
década do século XIX, os ingleses começaram a investir contra o tráfico,
afundando navios negreiros com se fossem navios piratas.Um dos documentos
presentes neste site faz referência a esses fatos. Com os protestos de várias
nações, a Inglaterra, que acumulava um poder econômico muito relevante naquele
tempo, resolveu partir para uma ofensiva diplomática, forçando estados mais
fracos economicamente a assinar acordos que objetivavam o fim do tráfico.
O
Brasil passou a ser bastante pressionado. Antes mesmo da independência
brasileira, o Rei de Portugal, Brasil e Algarves, D. João VI, assinou o
primeiro tratado internacional com o objetivo de diminuir paulatinamente o
tráfico de escravos para o Brasil. O tratado assinado em 22 de janeiro de 1815
proibia que aportassem em terras brasileiras os navios negreiros provenientes
das partes da costa africana que ficassem ao norte da linha do Equador. Depois
desse primeiro acordo, outros foram assinados. Em 1826, o Império do Brasil e o
governo britânico assinaram outro documento estendendo a proibição do tráfico a
todos os navios negreiros vindos da África. Esses acordos não eram
completamente respeitados pelo Império, o tráfico, ilegal em teoria, continuava
sem a repressão do governo imperial.
Diante do não cumprimento dos tratados
pelo Império e com a alegação de que era impossível fiscalizar todo o nosso
litoral, o governo britânico propôs novos acordos que autorizavam a marinha
britânica a apreender em águas internacionais navios de bandeira brasileira
utilizados no tráfico. Esse acordo foi muito contestado no Brasil,
principalmente depois da primeira apreensão de navio brasileiro pelos ingleses.
Na realidade, isso representava desrespeito à soberania brasileira.
Em
1845, a Câmara dos Lordes aprovou a Bill Aberdeen , que autorizava a marinha
inglesa a afundar os navios que transportavam escravos como se fossem navios
piratas. A lei baseava-se em acordos internacionais assinados.
A pressão sobre o Brasil aumentou, a
atividade do tráfico passou a ter um risco econômico muito alto, muitos
traficantes passaram a investir em outras áreas. Diante do esvaziamento dessa
atividade motivado pela Bill Aberdeen , em 1850, o Império do Brasil proibiu
que navios negreiros aportassem no Brasil. Com o fim do tráfico, o baixo
crescimento vegetativo da população escrava no Brasil e o alto custo do tráfico
interno, a escravidão estava fadada a acabar. Vários projetos surgiram para que
acontecesse uma abolição paulatina.
Em
28 de setembro de 1871 o Visconde do Rio Branco apresentou projeto de Lei do
Elemento Servil, que mais tarde ficou conhecida como Lei do Ventre Livre. A lei
ia muito além de dar liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela
data, regulamentava o castigo físico, criava o direito do escravo, entre outras
medidas. Era o Império colocando em prática o projeto de abolição paulatina.
Outras leis foram sendo promulgadas com
o intuito de atender aos movimentos abolicionistas, à resistência dos escravos
e às pressões internacionais. Em 1885, promulgou-se a conhecida Lei dos
Sexagenários, libertando todos os escravos com mais de sessenta anos. Havia
poucos escravos acima dessa idade. A expectativa de vida do escravo era muito
baixa, mas a Lei dos Sexagenários atingiu o caráter de marco histórico, pois
fortaleceu o movimento abolicionista.
As pressões se tornaram insuportáveis
para o Império; os movimentos abolicionistas cresciam vertiginosamente; as
rebeliões de escravos contra seus donos eram cada vez mais comuns. Foi nessa
conjuntura que a Princesa Isabel, Regente do Império na ausência de D. Pedro
II, assinou com uma pena de ouro, em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea, que
abolia a escravidão no Brasil.
A
sociedade brasileira caracteriza-se por uma pluralidade étnica, sendo esta produto
de um processo histórico que inseriu num mesmo cenário três grupos distintos:
portugueses, índios e negros de origem africana. Esse contato favoreceu o
intercurso dessas culturas, levando à construção de um país inegavelmente
miscigenado, multifacetado, ou seja, uma unicidade marcada pelo antagonismo e
pela imprevisibilidade.
Apesar do intercurso cultural descrito
acima, esse contato desencadeou alguns desencontros. As diferenças se
acentuaram, levando à formação de uma hierarquia de classes que deixava
evidentes a distância e o prestígio social entre colonizadores e colonos. Os
índios e, em especial, os negros permaneceram em situação de desigualdade
situando-se na marginalidade e exclusão social, sendo esta última compreendida
por uma relação assimétrica em dimensões múltiplas – econômica, política,
cultural. Sem a assistência devida dos órgãos responsáveis, os sujeitos tornam
-se alheios ao exercício da cidadania.
Esse acontecimento inicial parece ter de
algum modo subsistido, contribuindo para o quadro situacional do negro. O seu
cotidiano coloca-o frente à vivência de circunstâncias como preconceito,
descrédito, evidenciando a sua difícil inclusão social. Sendo assim, busca-se
por meio deste trabalho compreender como são construídas as relações raciais
num dos espaços da superestrutura social do país, que é a escola, e como ela
contribui para a formação da identidade das crianças negras.
O
estudo da interface racismo e educação oferece uma possibilidade de colocar num
mesmo cenário a problematização de duas temáticas de inquestionável
importância. Ao contemplarmos as relações raciais dentro do espaço escolar,
questionamo-nos até que ponto ele está sendo coerente com a sua função social
quando se propõe a ser um espaço que preserva a diversidade cultural,
responsável pela promoção da equidade. Sendo assim, aguardamos mecanismos que
devam possibilitar um aprendizado mais sistematizado favorecendo a ascensão
profissional e pessoal de todos os que usufruem os seus serviços.
