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domingo, 15 de julho de 2012

O TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS EM SALA DE AULA E AS INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS


DUARTE, Luzia Franco1
OZELAME, Josiele Kaminski Corso2

1-      Introdução
Compreende-se que a língua humana é viva, com uma imanente heterogeneidade amplificada nos usos sociais de cada contexto, possibilitando uma bela diversidade linguística. Nesse sentido, corrobora-se a concepção de Língua defendida por Bagno (2008, p. 13) enquanto “atividade linguística real dos falantes em suas interações sociais”. O entendimento do português como se fosse uma ciência esotérica decorre do processo de ensino e aprendizado dos chamados fósseis gramaticais. Entretanto, na realidade brasileira, a dificuldade ou o pré-conceito do ensino e aprendizado de português parte de usa função instrumental de manter o status quo e privilégios a classes com alto poder aquisitivo, assim consiste numa forma de limitar e afunilar o acesso e a permanência num estado de poder (BAGNO, 2008). Na escola, a grande confusão está na concepção de língua e de gramática normativa, que em muitas práticas fundem-se e perdem suas especificidades, empobrecendo os recursos pedagógicos.
De acordo com Coscarelli (2007), os gêneros textuais têm-se constituído em objeto de estudo de pesquisadores e professores. A autora critica o tratamento dado aos gêneros textuais quando considerados “[...] pacotes muito bem delimitados e com características claras e pouco variáveis. Parte muitas vezes do pressuposto de que cada gênero é bem definido, possuindo, portanto, um formato a ser seguido” (COSCARELLI, 2007, p. 78). Acrescenta-se a tal problemática que na prática escolarizada do processo de ensino e aprendizado da língua portuguesa, a leitura e a escrita são marcadas por elementos de falseamento linguístico, isso porque “a criança, muito antes de analisar as formas lingüísticas, utiliza-as na interação lingüística efetiva” (LEMOS apud GERALDI, 2000, p. 90). Sob tal égide incutida nas práticas docentes, uma apropriação inadequada implica na criação de uma nova camisa de força na medida em que saem de cena os pressupostos da gramática tradicional que privilegiavam o ensino da nomenclatura tradicional e o ensino de língua portuguesa é forjado sobre pressupostos salvacionistas do gênero textual (COSCARELLI, 2007). Assim, a análise divide-se em quatro esferas interligadas para refletir e avançar nos estudos da temática proposta. Inicialmente, apresentam-se aspectos da artificialidade que permeiam o processo de leitura e escrita mediante o uso de gêneros textuais nas atividades escolares. No segundo momento, ressalta-se a importância das práticas de letramento que se desenvolvem com o uso dos gêneros textuais para apropriação da língua fundada na perspectiva do ensino de língua portuguesa pautada na própria leitura de textos, na produção de textos e por meio da análise linguística para possibilitar o efetivo domínio, em sua modalidade oral e escrita, da língua padrão. Por último, sinaliza-se como a intencionalidade da mediação pedagógica do professor elenca intervenções educacionais ao trabalho docente apoiado sobre gêneros textuais para além das práticas pedagógicas e sociais desenvolvidas no circuito da sala de aula.

2- A artificialidade da leitura e da escrita em práticas pedagógicas com gêneros textuais

Muitas práticas pedagógicas são artificiais quando se valem da premissa de que se aprende a “produzir textos” mediante atividades e exercícios escolares de memorização das características dos diversos gêneros e a que tipos eles pertencem (COSCARELLI, 2007). Ao contrário desse pressuposto, para Geraldi (2000), a prática do ensino de língua portuguesa deveria pautar-se na própria leitura de textos, na produção dos mesmos e por meio da análise linguística com o objetivo de evitar a artificialidade no uso da linguagem e possibilitar o efetivo domínio, em suas modalidades oral e escrita, da língua padrão. A premissa que norteia esta análise dos trabalhos pedagógicos com gêneros textuais parte da concepção de que

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido do texto. É a partir do texto ser capaz de atribuir-lhe um significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista (LAJOLO citado por GERALDI, 2000, p. 91).

