Meire
Kusumoto
Shakespeare
escreveu Shakespeare? A pergunta — quase sem sentido para os que não estudam a
obra do escritor inglês— é feita desde o século XVIII, quando a autoria de
peças consagradas como Hamlet, Romeu e Julieta e Macbeth foi
colocada em xeque. Teria sido o filho de um comerciante de uma pequena cidade
da Inglaterra o grande escritor por trás dessas obras? Ou um membro da realeza
britânica? Ou, quem sabe, a própria rainha Elizabeth I? Se tal teoria da
conspiração é complicada de ser resolvida, o mesmo pode-se dizer da intrincada
biografia do autor.
William
Shakespeare é batizado em 26 de abril de 1564 na Igreja da Santíssima Trindade,
em Stratford-upon-Avon, cidade do condado de Warwickshire, no centro da
Inglaterra. A certidão de batismo, escrita em latim, registra Gulielmus filius Johannes Shakespeare, ou seja:
William, filho de John Shakespeare. A data de nascimento da criança não consta
no documento. Especialistas apontam que o autor teria então nascido entre 21 e
24 de abril, levando em conta o costume da época de se batizar a criança poucos
dias depois de seu nascimento. Popularmente, no entanto, a data apontada como a
do nascimento de Shakespeare é 23 de abril, que coincide com o dia de sua morte,
52 anos depois.
O
pai do garoto, John Shakespeare, é um fabricante de luvas e comerciante de lã
que se torna prefeito da cidade de Stratford-upon-Avon em 1568. A mãe de
William, Mary Arden, é filha de um próspero proprietário de terras de Wilmcote,
vilarejo de Warwickshire. O terceiro de oito filhos, William é o primeiro a
sobreviver à peste bubônica que assola a Inglaterra no século XVI e que mata
suas irmãs mais velhas, Joan e Margaret, entre 1558 e 1563. Os outros irmãos
são, em ordem de nascimento, Gilbert (1566), Joan (1569), Anne (1571), Richard
(1574) e Edmund (1580).
O dramaturgo e poeta William Shakespeare em pintura feita para o 'Primeiro Folio', publicação que reuniu pela primeira vez todas as suas peças teatrais, em 1623 (Crédito: Hulton Archive/Getty Images)
O
dramaturgo e poeta William Shakespeare em pintura feita para o 'Primeiro
Folio', publicação que reuniu pela primeira vez todas as suas peças teatrais,
em 1623 (Crédito: Hulton Archive/Getty Images)
Os
primeiros anos da vida de Shakespeare são pouco documentados, o que aumenta as
especulações sobre sua infância e formação. Segundo a biografia Shakespeare: The Biography (Shakespeare: A Biografia, em tradução literal),
assinada pelo escritor americano Peter Ackroyd, o garoto começa sua rotina
escolar com 5 ou 6 anos de idade na escola da capela da Igreja da Santíssima
Trindade. O conteúdo das aulas, como se pode imaginar, está relacionado com as
tradições e os rituais católicos. Aos 7, ele ingressa no colégio King Edward VI
School, onde tem as primeiras lições de latim e retórica.
Casamento - A falta de documentação de duas fases
da vida de Shakespeare faz com que os estudiosos do dramaturgo e escritor criem
o termo “os anos perdidos” para falar dos períodos entre 1578-1582 e 1585-1592.
Nos quatro anos que se seguem à formação escolar do dramaturgo, em 1578, não há
registros que indiquem suas atividades pessoais e profissionais em Stratford.
Seu próximo documento é de novembro de 1582, que oficializa seu casamento com
Anne Hathaway, uma mulher oito anos mais velha que ele e que carrega, com três
meses de gravidez, a primeira filha do casal, Susanna.
A menina nasce em maio de 1583. Em janeiro de 1585, Shakespeare e Anne recebem
a chegada de gêmeos, batizados como Hamnet e Judith. Exceto pelo fato de que
Hamnet morre em agosto de 1596, aos 11 anos de idade, de causas desconhecidas,
pouco se sabe sobre a vida da família.
William Shakespeare segundo gravura de 1610 (Crédito: Hulton Archive/Getty Images)
William
Shakespeare segundo gravura de 1610 (Crédito: Hulton Archive/Getty Images)
Teatro
- À época da morte do filho,
Shakespeare não está ao lado de Anne. Em 1592, aos 28 anos, ele vive em Londres
como um ator conhecido, como indica um panfleto assinado pelo britânico Robert
Greene sobre a performance de Shakespeare nos palcos. A crítica, escrita por
Greene em seu leito de morte, não é nada simpática ao homem que se tornaria o
dramaturgo mais conhecido de todos os tempos. No texto, Shakespeare chega a ser
chamado de “corvo arrogante”, o que rende a ele um pedido de desculpas do
editor de Greene, Henry Chettle, após a morte do crítico.