A
escola é responsável pelo processo de socialização infantil no qual se
estabelecem relações com crianças de diferentes núcleos familiares. Esse
contato diversificado poderá fazer da escola o primeiro espaço de vivência das
tensões raciais. A relação estabelecida entre crianças brancas e negras numa
sala de aula pode acontecer de modo tenso, ou seja, segregando, excluindo,
possibilitando que a criança negra adote em alguns momentos uma postura
introvertida, por medo de ser rejeitada ou ridicularizada pelo seu grupo social.
O discurso do opressor pode ser incorporado por algumas crianças de modo
maciço, passando então a se reconhecer dentro dele: "feia, preta,
fedorenta, cabelo duro", iniciando o processo de desvalorização de seus
atributos individuais, que interferem na construção da sua identidade de
criança.
A exclusão simbólica, que poderá ser
manifestada pelo discurso do outro, parece tomar forma a partir da observação
do cotidiano escolar. Este poderá ser uma via de disseminação do preconceito
por meio da linguagem, na qual estão contidos termos pejorativos que em geral
desvalorizam a imagem do negro.
O
cotidiano escolar pode demonstrar a (re) apresentação de imagens caricatas de
crianças negras em cartazes ou textos didáticos, assim como os métodos e
currículos aplicados, que parecem em parte atender ao padrão dominante, já que
neles percebemos a falta de visibilidade e reconhecimento dos conteúdos que
envolvem a questão negra.
Essas mensagens ideológicas tomam uma
dimensão mais agravante ao pensarmos em quem são seus receptores. São crianças
em processo de desenvolvimento emocional, cognitivo e social, que podem
incorporar mais facilmente as mensagens com conteúdos discriminatórios que
permeiam as relações sociais, aos quais passam a atender os interesses da
ideologia dominante, que objetiva consolidar a suposta inferioridade de
determinados grupos. Dessa forma, compreendemos que a escola tanto pode ser um
espaço de disseminação quanto um meio eficaz de prevenção e diminuição do
preconceito.
PRECONCEITO RACIAL: O DESENCONTRO DA ALTERIDADE
...Quando
te encarei frente a frente, não vi o meu rosto; chamei de mau gosto o que vi,
de mau gosto, mau gosto; é que Narciso acha feio o que não é espelho...
(Caetano Veloso)
O personagem Narciso, citado no trecho
da música de Caetano Veloso, faz parte do contexto mitológico. Tratava-se de
uma criança solitária que morava num jardim. Certo dia sentou-se à beira de um
lago de águas puras e cristalinas e, ao debruçar-se sobre ele para matar a
sede, viu a sua imagem refletida. Como não conhecia o espelho, ele nunca havia
olhado para si próprio. Acabou por se apaixonar pela imagem refletida. Foi
assim que Narciso sumiu no lago à procura daquela pessoa por quem se
apaixonara.
O
desejo de iniciar o texto com o mito de Narciso partiu do pressuposto de que
ele poderia servir como um referencial ilustrativo que demonstra a origem das
dificuldades encontradas nos grupos. Ao observar a descrição do mito,
percebemos que talvez o grande descuido de Narciso tenha sido o
não-conhecimento, confundindo a sua imagem com a do outro e indo ao seu
encontro em um mergulho profundo que resultou em sua própria morte. Assim como
Narciso, muitas vezes nos apaixonamos pelo que é nosso, e ao olhar para o outro
buscamos o que nos é familiar; e quando não encontramos a nossa imagem
refletida, percebemos a diferença como a própria manifestação do "mau
gosto", podendo então ser repudiada, discriminada ou até mesmo odiada.
Dentro
dessa perspectiva, é possível compreendermos que as diversidades existentes
entre os grupos étnicos se tornaram pontos de conflito, pois de um lado existe
um eu que pensa igual, acredita nos mesmos deuses, vive de modo
"estável" e, de repente, percebe que existe um outro que não
compartilha das mesmas crenças. Esse contato com o que se mostra de modo
distinto do padrão ocorre, em geral, de modo turbulento: perturba e ameaça
desintegrar a identidade "estável" da sociedade do eu. A imposição da
presença do outro é vivida como a negação dessa aparente ordem. A palavra ordem
está vinculada ao desejo de manter a estabilidade. O estágio de constância que
é determinado pela manutenção do mesmo esquema social.
É
atribuído à sociedade do eu tudo o que for mais elaborado ou civilizado. Já a
sociedade do outro é marcada pela reificação de ideias etnocêntricas.
Caracterizando-se como primitivo, não-humanizado, ele é percebido como um
"intruso" que trará a desordem. A palavra desordem, nesse sentido, é
percebida como algo ruim. A conotação que lhe é atribuída é de destruição. Para
que essa destruição não ocorra, busca a sociedade do eu uma forma de
proteger-se desse efeito desestabilizador, mediante a neutralização do
desconhecido. Portanto, para evitar o possível caos, busca manter o status quo,
para o que é necessário calar o outro, mantendo-o excluído e dominado a fim de
permanecer a ilusão do equilíbrio e da ordem vivida na ausência da diferença.
Nesse
sentido, ao outro é negado o direito de viver a sua identidade étnica, pois o
padrão do eu prevalece, e ele o percebe sob uma ótica de estranhamento,
desprestígio e não-reconhecimento. Dessa forma, a sociedade do outro passa a
ser percebida como ameaçadora, inferior; é vivida de modo odioso, sendo a
própria possibilidade da guerra.
A coexistência do eu e outros instaura a
dimensão do desconhecido, desestabilizando as estruturas vigentes e formando
outras novas com direções imprevisíveis. Essa incerteza leva a uma sensação de
desordem que, se acolhida de modo satisfatório, poderá ser um momento de
grandes transformações e cooperação para a construção de uma nova ordem social.