Com isso, a leitura e produção de um texto contém um processo de reconstrução de significado por parte do leitor. Assim, Geraldi (1996) concebe que aprender a ler é a ampliação das possibilidades de interlocução com pessoas que jamais encontraremos frente a frente e, por interagirmos com elas, seremos capazes de compreender, criticar e avaliar seus modos de compreender o mundo, as coisas, as gentes e suas relações. Isto é ler. E escrever é ser capaz de colocar-se na posição daquele que registra suas compreensões para ser lido por outros e, portanto, com eles interagir. Entretanto, de acordo com Coscarelli (2007, p. 83), nas escolas brasileiras há inúmeros professores “[...] preocupados em “esgotar” um determinado gênero” mediante a apresentação de textos pertencentes ao referido estudo, ou que para ela é pior “[...] professores ensinando as fórmulas ou estruturas dos textos para os alunos reconhecerem nos gêneros aquele formato (como se ele fosse fixo e imutável)” e tornando problemático a exigência de produção de textos pautados naquele modelo. Tal encaminhamento tem como conseqüência o desgosto pelo aprendizado da língua portuguesa, já que os alunos sentem-se impotentes pela questão de não atenderem a uma exigência da escola: o suposto domínio e conhecimento de todos os gêneros. A artificialidade abordada por Geraldi entende que o ensino de língua portuguesa tem disseminado a simplificação da complexidade da linguagem humana. Isso faz com que muitas práticas se caracterizem pelo mero ensino da metalinguagem de análise da língua, já que há uma grande distinção entre o sujeito saber a língua e outra é saber analisar uma língua. O saber a língua implica o domínio de habilidades “[...] de uso da língua em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados adequados aos diversos contextos percebendo as dificuldades entre uma forma de expressão e outra” (GERALDI, 2000, p. 89). Já o saber analisar uma língua envolve domínio de conceitos estruturais e metalinguísticos de uso da língua.
Nas escolas brasileiras, a grande maioria das aulas de Língua Portuguesa caracteriza por atividades rotineiras que partem da leitura oral e silenciosa de textos, em seguida, exige-se a resolução de algumas questões de compreensão e interpretação do texto, privilegiando certos elementos, para em seguida, desenvolver-se exercícios gramaticais (GUIMARÃES, 2010, p. 422).
Sobre práticas de leitura e escrita na fase da alfabetização, Smolka avisou

o texto lido para as crianças é um texto montado por adultos para evidenciar determinadas propriedades estruturais da escrita. Não é um texto para ser ouvido e curtido, um texto para “funcionar” como história. É um texto que faz parte de um método de alfabetização e tem a função específica de trabalhar prioritariamente a estrutura gráfico-sonora das palavras (SMOLKA, 1999, p. 48).
Desse modo, o ensino de língua portuguesa tem desenvolvido uma linguística artificial: sujeitos não efetivos/ativos, isto é, produção de artificialidades e simplificações de sujeitos, pois de acordo com Benveniste (citado por GERALDI, 2000, p. 89) “a linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito remetendo a ele mesmo como „eu no discurso”. Escrever e ler são duas atividades do processo de ensino e aprendizado da Língua Portuguesa que devem ser conduzidas paralelamente. No entanto costuma-se dar muito mais ênfase à escrita do que à leitura. Pode-se creditar isto ao fato de as escolas acreditarem que é mais fácil avaliar um aluno pelos seus acertos e erros de escrita, o que fica difícil de realizar quando um aluno lê. Pesquisa realizada por Neves, citada por Guimarães (2010, p. 422) evidencia que muitos professores para esquivarem-se da “[...] da acusação de trabalharem artificialmente a gramática, afirmam trabalhar a partir de textos, embora isso signifique retirar palavras e frases dos textos e trabalhar com elas como um estatuto autônomo”.
Por isso, Coscarelli (2007, p. 84) realça a artificialidade no trabalho com gêneros textuais quando restringida ao estudo da língua via “[...] exercícios e atividades que vão lidar com questões específicas da gramática como, por exemplo, concordância, regência, conjugação verbal, entre outras”. Além disso, há uma ênfase no trabalho do professor em fazer com que o aluno identifique a que gênero pertence um determinado texto, domine as características de vários gêneros, ou até mesmo liste e separe as características dos gêneros constituindo-se em exercícios artificiais no processo de ensino e aprendizado da língua portuguesa por gêneros textuais.
Para demonstrar as artificialidades da linguagem utilizada na escola que compromete toda a organização do trabalho pedagógico, Geraldi (2000, p. 90) evidencia que

Na escola não se escrevem textos, produzem-se redações. E estas nada mais são do que simulação do uso da língua escrita. Na língua não se lêem textos, fazem-se exercícios de interpretação e análise de textos. E isso nada mais do que é simular leituras. Por fim, na escola não se faz análise lingüística, aplicam-se a dados pré- existentes. E isso é simular a prática científica da análise lingüística (GERALDI, 2000, p. 90).  

