Publicado
em 1977, pouco antes da autora morrer, A hora da estrela é a única de suas
obras que enfatiza aspectos da realidade objetiva e manifesta uma intenção
explicitamente social, embora não seja esta a dimensão mais valiosa do texto.
ARGUMENTO
O
relato é construído por duas camadas que se interligam de maneira contínua:
a) A camada do narrador: Rodrigo S.M., o primeiro narrador masculino
na obra de Clarice, atormenta-se ao escrever uma novela sobre uma jovem
nordestina. Ele questiona o tempo inteiro o seu próprio modo de narrar, o seu
estilo, a sua capacidade de compreender Macabéa, moça de extração
sócio-cultural inferior. Simultaneamente, tenta desvelar o jogo complicado que
o seu texto empreende entre a ficção e a realidade. Em última instância, o que
ele procura é desvendar o significado da literatura e da existência.
b) A camada de Macabéa: é o registro da medíocre trajetória no Rio
de Janeiro de uma alagoana de 19 anos, moradora de um quarto de pensão que
divide com quatro balconistas das Lojas Americanas. Macabéa é moça raquítica,
feia, solitária e morrinhenta, além de ser uma datilógrafa de segunda
categoria. Alienada, sonsa, adora ouvir a Rádio Relógio, coleciona pequenos
anúncios num álbum e gostaria de ser artista de cinema. Trata-se de uma jovem
sem qualquer tipo de vida interior, sem futuro e com um passado inexpressivo,
quase cretina.
No
transcurso da história, Macabéa arruma um namorado, também nordestino, o
metalúrgico Olímpico de Jesus, só que este, apesar de inculto e grosseiro,
sonha em integrar-se ao Sul, ascender socialmente e até tornar-se deputado.
Percebendo os limites gerais de Macabéa, (“Ela era incompetente para a vida”, diz o narrador), Olímpico troca-a por Glória,
estenógrafa, loira oxigenada e amiga de sua ex-namorada.
Aconselhado pela própria Glória, Macabéa procura uma cartomante, Madame Carlota,
antiga prostituta e cafetina. Esta, sinceramente horrorizada com a vida que a
moça levava, resolve animá-la com a perspectiva de um futuro sorridente,
profetizando que a nordestina encontraria um estrangeiro alourado de “olhos azuis ou verdes ou castanhos ou pretos”, muito rico e com quem se casaria. Macabéa
que “nunca
tinha tido coragem de ter esperança”, sai feliz da consulta, pois “a cartomante lhe decretara sentença de vida”. Porém, ao atravessar a rua distraidamente é atropelada
por uma Mercedes amarela. Cai no chão, agoniza e diz sua última frase, em
aparência enigmática: “Quanto ao futuro”. Várias pessoas observam a moribunda. Alguém pousa junto
ao corpo uma vela acesa. Desta maneira, Macabéa alcança, com a própria morte, a
sua hora de estrela.
O QUE OBSERVAR
1)
Em relação à obra de Clarice Lispector:
a)Escrito
quando um câncer a corroia, A hora da estrela é a tentativa da autora de fugir
da sufocante introspecção das obras anteriores (“...não agüento ser apenas mim, preciso dos outros para me manter em
pé...”),
criando um texto que tivesse alguma abertura para o mundo exterior.
b) Não se pode desconsiderar as circunstâncias históricas em que o livro foi
produzido: o governo Geisel com sua “distensão lenta e gradual”, o recuo dos aparelhos repressivos, as inquietações da
sociedade civil, as contestações políticas menos tímidas e a perspectiva do fim
da ditadura militar, possam ter influenciado a escritora a produzir algo mais “social”. Um texto solidário em relação aos milhares de nordestinos que migravam
para o Sudeste em busca de melhores condições de vida corresponderia, com
certeza, ao clima da época.
c) A
novidade da criação que é a criação de um narrador masculino (único na obra de
Clarice) para relatar o drama de Macabéa. Por ser homem, Rodrigo S.M, poderia
ter uma visão menos intimista e sentimental e, portanto, mais capaz de entender
a extensão da realidade concreta (“...porque escritora mulher pode lacrimejar piegas...”).