Para que isso ocorra, é necessário reconhecer a relação dialógica entre esses
termos, pois eles fazem parte do mesmo processo de construção histórica. Viver
apenas uma ou outra seria viver de modo pobre, mutilado. Se houvesse apenas a
ordem, não haveria espaço para o novo, o ousado, o criativo. Se houvesse apenas
desordem, não haveria capacidade de manter a evolução e o desenvolvimento.
Trabalhar
na dimensão da incerteza que é suscitada pela presença do outro é elevar o
pensamento ao complexo, considerando o múltiplo, o certo e o incerto, o lógico
e o contraditório. Mas a sociedade do eu se apresenta de modo totalitário. Nela
não há espaço para o novo. Existe a impossibilidade de uma relação dialógica,
pois ela não percebe essas diferenças como transitórias e remediáveis pela ação
do tempo, ou modificáveis pelo contato cultural. Há uma cristalização de
pensamentos em ideias estereotipadas, o que pode deflagrar um mal-estar diante
do outro, demarcando uma distância de reconhecimento e prestígio entre
sociedades distintas. Tal comportamento é denominado preconceito.
Para Heler (1988), o preconceito está
pautado em um forte componente emocional que faz com que os sujeitos se
distanciem da razão. O afeto que se liga ao preconceito é uma fé irracional,
algo vivido como crença, com poucas possibilidades de modificação. O preconceito
difere do juízo provisório, já que este último é passível de reformulação
quando os fatos objetivos demonstram sua incoerência, enquanto os preconceitos
permanecem inalterados, mesmo após comprovações contrárias.
Os sujeitos que possuem tal crença constroem
conceitos próprios, marcados por estereótipos, que são os fios condutores para
a disseminação do preconceito, pois se encontram em consonância com os
interesses do grupo dominante, que utiliza seus aparelhos ideológicos para
difundir a imagem depreciativa do negro. Nesse sentido, o estereótipo leva a
uma "comodidade cognitiva", pois não é preciso pensar sobre a questão
racial de modo crítico, uma vez que já existe um (pré) conceito formado,
fazendo com que os sujeitos simplesmente se apropriem dele, colaborando para a
acentuação do processo de alienação da identidade negra. Esses estereótipos dão
origem ao estigma que vem sinalizar suspeita, ódio e intolerância dirigidos a
determinado grupo, inviabilizando a sua inclusão social.
A consequência dessas construções
preconceituosas é a manifestação da discriminação, uma ação que pode variar
desde a violência física — quando grupos extremistas demonstram todo o seu ódio
e intolerância pelo extermínio de determinada população — até a violência simbólica,
manifestada por rejeições provenientes de uma marca depreciativa (estigma)
imputada à sua identidade, por não estar coerente com o padrão estabelecido
(branco/europeu).
De
acordo com Goffman (1988), o termo estigma é de origem grega e se referia a
sinais corporais, uma marca depreciativa atribuída a um determinado sujeito por
não estar coerente com as normas e o padrão estabelecidos. Assim, buscava-se
evidenciar o seu desvio e atributos negativos com a imputação do estigma,
servindo de aviso para os "normais" que deveriam manter-se afastados
da pessoa "estragada", "impura", "indigna" e
"merecidamente" excluída do convívio dos "normais".
A
impressão do estigma depende da visibilidade e do conhecimento do
"defeito". A partir dessa confirmação, o sujeito torna-se
desacreditado em suas potencialidades, passando a ser identificado não mais
pelo seu caráter individual, mas de acordo com a sua marca, destruindo-se a
visibilidade das outras esferas de sua subjetividade. No caso da população
negra, o seu defeito é evidente, já que sua cor a "denuncia",
passando então a experimentar no seu próprio corpo a impressão do estigma e, a
partir deste, ser suspeito preferencial das diversas situações que apresentam
perigo para a população.
A
princípio, os grupos homogêneos como a família produzem uma cápsula protetora
que faz o sujeito se sentir menos agredido, mas, ao entrar em contato com a
diversidade social, passará a dimensionar as violentas atribuições dadas as
suas diferenças físicas. Desse modo, o momento em que estigmatizados e
"normais" se encontram numa mesma situação social é o instante no
qual se evidenciam todas as diferenças, causando incômodos para ambas as
partes. Nesse encontro, o estigma parece tomar uma proporção ainda maior, e os
estigmatizados sentem-se inseguros frente ao olhar do opressor, por não saberem
quais atribuições estão sendo dadas.
Seria
como se fossem cruamente invadidos por avaliações estereotipadas que reduzem a
sua identidade ao seu "defeito". Dessa forma, as populações negras
foram estigmatizadas no imaginário social como inferiores, primitivas. Os seus
costumes e crenças eram desacreditados e considerados ilegítimos ao olhar do
branco. Essa condição foi consolidada no imaginário social com a naturalização
da inferioridade social dos grupos subordinados.
A elaboração desses conceitos teve
início no final do século XIX, com a construção da teoria das diferenças inatas
e permanentes entre bancos e não-brancos. Essas elaborações influenciaram de
modo marcante a compreensão das ciências sociais sobre a questão racial. Essa
prática, que utiliza critérios de raça para segregar, humilhar, discriminar,
foi denominada racismo (Cavaleiro, 2000).
Três
escolas emergiram nesse período. A etnológico-biológica acreditava que a
inferioridade das raças estava ligada às diferenças físicas, podendo explicar
outras diferenças culturais. Para comprovar suas elaborações, cientistas
dedicavam parte de seus estudos a medir crânios e esqueletos, na busca de
provar a correlação entre os caracteres inatos e culturais, levando a uma
acentuação do caráter primitivo de determinadas raças (Skidmore, 1976).
Houve
uma perspectiva histórica que definia as raças como estando permanentemente diferençadas
umas das outras, afirmando que ao longo da história teria havido o triunfo das
raças criadoras (anglo-saxônicas). Essa corrente mantinha o culto ao arianismo
acreditando que a população anglo-saxônica teria alcançado o mais alto nível de
civilização, passando de maneira "natural" a conquistar o mundo de
modo crescente. Por último, a terceira escola, denominada Darwinismo Social,
segundo a qual as raças humanas haviam passado por um processo evolutivo em que
as raças superiores teriam predominado e as inferiores estavam fadadas ao
desaparecimento (idem).