Isso quer dizer que o trabalho pedagógico com gêneros textuais nos anos iniciais do Ensino Fundamental condensa um teor conteudista e técnico se descontextualizado das condições necessárias de produção e leitura de um bom texto. Nessa perspectiva, outro elemento discutido por Coscarelli (2007, p. 84) aborda a questão da produção de textos, na qual a autora tece críticas “[...] sobre o leitor dos textos que continua sendo o professor, que, agora, verifica se o aluno aplicou a fórmula apropriadamente”.
Sobre as práticas pedagógicas de língua portuguesa, Guimarães aponta que

apesar do avanço de pesquisas na área, o ensino não as incorporou – ou talvez, não as tenha compreendido. É verdade que se trabalha com o texto em sala de aula. Mas o que questionamos, neste momento, é o como se trabalha o texto em sala de aula. Parece-nos que o tipo de trabalho realizado não se diferencia, muitas vezes, de uma proposta a partir de frases isoladas. No momento em que se pede que o aluno retire, mecanicamente, substantivos ou adjetivos de um texto sem perceber o papel dessas classes para a compreensão do sentido do texto, o texto serve, simplesmente, como um conjunto de frases de onde serão retirados os elementos gramaticais a serem analisados (GUIMARÃES, 2010, p. 422).

Portanto, é fundamental retomar as funções e usos sociais e históricos das atividades de leitura e escrita num processo pedagógico comprometido com os gêneros textuais e não pelos gêneros textuais, e que o incentivo à sua incorporação em sua vida destas práticas sociais de letramento ocorrem pelo trabalho mediador e pedagógico do professor intencionalmente sistematizado.

3- Os gêneros textuais enquanto instrumento de apropriação da língua pelo letramento

Corrobora-se da premissa sustentada por Caldas (2007, p.2) na qual “a linguagem existe a serviço da comunicação e possui função de mediação nas práticas sociais” na medida em que compete ao professor por meio de sua ação pedagógica criar condições para efetivar o uso da língua para além dos textos escolares, contextualizada com as necessidades de interação, continuidade e (re)produção da história e cultura humana. Ou seja, “a mediação entre os homens se faz por intermédio da palavra e a capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los se dá por intermédio da linguagem” (CALDAS, 2007, p.2). Em outras palavras, é importante que as pessoas conheçam e familiarizem-se com a diversidade de gêneros textuais que permeiam a cultura letrada da sociedade, ou seja, é preciso “[...] saber produzir vários gêneros textuais, mas não todos” (COSCARELLI, 2007, p. 81). Estudo realizado por Caldas (2007, p. 2) mostra o conceito de texto como base do ensino e aprendizado de língua portuguesa em movimento a muitos anos nas escolas brasileiras, principalmente com o enfoque dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998) ressaltando sua importância às práticas sociais, entretanto, “[...] esta abordagem textual foi aplicada ao ensino de maneiras diferentes. A princípio, a idéia era tomar o texto como objeto de ensino, no entanto o texto em sala de aula foi usado para outras funções”.
Coscarelli (2007, p. 85) mostra “[...] que a noção de gênero textual tem sido tratada em sala de aula de forma muito simplista uma vez que os textos são vistos como reprodutores de uma estrutura prefixada para o gênero a que pertenceriam”. Já segundo Caldas (2007, p. 78), é emblemático a questão do como trabalhar textos no espaço escolar, pois “encontra-se nas salas de aulas uma forte resistência, da parte dos alunos, em relação à leitura e a produção de texto”, de certo modo, enfatiza dois pólos que a ação docente desenvolve no processo de ensino e aprendizado da língua portuguesa: “a ação de expressar idéias oralmente” em oposição ao “ato de reproduzir idéias em forma de texto”. Sob tal prisma, o objetivo das discussões levantadas por Coscarelli (2007, p. 81) é que o trabalho com gêneros textuais no ensino da língua portuguesa não seja mal compreendido, isso porque “não podemos entender que agora vamos ensinar nossos alunos a ler e produzir diferentes gêneros textuais fora de qualquer situação comunicativa. Gênero não deve ser matéria a ser dada ou conteúdo a ser cumprido”. Em outras palavras, não é necessário que os alunos limitem-se a classificar ou separar textos em gêneros textuais, muito menos decorar todas as características de todos os gêneros textuais. Muitos livros didáticos trazem a caracterização de tipos textuais como a narrativa, a dissertação e um dos problemas apontados pela autora é a ausência de problematizões de que esses tipos textuais não aparecem de modo isolado nos gêneros textuais “[...] nem que a ordenação das partes é flexível ou que alguma delas pode não aparecer no texto de forma convencional e, além disso, que existem diferentes maneiras de essas categorias se apresentarem dependendo do gênero textual em que elas serão usadas” (COSCARELLI, 2007, p. 81).
Para Caldas são poucos os alunos e professores que conseguem distinguir claramente a diferença entre tipos e gêneros textuais no espaço escolar, ou seja,