2)
Em relação ao narrador
a) A
questão do narrador é essencial no texto. Na Dedicatória do autor, que abre o
livro há uma advertência: “Na verdade Clarice Lispector”. Estabelece-se, assim, uma estrita vinculação entre Clarice
e o narrador da obra. Ambos se confundem.São um só e, ao mesmo tempo, são
diferentes. Rodrigo S.M. representa uma outra forma de ser e de escrever de Clarice,
um desdobramento do próprio eu da escritora, uma espécie de heterônimo.
Este
narrador expressaria de maneira mais confiável a realidade objetiva, (o drama
de Macabéa) como também poderia apresentar algumas respostas aos impasses
existenciais e literários que atormentavam a autora de Laços de família .Desta
forma, A hora da estrela deixa de ser uma novela especificamente social e
torna-se também um “drama
de linguagem”,
(expressão de Benedito Nunes) e um questionamento metafísico sobre o
significado último da existência.
b)
As primeiras vinte páginas do texto são de discussão dos problemas que Rodrigo
S.M. enfrenta para escrever. Um deles diz respeito à questão do estilo a ser
empregado. O narrador opta pela simplicidade:
É
claro que, como todo o escritor, tenho a tentação de usar termos suculentos:
conheço adjetivos esplendorosos, carnudos substantivos e verbos tão esguios que
atravessam agudos o ar(...) Mas não vou enfeitar a palavra (...) Tenho que
falar simples.(...) Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de
muito trabalho.
Outra
preocupação de Rodrigo S.M. é o da estrutura narrativa. Confundido-se com
Clarice, ele renuncia ao modo psicológico/subjetivo da escrita anterior e
anuncia sua adesão a uma forma tradicional de narrar:
Assim
é que experimentarei contra os meus hábitos uma história com começo, meio e “gran finale”
Mas,
pode o narrador basear-se no modelo convencional de narrativa, se sua
protagonista é uma coitada, sem qualquer possibilidade de ação sobre o mundo?
Inúmeras vezes Rodrigo S.M. problematiza a mediocridade da história que vai
contar:
Que
não se esperem, então, estrelas no que se segue: nada cintilará, trata-se de
matéria opaca e por sua própria natureza desprezível por todos. (...)
Limito-me
a contar as fracas aventuras de uma moça numa cidade toda feita contra ela.
(...)
O
seu viver é ralo.(...)
c)
Aspecto significativo da obra é a culpa do narrador em relação à Macabéa. A
consciência que, de alguma maneira, ele é co-responsável pela pobreza econômica
e existencial da jovem nordestina o atormenta:
Ela
me acusa e o meio de me defender é escrever sobre ela.(...)
Sou
um homem que tem mais dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mim de
algum modo um desonesto. A classe alta me tem como um monstro esquisito, a
média com desconfiança de que eu possa desequilibrá-la, a classe baixa nunca
vem a mim. (...)
Sou
obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa. (...) A moça é uma verdade
da qual eu não queria saber.(...) Não sei a quem acusar, mas deve haver um
réu.(...)
d)
Escrever, para Rodrigo S.M., é algo mais do que contar uma história ou fixar um
drama social. Escrever é questionar-se o tempo todo: “Este livro é uma pergunta.”. É, ao mesmo tempo, uma busca de autoconhecimento (“Desculpai-me, mas vou continuar a falar de
mim que sou meu desconhecido.”); é uma tentativa de encontrar significado para a existência
fora da própria interioridade (“Bem sei que é assustador sair de si mesmo.”); e é, também, uma suspensão parcial da
morte: (“Escrevo
porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu
me morreria simbolicamente todos os dias.”). Mesmo assim, o narrador experimenta um forte
sentimento de fracasso da linguagem e a certeza de que a literatura não resolve
os problemas humanos.
e)
Um dos aspectos mais complexos da obra é a relação de Rodrigo S. M. com Macabéa.
