O psicólogo suíço Bernard Schneuwly diz que os professores precisam de material didático para trabalhar com leitura e escrita
Você pode não
conhecê-lo pelo nome, mas o trabalho do suíço Bernard Schneuwly, professor da
Universidade de Genebra, já deixou de ser novidade há algum tempo,
principalmente para quem leciona Língua Portuguesa. Suas ideias sobre gêneros e
tipos de discurso e linguagem oral estão nos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Desde a década de 1980, o psicólogo e doutor em Ciências da Educação, pesquisa
como a criança aprende a escrever. Os estudos resultaram na criação de
sequências didáticas para ensino de expressão escrita e oralidade. Os conceitos
presentes nesse material didático se difundem aos poucos no Brasil. Schneuwly
vem colaborando com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em
trabalhos na área e pesquisadores da instituição estão publicando uma coleção
com sequências didáticas inspiradas no modelo suíço. A seguir, os principais
trechos da entrevista que ele concedeu a NOVA ESCOLA.
NOVA ESCOLA: O que seus
estudos propõem de novo no ensino da língua?
BERNARD SCHNEUWLY:
Colocamos a questão da comunicação no centro do ensino da língua materna. Esta
é a mudança mais significativa: dar às crianças mais possibilidades de ler, de
escrever textos, de aprender gramática e ortografia em função da comunicação.
NOVA ESCOLA: As aulas de
gramática devem ser dadas em função dos textos?
BERNARD SCHNEUWLY:
É essencial ensinar as crianças a ler e a produzir textos. Quando começam a
estudar elas têm de realizar essas tarefas e, de maneira geral, não se dá
importância suficiente à questão. Isso não significa deixar de dar também um
pouco de gramática à parte. É possível fazer isso analisando sentenças
complexas extraídas dos próprios textos. Há ainda uma outra maneira, mais forte
na Suíça: pedir que os estudantes escrevam sentenças que depois são usadas para
análise e aprendizado.
NOVA ESCOLA: Quanto tempo da
aula deve-se dedicar à gramática?
BERNARD SCHNEUWLY:
Em meu país, e eu sei que aqui acontece o mesmo, cerca de 70% ou 80% do ensino
da língua corresponde a gramática e ortografia e apenas 20% ou 30% a leitura e
escrita. Temos trabalhado para chegar a um equilíbrio. Além disso, acho que há
gramática demais nas séries iniciais e de menos nas finais. Na Suíça, depois do
ensino elementar, os estudantes aprendem apenas literatura. Mas há problemas
gramaticais complexos que poderiam ser estudados por jovens de 16, 17, 18 anos.
NOVA ESCOLA: Por que há um peso maior em ortografia e gramática?
BERNARD SCHNEUWLY:
Porque é mais fácil dar aulas sobre
esses dois temas. Existem livros didáticos e dicionários disponíveis. No
entanto, muitos educadores não sabem o que fazer no momento de trabalhar
leitura e escrita. Eles precisam de material para isso.
NOVA ESCOLA: É o trabalho que o senhor vem desenvolvendo na Suíça?
BERNARD SCHNEUWLY:
Sim. Em 1990 houve uma demanda oficial do governo para que o grupo de pesquisa
do qual faço parte criasse um material que ajudasse a ensinar expressão escrita
e oralidade. Ao mesmo tempo os docentes diziam, em congressos, que precisavam
lecionar comunicação mas não tinham métodos. O fato de os professores terem
pedido mudanças foi muito importante. Era sinal de que eles estavam prontos
para adaptar-se. Mais do que se tivesse havido uma imposição.
NOVA ESCOLA: Como é o material?
BERNARD SCHNEUWLY:
São quatro volumes. Um destinado para 1ª
e 2ª séries, um para 3ª e 4ª, outro para 5ª e 6ª e o último para 7ª , 8ª e 9ª.
Em todos eles há uma apostila que deve ser usada pelo aluno e outra pelo
professor, escrita para que ele possa usá-la sem dificuldade, com apenas um dia
de treinamento. São cerca de 40 seqüências didáticas para diferentes tipos de
texto: científico, ficção científica, histórias de aventuras, crítica
literária, entre outros.
NOVA ESCOLA: A oralidade também é trabalhada?
BERNARD SCHNEUWLY:
Sim. As crianças a desenvolvem ao fazer
uma entrevista, participar de um debate ou expor um tema para uma platéia, por
exemplo.
NOVA ESCOLA: Recursos como esses conseguem mudar o trabalho do docente? Ou ele precisa de mais formação?
BERNARD SCHNEUWLY:
Esse é um problema importante e sua
solução deve levar um longo tempo. Há dois pontos envolvidos. Um é a formação
inicial. A nova geração tem uma educação melhor e consegue trabalhar da maneira
que propomos com mais facilidade. Por outro lado, há a necessidade de formar
aqueles que já estão na ativa, que são numerosos. Com o material em mãos, a
capacitação pode se dar na teoria e na prática.
NOVA ESCOLA: Como as sequências são usadas?
BERNARD SCHNEUWLY:
A criança entra em contato com vários gêneros de texto que serão vistos
novamente no futuro. Na primeira vez que estuda entrevista, por exemplo, ela
está no 4º ano. Nessa fase, conhece técnicas simples e vai entrevistar um
funcionário do colégio. Ela prepara o questionário mas aprende que, se formular
as questões espontaneamente, conseguirá melhor resultado. Uma folha pode ser
levada com a relação de perguntas de um lado e, no verso, palavras-chave. A
consulta será feita só se houver problemas. Outra dica é perguntar algo sobre o
que o entrevistado acabou de falar, e não apenas emendar uma questão da lista
na outra.
NOVA ESCOLA: Quando esse mesmo tema será visto novamente?