Geralmente, a expressão “tipo de texto” é usada erroneamente para designar o que é um gênero textual. Marcuschi (2002:25) comprova muito bem essa observação quando afirma que “Quando alguém diz, por exemplo, a carta pessoal é um tipo de texto informal, ele não está empregando o termo “tipo de texto” de maneira correta [...]”, pois se trata de um gênero textual (CALDAS, 2007, p. 3).


Dessa forma, “um tipo textual é dado por um conjunto de traços que formam uma seqüência e não um texto” (CALDAS, 2007, p. 3). Para Marcushi, citado por Coscarelli (2007, p. 82) “um gênero textual não é só a sua forma, mas é, sobretudo, sua função”.
Segundo Coscarelli (2007, p. 78) “há muito em comum entre textos que prototipicamente pertencem a um mesmo gênero, mas nem todo texto é um exemplar prototípico de um determinado gênero”, assim na tentativa de ilustrar, uma análise do gênero poema contribui na problematização, pois há variadas formas e formatos de textos considerados poemas. Para a autora, elementos como o hibridismo e o rompimento de padrões prototípicos dos gêneros tem sido esboçados enquanto aspectos constitutivos dos referidos gêneros.
Este trabalho orienta-se pela perspectiva de que os gêneros textuais constituem na melhor possibilidade de se “[...] lidar com a língua nos seus mais diversos usos do cotidiano” (Caldas, 2007, p. 3), na medida em que a comunicação concretiza-se através de textos orais e escritos, o trabalho pedagógico intervém qualitativamente na formação humana omnilateral quando oportuniza aos alunos espaços e meios de produção e compreensão de textos adequados aos variados contextos de uso.

A melhor alternativa para trabalhar o ensino de gêneros textuais é envolver os alunos em situações concretas de uso da língua, de modo que consigam, de forma criativa e consciente, escolher meios adequados aos fins que se deseja alcançar. [...] Além disso, o trabalho com gêneros contribui para o aprendizado de prática de leitura, de produção textual e de compreensão (CALDAS, 2007, p. 4)