Se por um lado, ele vê a jovem como alguém que merece amor, piedade e até um
pouco de raiva, por sua patética alienação, por outro lado, ele estabelece com
ela um vínculo mais profundo, que é o da comum condição humana. Esta
identidade, que ultrapassa as questões de classe, de gênero e de consciência de
mundo, é um elemento de grande significação no romance, Rodrigo e Macabéa se
confundem:
Mas
eu, que não chego a ser ela, sinto que vivo para ela. (...)
Essa
história será um dia o meu coágulo... (...)
Vejo
a nordestina se olhando ao espelho e – um rufar de tambor – no espelho aparece o meu rosto cansado e barbudo. Tanto
nós nos intertrocamos. (...)
3)
Sobre Macabéa:
a)
Os primeiros aspectos definidores de Macabéa são os de sua modesta origem
social (“Como
a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num
quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa”). Órfã, criada por um tia repressora, ela é feia,
virgem, gosta de coca-cola, passa um pouco de fome e trabalha como datilógrafa
no Rio de Janeiro. No entanto, o aspecto predominante de sua medíocre
personalidade é o seu despreparo para a vida inteligente. É tão tola que sorri
para as pessoas na rua, mas ninguém lhe responde ao sorriso porque sequer a
olham. Sua própria cara expressa tanta pobreza mental que parece pedir para ser
esbofeteada. Em síntese, trata-se de um ser ínfimo, de uma “alma rala”.
b) A
principal característica de Macabéa é a sua completa alienação. Ela não sabe
nada de nada.
A
palavra realidade não lhe dizia nada. (...)
Ela
somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando. (...)
Nenhuma coisa importante jamais acontecera em sua vida:
Mas
vivia em tanta mesmice que de noite não se lembrava do que acontecera de manhã.
(...).
Domingo
ela acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada. (...)
A
sua inconsciência não resulta apenas da ignorância do mundo. Ela se desconhece:
“Quando acordava não sabia mais quem era”. Às vezes, diante do espelho, não se enxergava, como se
a sua tivesse sumido. A todo instante, Rodrigo S. M. registra a alienação de
Macabéa, a sua incapacidade de percepção. Por isso, a jovem nordestina vive a
dimensão do não-ser.
Se
tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu” cairia estatelada no chão (...)
Só
uma vez se fez uma trágica pergunta: quem sou eu. Assustou-se tanto que parou
completamente de pensar. (...)
“Essa
moça não sabia que ela era o que era, assim como um
cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz. A única coisa que queria era viver. Não, sabia para quê, não se indagava. (...)
Sua
vida era uma longa meditação sobre o nada. Só que precisava dos outros para
crer em si mesma, senão se perderia nos sucessivos e redondos vácuos que havia
nela. (...)
Encontrar-se
consigo própria era um bem que até então ela não conhecia.(...)
Algumas
delimitações que Rodrigo S.M. elabora para Macabéa são tragicamente líricas:
Ela
era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto: ela era capim. (...)
Tornara-se
apenas vivente em sua forma primária. (...) Era apenas fina matéria orgânica.
Existia. Só isto.
c)
Quase nula é a compreensão de Macabéa a respeito da existência, seja a sua,
seja a da humanidade em geral. Normalmente, ela age como uma mentecapta: pede
desculpas ao patrão por tê-lo aborrecido quando este se dispõe a demiti-la;
agradece ao médico que lhe diagnostica a tuberculose e quando este ironicamente
lhe receita espaguete, ela ignora o que seja isso; e no momento em que o
namorado, Olímpico, lhe dá o fora, põe-se sem mais nem menos a rir. Nada a
desespera, nem saber que não faz falta a ninguém ou que é muito feia e
desinteressante. (“Ser
feia dói?”, pergunta-lhe Glória.). Tampouco o futuro a preocupa,
ela não tem futuro como não tem passado, nem presente, porque na verdade ela
não existe, ela é como um vegetal: “Ela era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto: ela era capim”.