NOVA ESCOLA: Quando esse mesmo tema será visto novamente?
BERNARD SCHNEUWLY:
No 8º ano, só que com técnicas mais elaboradas. Nessa fase, os alunos estão
estudando os diferentes modos de falar. Por isso, têm que entrevistar
estrangeiros que aprendem francês em Genebra, ou especialistas em oralidade,
como um padre ou um advogado. Eles vão ouvir, ler, analisar, observar,
comparar, fazer, escrever. Vão aprender também como redigir a abertura do
artigo, apresentando o entrevistado. Nosso método leva à análise e à produção
de um gênero.
NOVA ESCOLA: O programa se desenvolve em forma de espiral?
BERNARD SCHNEUWLY:
Exatamente. O estudante vê determinado gênero uma vez, depois uma segunda e, às
vezes, até uma terceira. Debates, por exemplo, são estudados na 3ª, na 6ª e na
9ª séries. A primeira coisa que ele aprende é a ouvir o que está sendo dito.
Isso porque é importante usar o que o interlocutor disse, integrando as
palavras dele ao seu próprio discurso. Outra coisa: se uma pessoa fala algo que
deve ser contestado, isso deve ser feito de maneira não agressiva. São muitas
as técnicas.
NOVA ESCOLA: Aprendemos, de maneira natural, os gêneros orais primeiro. Nas aulas eles devem ser ensinados antes dos escritos?
BERNARD SCHNEUWLY:
Eles podem ser vistos ao mesmo tempo. A escola não ensina a falar. E os
brasileiros, particularmente, se expressam muito bem. As crianças daqui são
fantásticas! O que precisamos é prepará-las para situações formais, como um
debate, uma exposição para um grupo. Para nós, pode começar ao mesmo tempo,
porque a escrita ajuda a oralidade e vice-versa.
NOVA ESCOLA: A psicolingüista argentina Emilia Ferreiro defende há mais de 20 anos a utilização de textos variados, principalmente em substituição à cartilha. Há relações entre as idéias defendidas por ela e as suas?
NOVA ESCOLA: A psicolingüista argentina Emilia Ferreiro defende há mais de 20 anos a utilização de textos variados, principalmente em substituição à cartilha. Há relações entre as idéias defendidas por ela e as suas?
BERNARD SCHNEUWLY:
Acho que dizemos a mesma coisa com outro nome. Talvez uma diferença esteja no
fato de que nós, quando trabalhamos com um gênero, nos aprofundamos bastante
nele. Isso leva uma semana, duas, até quatro. Uma outra possível diferença é
que Emilia Ferreiro trabalha apenas com os pequenos e nós, até com os
adolescentes. Mas as idéias provavelmente não são contraditórias. O importante
é que os gêneros representam textos como são vistos nas situações
diárias.
(NE):
Existe um tipo de texto que só é visto na sala de aula?
BERNARD SCHNEUWLY:
Quando você aprende um gênero durante as aulas ele sai da situação social e se
transforma num gênero escolar. Uma entrevista feita nessa situação não é a
mesma coisa que uma realizada por um profissional. Para nós não há problema
nisso, porque acreditamos que a escola é uma instituição social onde as pessoas
aprendem. Então, é absolutamente necessário que faça adaptações. Emilia
Ferreiro critica as cartilhas por serem textos que não existem fora da classe.
Não concordo com ela nesse ponto.
NOVA ESCOLA: Por quê? Isso não é verdade?
BERNARD SCHNEUWLY:
A idéia de Ferreiro é velha porque parece ruim haver diferença entre a vida
real e a escola. É claro que não deve haver uma grande diferença. Mas alguma,
sim. Na escola há uma situação social real para a aprendizagem. Lá pode-se
correr riscos e cometer erros. Um jornal serve para informar as pessoas. Se
você o leva para a sala de aula, ele não está lá mais para esse fim, mas para
ser aprendido. Queiramos ou não, não é mais o mesmo contexto social.
NOVA ESCOLA: Quando um professor leva diversos materiais para a sala de aula, está trabalhando com diferentes gêneros de texto?
NOVA ESCOLA: Quando um professor leva diversos materiais para a sala de aula, está trabalhando com diferentes gêneros de texto?
BERNARD SCHNEUWLY:
Não. Gênero é a forma mais ou menos convencional que um texto assume: uma
entrevista, uma receita culinária, uma história de aventura. Quando você lê um
jornal, por exemplo, há muitos gêneros dentro dele e a criança tem que aprender
isso.
NOVA ESCOLA: Gêneros são conteúdos ou ferramentas de trabalho?
NOVA ESCOLA: Gêneros são conteúdos ou ferramentas de trabalho?
BERNARD SCHNEUWLY:
São os dois. É muito fácil explicar isso quando se pega uma receita culinária.
Ela é um gênero, tem uma certa forma lingüística, uma estrutura, um
vocabulário, mas ao mesmo tempo é, claro, uma ferramenta usada numa situação de
comunicação. Transmite a uma pessoa como se prepara uma omelete, por exemplo.
Sem essas formas estabelecidas, a comunicação seria muito complicada. Se você
não soubesse como é uma entrevista, como seria nossa comunicação nesse momento?
NOVA ESCOLA: Os estudantes expostos a essa metodologia aprendem mais do que a ler e escrever de maneira adequada?
BERNARD SCHNEUWLY:
Com certeza. Por exemplo, quando os ensinamos a escrever uma carta para um
jornal sabemos que, provavelmente, eles não terão necessidade de produzir
muitos textos desse tipo. Mas, nesse processo, aprenderão também a argumentar.
Eles adquirem capacidades, principalmente capacidades gerais de comunicação.
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/ensino-comunicacao-423584.shtml
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