Ao ser lançado, em 1890, O Cortiço teve boa recepção da crítica, chegando a obscurecer escritores do nível de Machado de Assis. Isso se deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar mais em sintonia com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio na Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que relatam a vida em uma habitação coletiva de pessoas pobres (cortiço) na cidade do Rio de Janeiro.
O romance tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do Brasil do século XIX. Evidentemente, como obra literária, ele não pode ser entendido como um documento histórico da época, mas não há como ignorar que a ideologia e as relações sociais representadas de modo fictício nesta obra o que estavam muito presentes no país.
ENREDO O livro narra inicialmente a saga de João Romão rumo ao enriquecimento. Para acumular capital, ele explora os empregados e se utiliza até do furto para conseguir atingir seus objetivos. João Romão é o dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Sua amante, Bertoleza, o ajuda de domingo a domingo, trabalhando sem descanso.
Em oposição a João Romão, surge a figura de Miranda, o comerciante bem estabelecido que cria uma disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra que deseja comprar para aumentar seu quintal. Não havendo consenso, há o rompimento provisório de relações entre os dois.
Com inveja de Miranda, que possui condição social mais elevada, João Romão trabalha ardorosamente e passa por privações para enriquecer mais que seu oponente. Um fato, no entanto, muda a perspectiva do dono do cortiço. Quando Miranda recebe o título de barão, João Romão entende que não basta ganhar dinheiro, é necessário também ostentar uma posição social reconhecida, frequentar ambientes requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler romances, ou seja, participar ativamente da vida burguesa.
No cortiço, paralelamente, estão os moradores de menor ambição financeira. Destacam-se Rita Baiana e Capoeira Firmo, Jerônimo e Piedade. Um exemplo de como o romance procura demonstrar a má influência do meio sobre o homem é o caso do português Jerônimo, que tem uma vida exemplar até cair nas graças da mulata Rita Baiana. Opera-se uma transformação no português trabalhador, que muda todos os seus hábitos.
A relação entre Miranda e João Romão melhora quando o comerciante recebe o título de barão e passa a ter superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar as conquistas do rival, João Romão promove várias mudanças na estalagem, que agora ostenta ares aristocráticos. O cortiço todo também muda, perdendo o caráter desorganizado e miserável para se transformar na Vila João Romão.
O dono do cortiço aproxima-se da família de Miranda e pede a mão da filha do comerciante em casamento. Há, no entanto, o empecilho representado por Bertoleza, que, percebendo as manobras de Romão para se livrar dela, exige usufruir os bens acumulados a seu lado.
Para se ver livre da amante, que atrapalha seus planos de ascensão social, Romão a denuncia a seus donos como escrava fugida. Em um gesto de desespero, prestes a ser capturada, Bertoleza comete o suicídio, deixando o caminho livre para o casamento de Romão.
NARRADOR A obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente, como propunha o movimento naturalista. O narrador tem poder total na estrutura do romance: entra no pensamento dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico.
O foco da narração, a princípio, mantém uma aparência de imparcialidade, como se o narrador se apartasse, à semelhança de um deus, do mundo por ele criado. No entanto, isso é ilusório, porque o procedimento de representar a realidade de forma objetiva já configura uma posição ideologicamente tendenciosa.
ANÁLISE DAS PERSONAGENS
RITA BAIANA, Morena, sensual, tem suas próprias regras, não quer se casar, gostava de autonomia.
Perdida, indigna e perigosa por ser mal caminho para filhas de família.
Na obra em pauta, o registro da mulata degradada em um ambiente sexualizado, marginal e desvantajoso socialmente. As transformações históricas que atravessavam a sociedade da época não levaram a novos critérios para a interpretação das relações raciais, a representação social da mulata, sendo negativo ou positivo continua sendo muito estereotipado.
Na análise desta, vale ressaltar seu estereótipo de mulher baiana, sensualidade e rebeldia, características presentes em toda obra sempre que se refere a esta personagem.