A sua pobre cultura, originária das informações inúteis da Rádio Relógio, são
risíveis:
O
Imperador Carlos Magno era chamado na terra dele de Carolus. (...)
Você
sabia que a mosca voa tão depressa que se voasse em linha reta ia passar pelo
mundo todo em 28 dias? (...)
Igualmente
hilariante é o diálogo que trava com o namorado, usando dados desta cultura de
almanaque:
Macabéa: – O que quer dizer eletrônico?
Olímpico: – Eu sei, mas não quero dizer.
Macabéa: – O que quer dizer “renda per capita”?
Olímpico: – Ora, é fácil, é coisa de médico.
d)
As pouquíssimas revelações (epifanias) que Macabéa experimenta não lhe
suficientes para a formação de uma identidade. Certa ocasião, chorara ao ouvir Una
furtiva lacrima, na interpretação de Caruso, (“Adivinhava talvez que havia outros modos de sentir, havia
existências mais delicadas e até com certo luxo de alma”.) Outro dia, em que não fora trabalhar e
ficara sozinha no quarto, tinha dançado “num ato de absoluta coragem.” Porém, a descoberta efetiva do próprio ser ocorreria apenas depois do
atropelamento.
4) O
namoro com Olímpico
a) “O rapaz e ela se olharam por entre a chuva e
se reconheceram como dois nordestinos, bichos da mesma espécie que se farejam”. Assim começa o namoro dos dois. “Eles não sabiam como se passeia”. No primeiro encontro, sob a chuva, param
diante de uma vitrine de uma ferragem e Macabéa não suportando o silêncio, diz
a Olímpico: “Eu
gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?” Nas outras vezes que se encontraram também chovia.
Olímpico se irrita: “Você só sabe chover”.
b) Ao contrário de Macabéa, (“Acho que não preciso vencer na vida.”), Olímpico quer ser muito rico, talvez até
deputado. É um homem duro, disposto a tudo. Nos “cafundós do sertão”matara um desafeto seu, era um “homem com honra já lavada”. Não tem paciência ou qualquer gesto de delicadeza com a
namorada. Quando esta lhe pede que telefonasse para ela, Olímpico retruca: “Telefonar para ouvir as tuas bobagens?” Certo dia, os dois vão tomar um, cafezinho e
ela lhe pergunta se poderia ser “pingado” e ele responde que sim, mas se o preço fosse maior, ela devia pagar a diferença.
c)
Quando Olímpico conhece Glória, amiga de Macabéa, percebe que se trata de uma
mulher de outra estirpe. Ela, “apesar de branca, tinha em si a força da mulatice”. Era um degrau na escalada do nordestino. O fato de ser
carioca dava a Glória a condição de integrante do “ambicionado clã do sul do país. (...) Soube que Glória tinha mãe, pai e
comida quente em hora certa.” E Olímpico abandona Macabéa com sua costumeira rudeza: “Você, Macabéa, é um cabelo na sopa. Não dá vontade de comer.” Na sua mediocridade interior, a pobre datilógrafa sequer
experimenta a vertigem de um autêntico sofrimento. Apenas ri quando o namorado
lhe comunica o rompimento.
5) O
encontro com a cartomante e com a morte:
a)
Glória sugere a Macabéa que fosse a uma cartomante. Na casa da cartomante,
Macabéa se deslumbra: “Lá tudo era de luxo. Matéria plástica amarela nas poltronas e sofás. E até flores de plástico. Plástico era o máximo. Estava boquiaberta”. Em busca de um destino, constata – por meio das palavras de madame Carlota – que sua vida tinha sido horrível até então. As perspectivas otimistas anunciadas pela
cartomante transformam Macabéa. Pela primeira vez ela sente a sua existência, está “grávida de futuro”.
b)
Ao ser atropelada, Macabéa descobre a sua essência: “Hoje, pensou ela, hoje é o primeiro dia de minha vida:
nasci”. Há
uma situação paradoxal: ela só nasce, ou seja, só chega a ter consciência de si
mesma, na hora de sua morte. Por isso antes de morrer repete sem cessar: “Eu sou, eu sou, eu sou, eu sou”.