A leitura é a realização do objetivo da escrita. Quem escreve, escreve para ser lido, são momentos indissociáveis. Ler é um processo de descoberta, as vezes requerendo um trabalho paciente, outras vezes é feita de forma superficial ou lúdica. Pode-se ter então várias atitudes perante a leitura. Ela é uma atividade profundamente individual e duas pessoas dificilmente a fazem da mesma maneira. Ao contrário da escrita, que é uma atividade de exteriorizar o pensamento, a leitura é uma atividade de assimilação de conhecimento, de interiorização, de reflexão.
No entanto, ler é uma atividade tão importante quanto a produção de textos, principalmente para crianças, jovens e adultos em processo de alfabetização que, em muitos casos, vivem praticamente sem escrever, mas não sem ler. Necessitam da leitura para a sua vida cotidiana, principalmente em nossa sociedade atual. As pessoas que vivem nas cidades precisam saber ler as placas de ônibus, números, etiquetas de alimentos, documentos etc. Por isso, Caldas (2007, p. 3) defende que os alunos devem compreender que texto não se restringe a “[...] composições escritas tradicionais com a qual se trabalha na escola – descrição, narração e dissertação [...]”, mas o trabalho pedagógico pautados em gêneros textuais ampliar o contato com recursos línguisticos que permeiam o cotidiano e difundir a concepção de “[...] que o texto é produzido diariamente em todos os momentos em que nos comunicamos, tanto na forma escrita como na oral”. Desse modo, Bagno (2008) enfatiza que não é para se ensinar gramática na escola, mas para incentivar práticas de letramento mediante muita leitura e escrita que habilitem realmente os alunos a participarem da sociedade, pois o aprendizado da leitura e da escrita implica na aquisição de outros saberes, na compreensão dos sentidos da linguagem humana.


4- As intervenções pedagógicas do professor na mediação pedagógica do trabalho com gêneros textuais em sala de aula

A possibilidade de se desenvolver um trabalho pedagógico com gêneros textuais em sala de aula esboça grandes contribuições “[...] para o desafio do professor de fazer com que seus alunos sejam leitores fluentes e escritores de bons textos” (COSCARELLI, 2007, p. 82). No conjunto de uma proposta didática, o gênero textual não pode ser dissociado do seu contexto comunicativo para que sua função atinja os objetivos propostos (COSACARELLI, 2007). Para Hila (2006, p. 3) estudo desenvolvido por Barbosa traz explicações acerca das dificuldades do trabalho pedagógico realizado com os gêneros textuais em sala de aula, dentre quais enfatiza-se que: muitos professores ainda “tomam a proposta de trabalho com o gênero de forma indiferenciada das tipologias textuais, supondo serem a mesma coisa”; a prática pedagógica fica sem orientação com a ausência da fundamentação científica sobre a teoria dos gêneros; consequentemente, “se o professor desconhece o gênero, não conseguirá realizar nem uma descrição do gênero com o qual irá trabalhar, e nem realizar uma transposição didática adequada”. Sob tal perspectiva, torna-se imprescindível para que o professor desenvolva uma intervenção qualitativa na relação de ensino e aprendizado da língua por meio dos gêneros textuais, a concepção da “[...] linguagem como um significado amplo e dinâmico que se relaciona plenamente com a participação social. Trabalhar a linguagem em situação de ensino não é ensinar as palavras, mas seus significados culturais e sociais” (CALDAS, 2007, p. 2).
Não é necessário conhecer todos os gêneros textuais, pois há gêneros destinados a leitura, como poemas, parlendas, textos literários, gêneros produzidos para ler e escrever, por exemplo, bilhetes, listas de supermercado, recados telefônicos e virtuais, trabalhos acadêmicos, tem também para falar e até somente para ouvir. Em outras palavras, o que realmente importa no trabalho pedagógico desenvolvido com gêneros textuais em sala de aula é saber identificar e encontrar informações/elementos necessários à vida em sociedade, “isso vai depender muito da comunidade e das situações de comunicação que são mais recorrentes naquele ambiente social” (COSCARELLI, 2007, p. 83). Assim, os alunos devem ser instigados a identificar a finalidade do texto, quem está falando no texto, para quem, em que situação e com que objetivo o texto foi produzido, além de perceber os recursos linguísticos utilizados e os efeitos produzidos pela leitura. Para a produção de texto atingir o objetivo central no processo de ensino e aprendizado da língua portuguesa “[...] o aluno precisa aprender a construir um texto que provoque no interlocutor as reações que ele, autor, deseja e, para isso, precisa ter em mente o seu público-alvo, seu objetivo ou a finalidade do texto, sobre o que vai escrever e onde o texto vai circular” (COSCARELLI, 2007, p. 83), ou seja, produzir um conjunto de informações articuladas possibilita ao aluno/autor selecionar, apropriar-se dos recursos de um gênero e os efetivar em uma leitura e escrita significativa. De acordo com Coscarelli (2007, p. 84), uma das possibilidades de intervenção pedagógica sem aquela dimensão tradicional e conteudista, traz a análise lingüística a partir de uma compreensão de texto mediante reflexões dos mecanismos linguísticos construídos pelo autor. Faz-se extremamente necessário que sejam encontradas “[...] formas de fazer com que o aluno escreva para outros leitores que não apenas o professor, mesmo que sejam leitores simulados. [...] Os alunos vão trocar as cartas entre si e responder como sendo o destinatário”. A leitura de um texto sob um contexto propicia ao leitor em formação elementos que são ampliados pela mediação pedagógica do professor, pois a ação docente “precisa ajudar o aluno a construir sentido, a perceber o propósito do texto, a desvendar as escolhas lingüísticas feitas pelo autor, a ter uma reação ao texto, fazendo com que se efetive assim uma situação em que a comunicação realmente acontece” (COSCARELLI, 2007, p. 84).


