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domingo, 1 de abril de 2012

ANÁLISE DE CASA DE PENSÃO

O QUE FOI O NATURALISMO

O Naturalismo compõe o complexo estilístico dos movimentos que acontecem na segunda metade do século XIX, pertinente citar aqui apenas o Realismo e o Naturalismo.
Aparece inicialmente na França, mas suas ideias aos poucos passam a ter adeptos em outros países europeus, nos Estados Unidos e até mesmo no Brasil.
É uma tendência que, partindo do Realismo, apresenta o homem como produto da raça (hereditariedade), do meio ambiente e do contexto histórico em que está inserido, uma influência das teorias deterministas de Hipólito Adolfo Taine. Além disso, é influenciado pelo estudo da Teoria da Evolução, de Charles Darwin, enfaticamente divulgados na Europa naquele tempo.
O evolucionismo propaga a ideia da origem comum de todos os seres vivos e o processo de seleção natural, ou seja, o predomínio do mais forte sobre o mais fraco. Por esse motivo, acredita-se que só as leis da natureza são válidas para explicar o mundo e que o homem está sujeito a um inevitável condicionamento biológico e social. Assim, determinismo biológico, objetividade científica, patologia social, imparcialidade e materialismo, animalização e erotismo do ser humano são, pois, as bases da visão de mundo do Naturalismo e que constitui suas principais características.


CARACTERÍSTICAS DO ESTILO NATURALISTA

Na estética naturalista, predomina a visão do homem como um ser bestial e degradado, em uma abordagem biológica e instintiva.
A linguagem dos romances naturalistas é coloquial, simples e direta. Para descrever os vícios e as mazelas humanas, presentes em temas relacionados a crimes, à miséria e a intrigas, muitas vezes são utilizadas expressões vulgares. Os personagens representam tipos humanos, como o adultério, o louco, o pobre, a prostituta entre outros, como mostra o fragmento de Casa de Pensão de Aluísio de Azevedo,

Portanto, o Naturalismo reflete ideias, principalmente, do determinismo de Taine e do evolucionismo de Darwin, o que resulta nas características supracitadas que particularizam esta tendência.
Analisando o enredo de CASA DE PENSÃO de Aluísio de Azevedo e de O BOM CRIOULO de Adolfo Caminha, pode-se observar as características do estilo.