Por
ter definido a sua existência é que Macabéa pronuncia uma frase que nenhum dos
transeuntes entende: “Quanto ao futuro.” (...) “Nesta hora exata Macabéa sente um fundo enjôo de estômago e quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo luminoso. Estrela de mil
pontas.”
6) O
narrador e o fim do relato
a)
Terminar a narração para Rodrigo S.M. representa não apenas o fim da escrita de
uma história melancólica como também a percepção de sua finitude pessoal.
Perplexo, ele visualiza na morte de Macabéa a sua própria: “Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas – mas eu também?!”
b) A
conclusão implícita do narrador é a de que ele, Macabéa e a própria Clarice,
apesar das diferenças sociais, intelectuais e de visão de mundo que os
separavam, tinham uma identidade comum, irmanavam-se e convergiam para um mesmo
destino, simbolizado pela metáfora “a hora da estrela”, ou seja, a morte, “pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela
de cinema, é o instante de glória de cada um, e é quando como no canto coral se ouvem agudos
sibilantes”.
c)
Numa série de doze títulos paralelos que Clarice – no corpo do próprio texto – estabelece para A hora da estrela figura um último, que é uma espécie de pungente referência a Macabéa, a Rodrigo S.M. e a própria Clarice: “Saída discreta pela porta dos fundos”
INDICAÇÃO
DE LEITURA
GOTLIB,
Nádia Batella. Clarice.Uma vida que se conta. São Paulo, Ática, 1995.
(Magnífica biografia acompanhada de ótimas análises críticas da obra de Clarice
Lispector).
GUIDIN,
Márcia Lígia. Roteiro de leitura: A hora da estrela. São Paulo, Ática, 1996.
(Boa introdução ao texto mais lide de Clarice Lispector).
Por: Educaterra
Este
é o último romance de Clarice Lispector, o ponto final de uma carreira que,
iniciada em 1944, com Perto do Coração Selvagem, constituiu um dos momentos
mais altos da literatura brasileira moderna.
A autora, que em geral primou pela sondagem da psicologia profunda das
personagens, neste livro nos apresenta um comovente drama em que,
surpreendentemente, as molas da ação têm natureza e inspiração social.
A
personagem feminina é descrita com grande lirismo e, sob seus traços
nordestinos de mulher ingênua, delineia-se todo um contraponto bíblico.
Quando Macabéa se vê prestes a realizar seu grande sonho de mulher,
atravessando uma rua da metrópole (nada bíblica), encontra subitamente a morte
na velocidade de um automóvel. O tom lírico da narrativa se tinge enfim de
tragédia.
O
estilo, ao contrário da maior parte dos livros anteriores da autora, é marcado
por uma preocupação narrativa de caráter mais objetivo, situando a personagem
em seus hábitos, seu espaço social, seu ideário romântico.
Publicado dois meses antes da morte de sua autora, esse “conto-de-fadas às avessas”, ao mesmo tempo que registra a “fraca vida” de Macabéa, compondo uma narrativa “exterior”, “explícita”, também questiona, ironiza e expõe as perplexidades da ficção contemporânea, através de um autor-narrador, Rodrigo S. M., que
pretende captar no “sentimento
de perdição do rosto de uma nordestina”, vista ao acaso em uma rua do Rio de
Janeiro, a “vida
primária, que respira, respira, respira”.
Atormentado pela personagem que criou, mas que não conhece completamente, o narrador esbarra,
a cada instante, nas diferenças de classe social e de gênero e, particularmente, nas
possibilidades e limitações da linguagem, na “agonia” do ato de escrever e na palavra que instaura, revela e
esconde.
Em
1985, A Hora da Estrela foi adaptado para o cinema, resultando no premiado
filme do mesmo título, dirigido por Susana Amaral.
Por: Curso
Objetivo