Essas
construções científicas vieram contribuir para a consolidação do estereótipo do
negro no imaginário social, acreditando que a distinção moral "estava
contida" na essência racial, ou seja, características depreciativas como:
"negro não sabe falar, não tem educação, não pode ser bonito, não é
inteligente, não pode liderar" estariam ligadas a questões fenotípicas,
isto é, uma redução do cultural ao biológico, desvalendo-se as características
individuais e sociais. As marcas do corpo ou caracteres físicos demarcam as
distâncias e os locais ocupados no prestígio social. Por meio de um traço
"objetivo" — caracteres físicos —, indica-se o caminho para
construções arbitrárias, baseadas na ideologia dominante, as quais passam a
atribuir significados que desqualificam a identidade da população negra.
Essa associação do caráter social está
contido na essência racial leva a perceber a subjetividade da população negra
como fixa, acabada e imutável nas atribuições negativas, portanto, com pouca ou
nenhuma possibilidade de mobilização. Essa naturalização do caráter social foi
uma forma de justificar a diferença de tratamento, status e prestígio, levando
a uma relação racista, perversa e nociva. Uma ideia biológica errônea, mas
eficaz o suficiente para manter e reproduzir a ideologia dominante nos seus
objetivos de reproduzir as diferenças e privilégios, consolidou a suposta
superioridade branca, que passou a ser sinônimo de pureza, nobreza estética e
sabedoria científica. Em contrapartida, a cor negra passou a ser sinal do
desrespeito e da descrença (Guimarães, 1999).
Essa
manifestação de desigualdade de poderes e direitos não possui uma origem
natural, como foi pensado anteriormente, mas partiu de uma construção social
sem base objetiva decorrente de representações ideológicas que englobam crenças
e valores de um grupo dominante que busca manter a ordem social ou o ideal do
ethos branco. Seu objetivo é sustentar as relações assimétricas e monopolizar as
ideias e ações de um determinado grupo, mantendo-o preso e dominado por esses
conceitos, falseando a realidade, ocultando contradições reais, construindo no
plano imaginário um discurso aparentemente coerente e a favor da unidade
social. Parece haver interesse na transmissão de uma ideologia inferiorizadora,
que objetiva dominar, dividir, eliminar, desculturalizar, embranquecer,
perpetuando mitos e estereótipos negativos referentes à população negra.
A
consequência desses atos discriminatórios é a fragilização e a denegação da
identidade coletiva, na qual estão contidos toda uma historicidade e valores
culturais. Essa apropriação do discurso social é possível, pois a estrutura
subjetiva — identidade — é relacional, formada a partir da relação progressiva
e dialética entre "eu" e os "outros". Mediante as
semelhanças e diferenças, ou seja, os contrastes, passamos a distinguir o
sou/somos e não sou/não somos. O referencial externo passa a ser condição
fundamental para a elaboração da imagem individual. A nossa identidade responde
ao discurso alheio. O entendimento que tenho de mim está diretamente ligado à
minha compreensão do outro, algo que está fora, mas, ao mesmo tempo, fornece
condições para que o sujeito exista. Nesse sentido, a construção da identidade,
assim como sua manutenção, se constituirá dentro do processo social, quando o
olhar do outro poderá ou não proporcionar o reconhecimento ou sentimento de
pertença ao grupo social (Woodward, 2000).
A condição acima citada parece estar
resumida em uma afirmação enfática do sociólogo Berger (1991): "A
dignidade humana é uma questão de permissão social".A princípio, ela nos
causa um certo impacto, mas, ao analisarmos as consequências do preconceito
racial, percebemos que se encontra coerente com a afirmação citada, pois o
preconceito inviabiliza o reconhecimento da dignidade do sujeito, comprometendo
a sua inclusão social.
Esse
estado de não-permissão social concretiza-se quando percebemos a falta de
pertença, uma invisibilidade na participação dos negros no poder político e uma
limitada inserção na sociedade. Os negros se veem descartados dos principais
centros de decisão política e econômica, sofrendo desvantagens no processo
competitivo e em sua mobilização social e individual. Isso significa
"simbolicamente" um corte de poder e uma exclusão social, levando à
alienação e à depreciação da identidade pessoal e étnica (d’Adesky, 2001).
O
preconceito afeta não apenas o destino externo das vítimas, mas a sua própria
consciência, já que o sujeito passa a se ver refletido na imagem preconceituosa
apresentada. Muitos negros são induzidos a acreditar que sua condição inferior
é decorrente de suas características pessoais, deixando de perceber os fatores
externos, isto é, assumem a discriminação exercida pelo grupo dominante. Nesse
momento, surge a idealização do mundo branco e a desvalorização do negro,
construindo-se a seguinte associação: o que é branco é bonito e certo, o que é
negro é feio e errado.
Devido
a esse processo de alienação de sua identidade individual e coletiva, há um
distanciamento, por parte dos negros, das matrizes culturais africanas,
chegando eles, em alguns momentos, a tratar com menos valor seus atributos
negros, podendo, inclusive, não questionar os estereótipos e situações
preconceituosas, com medo de não ser aceitos pelo seu grupo social, preferindo
permanecer submissos. Ao incorporar esse discurso ou omitir-se frente a ele, o
sujeito negro dá início ao processo de auto-exclusão. Nesse momento, o
preconceito cumpre o seu papel, mobilizando nas suas vítimas sentimentos de
fracasso e impotência, impedindo-as de desenvolver autoconfiança e auto-estima
(Ferreira, 2000).