5- Considerações Finais

Entende-se que o trabalho pedagógico com gêneros textuais media às crianças brasileiras entendimento e aprendizado da língua como instrumento político capaz de transformar a sociedade como um todo e cria condições efetivas de “[...] acesso à educação em seu sentido mais amplo, aos bens culturais, à saúde e à habitação, ao transporte de boa qualidade, à vida digna de cidadão merecedor de todo respeito” (BAGNO, 2008, p. 91). A tentativa de se trabalhar com gêneros textuais no espaço escolar originou-se da relevância de abarcar a perspectiva de contexto para entender a situação de produção e recepção daquele texto, para a contextualização em sala de aula, ou seja, “muitas vezes entender um texto isoladamente é difícil. Julgar a qualidade o texto fora do contexto em que ele foi produzido e da situação na qual ele será lido é quase impossível” (COSCARELLI, 2007, p. 81). Sob tal pretexto “é sobre esse caminho que escolhemos falar: um caminho que valoriza a função social da escola, ao mesmo tempo em que encaminha múltiplos letramentos para os alunos. Um caminho que pode reunir a paisagem e a pedra, a(s) Linguística(s) e a Pedagogia” (GUIMARÃES, 2010, p.435). Portanto, o presente texto buscou problematizar o processo de ensino e aprendizado da língua através dos usos variados de gêneros textuais em sala de aula, principalmente o que vem acontecendo nos anos iniciais do ensino fundamental. Para ir além de constatações, esboçou-se a tentativa de contribuir com práticas de letramento junto com os gêneros textuais para oportunizar práticas reais de leitura e escrita em sala de aula, discussão da função social da língua, o conhecimento da diversidade textual pelo trabalho com os próprios gêneros textuais e, principalmente, abordar a natureza e as especificidades das práticas sociais e culturais de letramento. Os elementos apontados justificam-se pedagogicamente à medida que é nos anos iniciais do Ensino Fundamental que a escola tem o papel central de formação de usuários competentes da língua materna, e nos anos posteriores de escolarização ocorre a consolidação dos pressupostos trabalhados.


REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. 50 ed. São Paulo: Loyola, 2008.
CALDAS, Lilian Kelly. Trabalhando tipos/gêneros textuais em sala de aula: uma estratégia didática na perspectiva da mediação dialética. 2007. Disponível em: alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/.../sm03ss16_09.pdf. Acesso em: 25. ago. 2011.
COSCARELLI, Carla Viana. A produção de gêneros textuais. Veredas online – Ensino – n. 2, 2007, p. 78-86. Disponível em: www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/artigo051.pdf . Acesso em: 12. set. 2011.
 HILA, Cláudia Valéria Doná. Gêneros textuais e a formação dos professorandos no curso de Letras. Anais do I Congresso Latino-Americano sobre formação de professores de línguas. 2006. Disponível em: www.escrita.uem.br/escrita/pdf/cvdhila4.pdf. Acesso em: 5. set. 2011.
GERALDI, João Wanderley. Prática da Leitura na Escola. In: GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2000.
GUIMARÃES, Ana Maria de Mattos. Gêneros textuais e ensino de língua materna: entre o caminho e a pedra. RBLA, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, 2010, p. 421-438. Disponível em: wac.colostate.edu/siget/rbla/guimaraes.pdf. Acesso em: 30. ago. 2011.
SMOLKA, Ana Luiza. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. 8.ed. São Paulo: Cortez, 1999.


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