Contrária ao retrato da mulher idealizada romântica, Rita é a mulher independente e rebelde, que diferente de Bertoleza, oprime e seduz os homens, desmoronando a ideia de modelo patriarcal da sociedade em que a mulher era apenas objeto, Rita Baiana criticando até mesmo a instituição casamento vai contra toda uma ordem estabelecida.
Pode-se, com uma análise mais aprofundada, ver que enquanto Bertoleza aparece no livro como negra, Rita Baiana é mulata, caracterizada como bela, sensual perfeita e perfumada e a negra, retinta, feia, suja e ligada ao lado pejorativo do trabalho.
A sensualidade, como uma característica ligada a uma identidade, é uma propriedade e uma marca da mulata, pois a sexualidade costuma ser uma figura de controle ou dominação, pois a caracterizando como mulata, ela se distancia um pouco da condição de negra, escrava e inferior. Por fim, é pertinente salientar como Rita Baiana é representada fisicamente, essa mulata na obra de Aloísio Azevedo, é marcada por muitos adjetivos, utilizando-se da sinestesia para descrever as sensações provocadas pela mulata.
Azevedo ao exibir o “requebrado luxurioso” de Rita Baiana e “movimentos de cobra amaldiçoada”, sexualiza a personagem que envolve o português Jerônimo. Este se hipnotiza com a mulata, a qual o encanta e o torna brasileiro. Não há casamento, eles se “amigam”, isto é apresentado como uma opção de Rita, ela acredita que o marido escraviza sua esposa.
Casar? Protestou a Rita. Nessa não cai a filha de meu pai! Casar? Livra! Pra quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o diabo; pensa logo que a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te livre! Não há como viver cada um senhor e dono do que é seu!
Percebe-se como ela vulgariza o casamento e como é livre, como anda na própria regra e tem domínio dela mesma e ainda assim consegue extrapolar os limites dos padrões da normalidade da época.
BERTOLEZA era quitandeira, crioula, escrava fugida, quando quase tinha sua alforria é iludida por João Romão.
Negra escrava e mulher na condição total de inferioridade, aos pés de João Romão, no romance aparece sempre como submissa e representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante. Trabalhava de domingo a domingo, mas de cara alegre; às quatro da madrugada estava já na labuta de todos os dias, aviando o café para os fregueses e depois preparando o almoço para os trabalhadores da pedreira de João Romão que havia para além de um grande capinzal aos fundos da venda.
Neste trecho, pode-se perceber a condição de escrava em que ela vivia. Ainda é pertinente observar a questão da burguesia que crescia naquela época, onde na obra, João Romão representa a Burguesia e Bertoleza os explorados, afinal Bertoleza dá lucro a João Romão, e trabalha loucamente sem ser recompensada.
JOÃO ROMÃO significa o elemento vitorioso segundo uma seleção das espécies. Ele se modifica, mas ascende na escala social e econômica assumindo os valores tidos como positivos na cultura brasileira.
MIRANDA assumindo sua posição de aristocrata com pequenas variações se mantém e ele atinge o baronato.
JERÔNIMO, depois de atingir o máximo de sua posição de assalariado, envolvido pelos elementos naturais do meio em que passa a viver, entra em decadência e sucumbe sua moral e sua antiga posição. Quando aparece na estalagem de Romão é comparado a um Hércules. A figura mitológica aí não é acidental, mas ganha mais sentido com a fisionomia do personagem depois que entra em decadência. Ele aí chega com ideais de ascensão, pois saíra da roça onde “tinha que sujeitar-se a emparelhar com os negros escravos e viver com eles no mesmo meio degradante, encurralado como uma besta, sem aspirações nem futuro, trabalhando eternamente para outro” (cap. V). Todo esse capítulo é a exaltação das virtudes de Jerônimo como um tipo clássico-mitológico.
POMBINHA E LÉONIE: Pombinha é loira, frágil e delicada. Um tipo diferente entre os negros e mulatos da estalagem. No começo do romance é fraca e doente. Aos 18 anos ainda não menstruara. Tem um noivo, mas sua mãe não lhe permite casar antes que lhe venham as regras. Sua mãe no passado era rica, agora esperava apenas pelo casório da filha para voltar ao seu antigo patamar social.