O
preconceito racial cria uma ação perversa que desencadeia estímulos dolorosos e
retira do sujeito toda possibilidade de reconhecimento e mérito, levando-o a
utilizar mecanismos defensivos das mais diversas ordens, contra a identidade ou
o pensamento persecutório que o despersonaliza e o enlouquece. Nessa
perspectiva, é fortalecida a ideia de dominação de grupos que se julgam mais
adiantados, legitimando os desequilíbrios e desintegrando a dignidade dos
grupos dominados.
Essas
elaborações preconceituosas parecem estar, assim, a serviço de um grupo
dominante que objetiva manter sob coerção grupos considerados subordinados. A
sua forma de consolidação e constante atualização ocorre nos espaços
microssociais, representados pelas diversas instituições, como escola, família,
igreja, meios de comunicação. A sua forma de manifestação, em geral, é feita de
modo sutil, com toda a legitimação social no que se refere aos métodos e à
garantia da sua consequente eficácia. Assim, escolhi um daqueles espaços — a
escola — como universo de investigação, que pode ser campo fértil para a
difusão do preconceito, mas que poderá ser instrumento eficaz de prevenção e
diminuição do mesmo.
A REPRESENTAÇÃO DA ESCOLA
Em
todos os grupos humanos, é possível observar a utilização de meios pedagógicos
como forma de transmissão do saber, por meio dos quais os sujeitos compartilham
conhecimentos, símbolos e valores. Em sociedades "modernas", criou-se
uma sistematização desse saber, nas quais mediante modelos formais e centralizados
as informações são transmitidas. Acreditava-se que essa seria a forma viável de
adquirir polidez e desenvolver um conhecimento mais especializado. Esse locus
de conhecimento foi denominado Escola, constituindo-se num sistema aberto que
passou a fazer parte da superestrutura social formada por diversas instituições
como: família, igreja, meios de comunicação. O sistema escolar é organizado
para cumprir uma função social que, em geral, está de acordo com as demandas
sociais.
O
seu principal objetivo é formar um sujeito apto a assumir seu espaço na
sociedade capitalista, ou seja, produtivo, submisso, tendo boa interação com o
seu grupo social. Para isso, é necessário manter ativos os controles sociais,
que são formados por regras aplicadas ao cotidiano escolar, "sanando"
qualquer disfunção que venha impedir a efetuação do processo educativo. Para um
controle mais eficaz, utilizam-se recursos que podem variar desde a retaliação
ou punição até a segregação ou marginalização dos grupos considerados
desviantes da norma. Essas regras institucionais operam de modo simbólico,
repercutindo e legitimando outros espaços sociais que habitualmente estão de
acordo com as instâncias de poder (Abramovay, 2002).
A
inserção das crianças nesse espaço é feita, na maioria das vezes, de maneira
arbitrária. Para justificar tal obrigatoriedade, os pais e/ou figuras de
autoridade o definem como via de acesso ao conhecimento de teorias e conceitos
que formam a vida em sociedade, para então possibilitar o ingresso no mercado
de trabalho e poder "ser alguém na vida". Em alguns momentos, os pais
atribuem à escola a função de produzir sujeitos com uma reflexão crítica e uma
ação política transformadora, garantindo o seu exercício pleno de cidadania.
Assim, acredita-se que o espaço institucional "proporcionará" um
campo de crescimento equitativo para todos os que usufruem os seus serviços,
aperfeiçoando suas atribuições pessoais e, a partir de então, propiciará um
acesso à vida em sociedade.
Mas
até que ponto a escola estaria correspondendo a tais atribuições? Qual o tipo
de cidadão que estaria sendo construído nesse espaço? Um dos aspectos que dão
margem a esse tipo de questão seria a observação do método de ensino adotado pela
instituição, o qual parece encontrar-se pautado em um padrão que atende às
necessidades de um grupo dominante; e dentro de uma compreensão monolítica,
desconsideram a pluralidade cultural presente em uma sala de aula. Assim, a
escola poderá ser um espaço de inculcação dos valores dominantes, levando de
modo sutil e eficaz à domesticação dos sujeitos aos interesses capitalistas. A
negação das questões que envolvem o negro na escola poderá contribuir para a
acentuação da exclusão social em outros espaços sociais.
Essa
perspectiva ideologizante da escola vai de encontro às suas propostas de
construção de um sujeito crítico e polido, capaz de modificar a ordem social.
Nesse sentido, a escola poderá ser um meio de manutenção das desigualdades
sociais pelo uso de métodos simbólicos e indiretos de coerção social. A
desconstrução dessas estratégias de dominação pode ser de difícil acesso devido
ao crédito atribuído à escola como detentora do saber e da verdade absoluta,
tornando-se mais fácil a interiorização e consolidação dos valores que
perpetuam as inferioridades sociais.
NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE O LUGAR DO NEGRO NA ESCOLA
De
acordo com dados fornecidos por órgãos de pesquisas como o Pnad – Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios – é observado um contingente expressivo de
uma trajetória escolar difícil, em que 40% das populações negras e pardas são
analfabetas, ou seja, possuem menos de quatro anos de estudo funcional,
acompanhado de um baixo rendimento, e índices de reprovação e evasão maiores do
que os das crianças brancas.
Para
compreender esse fato, poderemos pensar em alguns indicadores, tais como: a
necessidade de ingresso no mercado de trabalho de modo precoce para
complementar a renda familiar, ou ainda, a representação da escola, para muitas
crianças, como um referencial de fracasso, já que "não conseguem
aprender", embora isso não seja impedimento meramente cognitivo, mas uma
possível dificuldade de inserção das crianças negras no espaço escolar, por se
sentirem "excluídas" do mesmo; uma exclusão simbólica, já que a
criança tem acesso à matrícula e à sala de aula, mas não é aceita no contexto
mais amplo.