Entre o batizado dos filhos e o panfleto de Greene, não há documentação sobre
Shakespeare. Sendo assim, não se sabe quando ele parte da pequena
Stratford-upon-Avon para se aventurar sozinho na cidade grande e nem quais
motivos o levam a essa mudança. Igualmente difícil é descobrir como Shakespeare
decide começar a carreira no teatro, passo que se tornará decisivo em sua vida.
Uma possibilidade é a de que ele tenha sido recrutado por uma companhia
itinerante de teatro ainda em Stratford, em meados da década de 1580. Segundo
afirma Peter Ackroyd em Shakespeare: The Biography,
entre os anos de 1583 e 1586, a cidade foi visitada por nada menos do que oito
grupos teatrais, entre eles o Lord Strange’s Men e o The Queen’s Men, ambos
apontados como os primeiros a receber Shakespeare.
A atuação no palco logo se torna pouco para Shakespeare, que começa a escrever
as próprias peças, no final dos anos 1580, mas não as publica. Em junho de
1592, as autoridades britânicas fecham os teatros, com medo da disseminação da
peste. Quando eles são reabertos, em junho de 1594, o autor está completamente
absorvido pelo trabalho como um dos diretores do grupo teatral Lord
Chamberlain's Men, que muda de nome para King’s Men em 1603, após a coroação do
rei James I.
Obras
- As primeiras publicações de
obras criadas por Shakespeare acontecem entre 1593 e 1594, com os poemas
líricos Vênus e Adônis e O Rapto de Lucrécia.
Ao longo dos anos seguintes, o dramaturgo publica peças como Henrique VI (1594) e Romeu e Julieta (1597),
que são reunidas em 1623 em um volume único, conhecido como o Primeiro Folio. Em 1599, a trupe de Shakespeare
constrói o Globe Theatre, em Londres.
Pelos próximos catorze anos, o teatro se mantém como uma das principais casas
de espetáculos, recebendo, inclusive, muitas das peças do autor inglês. Em
1613, durante uma apresentação de Henrique VIII, o
teto de palha do local pega fogo após ser atingido pela munição de um canhão
utilizado em cena. Em menos de duas horas, o Globe é destruído completamente.
Ele é rapidamente reconstruído, mas é novamente demolido, dessa vez pela
administração puritana inglesa, em 1644.
A ideia de recriar o Globe Theatre ressurge em 1949, após a visita do diretor e
produtor americano Sam Wanamaker a Londres. O diretor morre em 1993, mas deixa
o projeto encaminhado e a estrutura básica do teatro construída, algumas
centenas de metros de seu lugar original. Três anos e meio depois, o Globe é
finalizado e reaberto. Atualmente, a casa de espetáculos recebe não só
montagens clássicas de Shakespeare, mas também peças de dramaturgos
contemporâneos.
William Shakespeare em pintura do inglês Cornelius Jansen, da década de 1610 (Crédito: Hulton Archive/Getty Images)
William
Shakespeare em pintura do inglês Cornelius Jansen, da década de 1610 (Crédito:
Hulton Archive/Getty Images)
Retorno
- Com o tempo, Shakespeare se
consagra como ator, diretor e dramaturgo e consegue prover uma vida confortável
para sua família, que permanece em Stratford-upon-Avon. Em 1597, ele compra uma
das maiores casas da cidade, próxima à capela e à escola que havia frequentado
quando criança. Anos mais tarde, não se sabe ao certo quando, o dramaturgo
volta para a cidade natal, onde morre de causas desconhecidas, em 23 de abril
de 1616, aos 52 anos.
Com uma biografia incompleta e obras contestadas, William Shakespeare, hoje,
450 anos após seu nascimento, causa mais comoção do que controvérsia.
Referência dentro da dramaturgia, seu nome ultrapassa a alcunha de um autor para
se estabelecer quase como um estilo literário e teatral. Para apaziguar o drama
da autoria, críticos atuais acreditam na ideia da colaboração entre escritores,
prática comum que consistia na concepção de obras por múltiplos artistas, sendo
Shakespeare, por exemplo, um dos colaboradores de peças como A Tragédia Espanhola, assinada por Thomas Kyd
(1558-1594). São teorias que unem o fundo histórico com o reconhecimento de
que, sim, Shakespeare, o simples homem de Stratford-upon-Avon, tinha algo de
genial.
Fonte: http://veja.abril.com.br/infograficos/especiais/william-shakespeare/ Acesso em 22 de março de 2015