Pombinha é amiga da rica prostituta Léonie, e só vem a perceber que o interesse desta nela é sexual, no dia em que Léonie lhe cobre de beijos e carícias, envolvendo-a, excitando-a. As duas transam. Depois disso, Pombinha transforma-se, ficando forte e decidida. Casa-se, já sem a antiga ilusão de uma vida perfeita ao lado de um homem. O casamento acaba por não dar certo e ela separa-se, indo morar com Léonie e passando também a se prostituir. Vive aí, o auge de sua felicidade.
DONA ESTELA traía o marido, que por sua vez não se separava dela por querer manter sua postura burguesa perante a sociedade. Neste caso, Azevedo mostra, com fidelidade, a decadência da sociedade que busca viver de aparência ostentando uma condição de vida além de sua dignidade.
O CASAL LEOCÁDIA E BRUNO, este é traído pela esposa Leocádia que não consegue controlar-se diante do belo e rico Henrique. Bruno os flagra, mas não chega a identificar o garoto que é hóspede de Miranda. Bruno expulsa Leocádia de casa e ela tem um filho fruto da traição com o estudante Henrique que nem toma conhecimento. Sem recursos para sobreviver sozinha passa a trabalhar como ama de leite depois, aqui e ali, envolve-se com outros homens, mas acaba sozinha. Bruno dá-se conta de que ama Leocádia e não pode viver sem ela, procura-a e dá início a uma longa reconciliação. Ao final, os dois voltam a viver juntos.
LEANDRA trabalhava, em tarefa totalmente feminina, era lavadeira apelidada de "a machona" era uma portuguesa feroz, berradora, tinha filhos e achavam que era separada do marido.
FLORINDA e sua MÃE MARCIANA: Florinda engravida de um dos caixeiros de João Romão. O rapaz recusa-se a se casar com ela. A mãe de Florinda não aceita o ocorrido e passa a castigar físico e moralmente a filha com agressões constantes. A garota foge de casa, e isso basta para que Marciana mude de comportamento. Fica frágil, chorando todo o tempo, perde a noção da realidade, e entra em estado de depressão e termina num hospício, onde morre sozinha. Florinda passa por vários amantes até encontrar num deles aparente segurança ao final da história.
TEMPO
Nesta obra, o tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas, apesar de ser identificado o processo de/e Proclamação da República. Há, no entanto, que ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de João Romão.
Nesta obra, o tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas, apesar de ser identificado o processo de/e Proclamação da República. Há, no entanto, que ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de João Romão.
ESPAÇO
De acordo com alguns gramáticos literários, a noção de espaço deve ser considerada como uma totalidade. Tal divisão deve ser feita segundo alguns princípios, dentre os quais, os elementos do espaço são os que mais se destacam.
Elementos do espaço aqui é compreendido como sendo as personagens, residências, o meio ecológico. No caso da obra em estudo, temos como espaço principal o cortiço, rodeado por espaços menores que seriam seus habitantes, cada um com suas características e particularidades, diretamente afetados pelo espaço central. Os homens, então, são elementos do espaço, seja na qualidade de trabalhadores, visitantes, moradores ou afins. Em o cortiço, pode-se mesmo afirmar que João Romão, além de homem como microespaço, pode ser visto como uma instituição. Na obra alvo desse estudo, percebe-se a nítida diferenciação socioeconômica de alguns personagens centrais. Tal diferenciação não foi feita ao acaso, ela denota a distribuição espacial e aplicação dos personagens junto ao enredo, e em particular, ao espaço.
O espaço social é constituído de tal forma que os personagens são distribuídos nele em função da sua posição nas distribuições estatísticas, seguindo dois princípios de diferenciação, o capital econômico e o simbólico. Na primeira dimensão, os personagens se organizam de acordo com o volume do capital que dominam, na segunda, de acordo com a estrutura do seu capital.
Em acordo com estas abordagens, fica evidente que o protagonista da história é o próprio cortiço, detentor então das classes sociais mais inferiores, e que somadas todas, denotam o organismo vivo que é o próprio cortiço, bem como os casarões e palacetes que completam, de forma personificada, o espaço, representando as classes sociais mais elevadas.
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