Essa
rejeição vai se tornando perceptível com a observação do cotidiano escolar, que
apresenta imagens caricatas em cartazes ou ausência dos negros em datas
comemorativas, como o Dia das Mães, em geral ilustradas por uma família branca,
o que leva a criança negra a não se reconhecer na mesma. Existe ainda uma
ausência de conteúdos que problematizem a questão do negro nos currículos
escolares, privando as crianças negras de conhecerem a sua história, que vai
além da escravidão. Pode ser ainda possível observar a demonstração de
preconceito proveniente de colegas e professores, que violentam por meio de
insultos a identidade negra.
O
cotidiano escolar vai dando indícios do lugar do negro nesse espaço. Muitas
crianças acabam resignando-se a esse não-reconhecimento, a ponto de se
avaliarem de maneira distorcida, considerando-se incapazes, inferiores e, ao
menor sinal de dificuldade, abandonam o processo escolar.
A
dificuldade de auto-aceitação pode ser decorrente de um possível
comprometimento de sua identidade devido a atribuições negativas provenientes
do seu grupo social. Segundo Oliveira (1994), essa internalização do discurso
alheio ocorre porque a avaliação, antes de ser pessoal, é social. Nossa
identidade é resultado de um processo dialético entre o que é de caráter
individual e cultural, uma produção sócio-histórica, um processo criado e
recriado continuamente. É pelo olhar do outro que me constituo como sujeito. É
a qualidade desse olhar que contribui para o grau de autoestima da criança.
Para
Vigotsky (1984), o psiquismo humano existe por uma apropriação dos modos e
códigos sociais. Com a internalização, a criança vai tornando sua o que é
compartilhado pela cultura; o discurso social passa a ter um sentido
individual. Mas os referenciais externos dos negros são dilacerantes. A
mensagem transmitida é que, para o negro existir, ele tem de ser branco, ou
seja, para se afirmar como pessoa precisa negar o seu corpo e sua cultura,
enfim, sua etnicidade. O resultado dessa penalização é o desvirtuamento da
identidade individual e coletiva, havendo um silenciamento do preconceito por
parte da criança e do cidadão ao longo da vida.
Nesse
sentido, a escola poderá "silenciar" as crianças negras,
intensificando o sentimento de coisificação ou invisibilidade, que pode gerar
uma angústia paralisante, de modo que seus talentos e habilidades se tornem
comprometidos por não acreditarem nas suas potencialidades, ambicionando pouco
nas suas atividades ocupacionais futuras. Mais adiante, essa experiência leva a
criança a se questionar sobre o que é preciso para ser olhada, reconhecida.
Nesse momento, poderá dar início ao processo de embranquecimento e auto
exclusão de suas características individuais e étnicas. Tais consequências na
identidade infantil passaram a ser preocupação e foco de estudo de alguns
teóricos que citaremos a seguir.
O PRECONCEITO RACIAL NA ESCOLA
Diversos
autores preocuparam-se com a relação entre racismo e educação, desenvolvendo
pesquisas nessa linha. Uma delas foi realizada por Gusmão (1999), com crianças
pobres de periferia urbana ou do meio rural, e tinha como objetivo verificar de
que forma estigmas e estereótipos se fixam na vida do negro. Para tal, foram analisados
desenhos nos quais foi possível observar como se estrutura o mundo simbólico e
de que forma as crianças olham o mundo e são olhadas por ele. No universo
investigado, incluiu-se também o sistema educacional.
Por
meio dos desenhos, foi possível observar qual a compreensão tida pelos dois
mundos: brancos/negros. O branco foi representado como vinculado ao que é
civilizado, urbano, bem apresentado, sorridente, enquanto o negro seria o
inverso: meio rural, ligado ao trabalho físico, desprovido de dinheiro e de
possibilidades. A imagem do negro é mutilada de atribuições positivas, é
representada pelas crianças como um mundo triste, marcado pela violência e pela
distância real e simbólica entre brancos/negros.
Cada
população parece ter seus lugares bastante delimitados no imaginário coletivo,
transbordando para o convívio social. Algumas crianças mostraram-se hostis
frente a essa postulação, demostrando a sua indignação contra conteúdos
discriminatórios. Mas, haveria ainda os que se "adaptam" ao discurso
do opressor, percebendo-se como selvagens, sem humanidade, impossibilitados de
protestar contra sua condição por se sentirem amordaçados pela internalização
maciça dos padrões dominantes.
Em outra pesquisa realizada com crianças
de escola pública de Campinas, Oliveira (1994) investigou como eram
estabelecidas as relações entre crianças negras e brancas em uma sala de aula.
Foi observado que os dois grupos se relacionavam de modo tenso, segregando,
excluindo. A criança negra mantinha-se em uma postura introvertida,
recusando-se em muitos momentos a participar das atividades propostas, com medo
de que os outros rissem dela, ou seja, para não ser rejeitada ou
ridicularizada, ela preferia calar sua voz e sua dor. Isso ilustra o quanto uma
situação social pode silenciar as crianças negras, reduzindo-as a um estado
quase de mutismo e invisibilidade em sala de aula, levando-as a profundo
desconforto, intensificado pelo sentimento de não-pertença.
Em
atividade proposta em sala de aula, foi solicitado às crianças que falassem
sobre si em uma redação. A criança negra se auto-referia de modo depreciativo,
descrevendo-se a partir do discurso dos seus colegas: "feia, preta,
fedorenta, cabelo duro". Não se sentia desejada, portanto, pelos meninos
como as suas outras colegas que tinham um cabelo grande e liso. A criança negra
poderá ser submetida a uma violência simbólica, manifestada pela ausência da
figura do negro no contexto escolar, ou pela linguagem verbal – insultos e
piadas – proveniente do seu grupo social, demonstrando de modo explícito o
desrespeito dirigido a essa população, aprendido muito cedo pelas crianças
brancas.
A criança negra poderá incorporar esse
discurso e sentir-se marginalizada, desvalorizada e excluída, sendo levada a
falso entendimento de que não é merecedora de respeito ou dignidade,
julgando-se sem direitos e possibilidades. Esse sentimento está pautado pela
mensagem transmitida às crianças de que para ser humanizado é preciso
corresponder às expectativas do padrão dominante, ou seja, ser branco.
