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sexta-feira, 6 de julho de 2012

CUIDAR DA TERRA, NOSSA CASA COMUM

 Encontro de Sustentabilidade
Leonardo Boff
23/04/2008

“Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro”. Recuperando esse trecho da abertura da Carta da Terra, que ajudou a elaborar, Leonardo Boff inicia sua palestra reforçando a importância desde documento.
A Carta da Terra é uma declaração de consenso global sobre o significado da sustentabilidade, os desafios para que ela se concretize e os princípios para que o desenvolvimento sustentável seja realizado. “A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais em nossos valores, instituições e modos de vida”, propõe o documento.
Para fazer frente ao principio da autodestruição estruturado pelo capitalismo moderno, Boff defende a necessidade de estabelecermos a co-responsabilidade na defesa da “comunidade de vida”. Esse conceito, adotado pela Carta da Terra, reconhece o ser humano como parte de uma cadeia interdependente.
A idéia é sintetizada pela ciência. A decodificação do código genético revelou que todos os seres vivos, das bactérias às plantas, animais e pessoas, têm o mesmo alfabeto genético, composto por idêntico número de aminoácidos e bases. A diferente combinação desses elementos é o que cria a diversidade da vida.
Essa unidade está representada na palavra que nos define. Homem vem de húmus, terra boa e fértil. “Somos uma parcela da Terra”, diz Boff. “Formamos o elo ético dessa corrente, aquele que se responsabiliza por sua vida e a dos outros seres. Essa é nossa vocação”. O problema, segundo ele, é que nos esquecemos disso.

DE ONDE VIEMOS

No processo civilizatório, o homem partiu da relação com a natureza para um projeto de conquista desenfreada. Ao longo de sua existência, dominou terras, plantas, animais e descobriu outras formas complexas e eficazes de garantir a vida. “Ocupamos todos os espaços, penetramos nas entranhas da matéria e no mistério da vida”, afirma Leonardo Boff.
Tais conquistas trouxeram imensas vantagens à civilização, mas à custa do esgotamento dos recursos e da devastação da Terra. Boff retoma o cenário apresentado em 2007 pelo IPCC, sigla em inglês de Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas. Depois de vários anos de pesquisas que envolveram 1,3 mil cientistas de 143 países, o IPCC mostrou a dramática realidade do aquecimento global e suas conseqüências para a biodiversidade.
O relatório diz que, mantido o ritmo atual, a temperatura média do planeta aumentará até 6 graus centígrados nos próximos cem anos. “Essa mudança traz profundas modificações no sistema de vida. Estamos sentindo, no mundo inteiro, as enchentes, vendavais, tufões e perdas de safras”, diz Boff. Ele dá um exemplo bem próximo: uma pesquisa feita no ano passado pela Embrapa e Unicamp mostra que a temperatura subiu um grau e meio nos últimos cinco anos no Norte do Paraná e Sudeste de São Paulo. Como efeito, em muitas regiões, a flor do café cai antes de formar o grão. O mesmo ocorre com o milho e soja, com impacto na redução da área cultivável nessas regiões.
“A Terra entrou em uma situação de caos e está buscando um novo equilíbrio. Não podemos mais parar a roda, mas podemos diminuir sua velocidade”. Para isso, é necessário que haja uma revolução nas mentes, nas formas de produção, distribuição e consumo. “O projeto atual é explorar de forma ilimitada os recursos da Terra para criar uma abundância de bens a serem consumidos, tendo como efeito final a produção de riquezas.”
Esse modelo defende Boff, não pode mais continuar. O planeta e a maneira de organização social estão esgotados. A humanidade tornou-se refém de um sistema que quer, cada vez mais, crescer e acumular, em vez de buscar o bem comum. “Chegamos à irracionalidade de ter três pessoas com uma riqueza maior que a de 46 países, onde vivem 600 milhões de pessoas. Pouco mais de 300 grupos empresariais controlam 56% de toda a riqueza do planeta. É uma sociedade cruel, em que 20% dos cidadãos consomem 80% de tudo o que a Terra produz.”

PARA ONDE VAMOS

O momento, pontua Boff, enseja um novo paradigma civilizatório, em que valores, instituições, modos de produção, consumo, convivência e relações com a natureza sejam pautados não pela conquista, mas pelo cuidado. “Precisamos criar outra forma de viver que permita ao ser humano continuar neste planeta”.
Surge, então, a necessidade de uma consciência planetária de que todos os seres vivos têm a mesma origem – e o mesmo destino. Nossa interdependência com a natureza é o que faz entender a sustentabilidade. Ela comporta uma rede de relações que vai além da perspectiva econômica. “Devemos buscar a sustentabilidade humana, com valores intangíveis e espirituais que nos permitam viver em paz, sem conflitos sociais, sabendo que aquilo que realiza a felicidade não está no mercado. Está dentro do coração”.
O novo paradigma, afirma Boff, tem duas tarefas principais: a regeneração do planeta e a precaução, evitando agir de modo a causar o estresse do sistema da vida. “Não alcançaremos isso se não tivermos como ética básica o cuidado. Ele é um norteador antecipado de nossas praticas para que elas sejam salvadoras”.

AS QUATRO ECOLOGIAS

Nessa direção, Boff sugere como caminho as quatro frentes da ecologia: ambiental, social, mental e integral. A primeira procura novas tecnologias, menos poluentes, para corrigir os excessos da voracidade do projeto industrialista mundial. A ecologia social busca criar uma sociedade em que haja uma distribuição mais equânime dos recursos, que contemple as necessidades humanas e não a acumulação de riquezas.
A ecologia mental propõe um projeto de vida em que as relações humanas tenham um lugar privilegiado, em detrimento da competição imposta pelas regras de mercado. Em que prevaleçam os valores da generosidade, participação, solidariedade e do respeito. “Temos, na ecologia mental, que desenvolver essas outras potencialidades que estão dentro de nós para que elas tenham como efeito uma sociedade equilibrada, mais justa, alegre e feliz”, considera Boff.
Por fim, ele fala da ecologia integral, que se dá conta de que a Terra é um pequeno planeta e que somos sustentados pela força das energias gravitacional, eletromagnética e nuclear fraca e forte, que constituem os princípios diretores do universo e de todos os seres. “Compreendendo essa realidade, nos sentimos inseridos em algo maior. Não estamos perdidos na imensidão, somos parte de grandes sistemas harmônicos e de uma energia que liga e religa todas as coisas”.

NO CENTRO, O CORAÇÃO

Essa percepção, pondera, pode alargar nossa consciência. “Temos de tomar decisões começando conosco, fazendo mudanças que vão em direção à benevolência e ao cuidado com a vida e a Terra”. Ao falar sobre o papel de cada indivíduo, Boff chama a atenção para o modelo de negócios do Banco Real, que coloca as pessoas em seu centro, que ele chama de coração.
“Temos de recuperar o coração, o sentir, porque é ali que estão os valores, os grandes sonhos e as energias que movem o universo. É o que nos permitirá uma travessia feliz”, finaliza Boff, ressaltando que, nesse processo, todos têm um compromisso. “Se o risco é global, a salvação também será global. Ninguém está dispensado de dar a sua colaboração.”

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