Esses
estímulos de branquitude são em geral transmitidos pelo sistema social e, às
vezes, pela família. Tal tipo de ação conduz não apenas à desvalorização do
"eu", mas também acarreta intensa angústia, porque a criança não
consegue corresponder às expectativas. Assim, a identidade da criança negra
passou a ser lesada: ao se voltar para o seu próprio corpo, as crianças
encontram as marcas da exclusão, rejeição e, portanto, insatisfação e vergonha.
A
população negra poderá acabar por negligenciar a sua tradição cultural em prol
de uma postura de embranquecimento que lhe foi imposta como ideal de
realização. Esse posicionamento foi decorrente da internalização de que
"embranquecer" seria o único meio de ter acesso ao respeito e à
dignidade. Esse ideal de embranquecimento faz com que a criança deseje mudar
tudo em seu corpo. No discurso de uma das crianças entrevistadas,
Oliveira(1994) salienta uma frase: "Eu queria dormir e acordar branca do
cabelo liso".A fala dessa criança leva a supor que seria como acordar de
um pesadelo, povoado de insatisfação, vergonha e rejeição. A criança não
entende nem é entendida nesse sistema educacional, que parece reproduzir o
padrão hegemônico, estigmatizando a criança negra como incapaz, rebelde.
Essa
postura é ainda reafirmada pela linguagem não-verbal, quando estudos demonstram
que parece haver uma ausência de contato físico afetivo dos professores para
com as crianças negras, demonstrando a rejeição do seu grupo social e
causando-lhes sofrimento. A sua dor não é reconhecida, havendo uma aparente
falta de acolhimento por parte das pessoas "autorizadas"
(educadores), que silenciam ou se omitem em face de uma situação de discriminação.
Tal postura denuncia a banalização do preconceito e a conivência dos
profissionais com ele (Romão, 2001).
É possível observar que há uma aparente
falta de intervenção por parte dos educadores em tal aspecto. Alguns fatores
que estariam implicados em tais questões seriam: i - Os educadores poderiam
estar imbuídos de forte impregnação da ideologia dominante, que oprime e nega
tudo aquilo que se distancia do padrão estabelecido, impossibilitando-os de
pensar numa perspectiva multicultural. ii - Mitificação da instituição Escola,
acreditando que ela seria a detentora de um suposto saber e, por conseguinte,
"dona da verdade", intimidando alguns educadores a não macular tal
imagem, não questionando determinada postura ou a adoção de determinado material
didático, permanecendo a sensação de mal-estar que não é significada, ou seja,
não é falada, dando continuidade ao silêncio e à cumplicidade com determinadas
atitudes. iii - Falta de preparo dos professores para lidar com a questão
racial em sala de aula, desencadeando a difusão da discriminação racial. Essa
falta de preparo impossibilita a decodificação e a intervenção do educador em
situações que denotem sinais de preconceito.
Nesse sentido, o cotidiano escolar
poderá revelar uma inclinação para corresponder ao padrão branco/europeu
negligenciando os valores referentes às matrizes africanas, podendo levar à
acentuação do estigma de ser inferior. Essas ações preconceituosas conduzem a
um processo de despersonalização dos caracteres africanos, o que dificulta e,
em alguns casos, inviabiliza a inserção da criança no sentimento de pertença ao
espaço escolar, comprometendo a sua autoestima, impossibilitando-a de ter um
autoconhecimento individual ou cultural, pois esses dois níveis estão
diretamente ligados a condições desvalorizadoras atribuídas pelo grupo
dominante.
Para
Romão (2001), a reversão desse quadro será possível pelo reconhecimento da
escola como reprodutora das diferenças étnicas, investindo na busca de
estratégias que atendam às necessidades específicas de alunos negros,
incentivando-os e estimulando-os nos níveis cognitivo, cultural e físico. O
processo educativo pode ser uma via de acesso ao resgate da autoestima, da
autonomia e das imagens distorcidas, pois a escola é ponto de encontro e de
embate das diferenças étnicas, podendo ser instrumento eficaz para diminuir e
prevenir o processo de exclusão social e incorporação do preconceito pelas
crianças negras.
O
espaço institucional poderá proporcionar discussões verticalizadas a respeito
das diferenças presentes, favorecendo o reconhecimento e a valorização da
contribuição africana, dando maior visibilidade aos seus conteúdos até então
negados pela cultura dominante. Esse tipo de ação promoverá um conhecimento de
si e do outro em prol da reconstrução das relações raciais desgastadas pelas
diferenças ou divergências étnicas.
TEXTO : A mulher trabalhadora é o negro de saias
No
final da década de 80, a mulher recebia 54% do salário homem. Significa dizer
que, no mercado de trabalho, duas mulheres valiam pouco mais do que um homem.
Melhorou: hoje, são 65%. Ou seja, aproximadamente uma mulher e meia equivalem a
um homem.
Até mesmo nas profissões mais bem
remuneradas, com exigência de diploma de ensino superior, ambientes
supostamente mais arejados, a defasagem é expressiva. Mais precisamente,
segundo Dieese/Seade, 30%. Nesse 1º de Maio do milênio, a ser comemorado
amanhã, a situação da mulher é um símbolo da discriminação no trabalho,
refletindo os valores e preconceitos de uma sociedade.
Se, no Brasil, o trabalhador, apesar de
todos os avanços, ganha, no geral, mal, está cercado pelo desemprego e
subemprego, desfruta de uma indigente rede de proteção social, os grupos
vulneráveis são ainda mais pisoteados. Pela medida dos salários, a mulher,
apesar de ter, hoje, escolaridade mais elevada do que os homens, é ainda vista
como um ser inferior. Exatamente como os negros. * O Brasil gosta de se
imaginar uma nação sem racismo. Não é o que mostram os números do mercado de
trabalho, a verdadeira prova de quem é valorizado ou não numa sociedade, via
salário ou nível de emprego.
Com olho nas questões de gênero e raça,
o Dieese analisou os salários e nível de emprego das cinco regiões
metropolitanas do país, além do Distrito Federal ( São Paulo, Salvador, Recife,
Belo Horizonte e Porto Alegre). A maior taxa de desemprego ocorreu em Salvador,
apresentada como a capital do orgulho negro: 45% maior do que a dos brancos.
São Paulo não fica muito longe: 41%. Melhor posição está Distrito Federal: 17%.
Tradução: é mais provável um negro do que um branco ficar desempregado, mesmo
que tenha o mesmo nível de escolaridade. * Quando se analisam os rendimentos,
vemos como o negro se aproxima da discriminação contra a mulher.
De acordo com o Dieese, o salário médio
de um negro é, em São Paulo, aproximadamente R$ 510. Os brancos ganham nada
menos do que o dobro. Em essência, para o mercado de trabalho dois negros valem
um branco. Na lógica da fragilidade, a hierarquia coloca no topo, pela ordem,
homem e mulher brancos e, depois, homem e mulher negros. A mulher negra sofre,
portanto, por ser mulher e por ser negra. Uma mulher negra, em São Paulo, ganha
por mês R$ 400. Na fria tradução comercial, duas e meia mulheres negras equivalem
a um homem branco. * Esses números da discriminação ajudam a entender uma das
mais devastadoras chagas nacionais: a má distribuição de renda.
Estatísticas
internacionais costumam colocar o Brasil como um dos campeões em má
distribuição de renda. Os economistas debatem sobre as várias razões para a
vitória brasileira nesse campeonato como, por exemplo, a inflação que corroeu
os salários, a baixa escolaridade, o modelo de industrialização, a
incompetência dos investimentos sociais dos governos, o auxilio aos mais ricos
com dinheiro público, e assim por diante. Em maior ou menor grau, todos esses
fatores devem mesmo pesar. Pouco se comenta, porém, sobre o fator preconceito
como um dos geradores do ciclo vicioso da miséria e, portanto, da má
distribuição de renda. Obviedade: se somarmos mulheres e negros temos a imensa
maioria da população brasileira. Logo, se eles são discriminados no salário e
emprego, acabam por afetar a distribuição de renda. *
Se
pouco conseguimos avançar em proteção social do trabalhador no Brasil,
conseguimos menos ainda nas categorias mais vulneráveis como negros, mulheres
e, especialmente, crianças. Melhor prova dessa falta de proteção foi o censo
escolar, divulgado semana passada, pela Folha Online: apenas 2% (repetindo, 2%)
das escolas públicas têm acesso à Internet. É na escola pública onde se nutre a
discriminação que vai perdurar por toda a vida. *
FILMES
A ÚLTIMA CEIA
Dir. Tomás Gutierrez Alea- 1976
Filme cubano que discute o choque de
classes e as bases materiais e ideológicas do processo revolucionário. O FIO DA
MÉMORIA
Dir. Eduardo Coutinho - 1991
Documentário sobre o negro na história
brasileira. ATLÂNTICO NEGRO: NA ROTA DOS ORIXÁS
Dir. Renato Barbieri - 1998
Documentário sobre a grande influência
africana na religiosidade brasileira.
MAIS FILMES
À ESPERA DE UM MILAGRE
OS HEROIS DE TODO O MUNDO
UMA ONDA NO AR
CIDADE DE DEUS
CIDADE DOS HOMENS
A COR PÚRPURA
UMA BREVE HISTÓRIA DE FUTEBOL
VISTA MINHA PELE
OLHOS AZUIS
A COR DA CULTURA
PELÉ ETERNO
LIVROS
A
ABOLIÇÃO - Emília Viotti da Costa
Editora UNESP -2008
O livro aborda o processo de luta pela
abolição da escravidão no Brasil e desmistifica a imagem da abolição como doação
da princesa Isabel em 1888 - não como exigência de um sistema de produção. A
autora relata os diversos momentos, personagens e aspectos do processo
abolicionista que libertou os brancos do fardo da escravidão e abandonou os
negros à sua própria sorte.
DA
SENZALA À COLÔNIA - Emília Viotti da Costa
Editora Cia das Letras -1998
Referência fundamental para o
desvendamento dos traços constitutivos da nacionalidade. A autora centra sua
análise no período em que se dá o trânsito do trabalho escravo para o trabalho
livre. Partindo de um exaustivo rastreio de fontes primárias, ela analisa as
particularidades do período colonial a partir de suas conexões com a expansão
cultural.
COROAS
DE GLÓRIA, LÁGRIMAS DE SANGUE - Emília Viotti da Costa
Editora Cia das Letras -1998
A autora reconstrói uma das maiores
revoltas de escravos ocorrida na Guiana Inglesa em 1823: escravos que demandam
seus direitos, senhores ciosos de seus privilégios, missionários dilacerados
entre seus deveres de brancos e suas obrigações de cristãos.
PCNs
Parâmetros
Curriculares Nacionais em Ação - 1ª a 4ª
http://www.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pcn1a4.asp
Parâmetros Curriculares Nacionais em
Ação - 5ª a 8ª séries
http://www.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pcn5a8.asp
Parâmetros Curriculares Nacionais em
Ação - Ensino Médio
http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?
option=content&task=view&id=265&Itemid=255
Parâmetros Curriculares Nacionais em
Ação - Ensino Médio
Orientações complementares
http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?
option=content&task=view&id=408&Itemid=394
NEGROS, ÍNDIOS,
ESTRANGEIROS, EXCEPCIONAIS QUEREM RESPEITO .
Fonte: http://conscienciapura.zip.net Acesso em 18 de novembro de 2012.
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