CASA DE PENSÃO

ENREDO

A obra foi baseada num fato real que foi a Questão Capistrano, crime que sensibilizou o Rio de Janeiro em 1876/77, envolvendo dois estudantes, em situação muito próxima à da narração de Aluísio Azevedo. Neste livro, o autor estuda as influências da sociedade sobre o indivíduo sem qualquer idealização romântica, retratando rigorosamente a realidade social trazendo para a literatura um Brasil até então ignorada e que a partir do Realismo essa realidade é mostrada.
Autor fiel à tendência naturalista difundida pelo realismo, Aluísio Azevedo focaliza, nesta obra, problemas como preconceitos de classe, de raças, a miséria e as injustiças sociais. Descreve a vida nas pensões “familiares”, onde se hospedavam jovens que vinham do interior para estudar na capital. Diferente do Romantismo, o Naturalismo enfatiza o lado patológico do ser humano, as perversões dos desejos e o comportamento das pessoas influenciado pelo meio em que vivem.
Amâncio da Silva Bastos de Vasconcelos, rapaz rico e provinciano abandona o Maranhão e segue de navio para a corte no Rio de Janeiro a fim de se encaminhar nos estudos e na vida. É um provinciano que sonha com os deslumbramentos da Corte. Chega cheio de ilusões e vazio de propósitos para estudar. Indiferente, como sempre fora com o filho, o pai alegava para a esposa, D. Ângela, que ficara muito chorosa e apreensiva com a viagem do filho, que o rapaz tinha que se tornar um homem.
Amâncio começa morando em casa do sr. Campos, amigo do Pai e, forçado, se matricula na Escola de Medicina. Ia começar agora uma vida livre para compensar o tempo em que viveu escravizado às imposições do pai e do professor, o implacável Pires.
Por convite de João Coqueiro, proprietário de uma casa de pensão, junto com a sua velhusca mulher Mme. Brizard, muda-se para lá. É tratado com as maiores preferências já que queriam aproveitar o máximo do dinheiro do rapaz e ainda arranjar o seu casamento com Amélia, irmã de Coqueiro. Um sujo jogo de baixos interesses, sobretudo de dinheiro. Naquele ambiente, tudo concorreria para fazer explodir a super-sensualidade do maranhense.
A casa de pensão era um amontoado de gente, em promiscuidade generalizada, apesar da hipócrita moralidade pregada pelo seu dono, havia miséria física e moral, clara e oculta. Com a chegada de Amâncio, a pensão passou a arapuca para prender nos seus laços o jovem, “inesperto” e rico estudante, pegar o seu dinheiro e casá-lo com a irmã do Coqueiro. Para alcançar o fim, todos os meios eram absolutamente lícitos. Amélia, principalmente quando da doença do rapaz, se desdobrou nos mais íntimos cuidados. Até que se tornou, disfarçadamente, sua amante. Sempre mantendo as aparências do maior respeito exigido dentro da pensão pelo João Coqueiro...
O pai de Amâncio morre no Maranhão. Ele pretendia voltar, a pedido da mãe para vê-la e ver os negócios que o pai deixara, logo que terminassem os seus exames de medicina. Mas o rapaz ficou preso à casa de pensão e a Amélia que o ameaça e só permite sua ida ao Maranhão, depois do casamento. Amâncio prepara sua viagem às escondidas mas, no dia do embarque, um oficial e justiça acompanhado de policiais o prende para apresentação à delegacia e prestação de depoimentos. Amâncio é acusado de sedutor da moça. João Coqueiro prepara tudo e o caso foi entregue ao famoso e desonesto advogado Dr. Teles de Moura que forja duas testemunhas contra o rapaz. Começa o enredado processo em uma confusão de mentiras, de fingimentos, de maucaratismo contra o jovem rico e desfrutável para os interesses pecuniários de Mme. Brizard e seu marido João Coqueiro. Há uma repercussão geral na imprensa e na maioria dos estudantes carioca que se colocam ao lado de Amâncio. O senhor Campos prepara-se para ajudar o seu protegido, mas Coqueiro lhe faz chegar às mãos uma carta comprometedora que Amâncio escrevera à sua senhora, D. Hortênsia. Este se coloca contra Amâncio uma vez que este não soube respeitar a casa que o acolheu.
Três meses depois de iniciado o processo, Amâncio é absolvido e é levado em triunfo para um almoço, no Hotel Paris.

"Amâncio passava de braço a braço, afagado, beijado, querido, como uma mulher famosa."

AZEVEDO, Aluísio. Casa de Pensão. Ministério da Cultura - Fundação Biblioteca Nacional - Departamento Nacional do Livro. p. 118.

Todo mundo olhava com curiosidade e admiração o estudante absolvido, atiravam-lhe flores, ouviam-se vivas ao estudante e à Liberdade, os músicos alemães tocaram a Marselhesa, parecia um carnaval carioca.
Em outro plano, Coqueiro, sozinho, vendo e ouvindo tudo, a alma envenenada de raiva. Em casa o sermão da mulher que o acusava de todo o fracasso, as testemunhas cobravam o pagamento pelo seu depoimento, um inferno dentro e fora dele. Chegaram cartas anônimas com as maiores ofensas. Acuado, pegou, na gaveta, o revólver que era de seu pai e pensou em se matar. Carregou a arma acertou o cano no ouvido, mas não teve coragem. Debaixo de sua janela, gritavam injúrias pela sua covardia e mau caráter. No dia seguinte, de manhã cedo, saiu apressado e foi ao Hotel Paris. Bateu no quarto II, onde se encontrava o estudante com a rapariga Jeanete. Esta abriu a porta e Coqueiro pode ver Amâncio que dormia sossegadamente depois da festa e da bebedeira, de barriga para cima. Coqueiro atirou a queima-roupa, Amâncio passa a mão no peito, abre os olhos, não vê mais ninguém e ainda diz uma palavra: "mamãe”... e morre.
Coqueiro tentou fugir, mas foi agarrado por um policial. A cidade se enche de comentários. Muitos visitam o necrotério para ver o cadáver de Amâncio. Vendem-se retratos do morto. Um funeral grandioso com a presença de políticos, notícias e necrológicos nos jornais, a cidade toda abalada. A tragédia tomou conta de todos.
A opinião pública começa a flutuar, a mudar de posição, afinal, João Coqueiro tinha lavado a honra da irmã...
Quando D. Ângela, envelhecida e enlutada, chega ao Rio de Janeiro, se viu no meio da confusão, procurando o filho. Numa vitrine, descobriu o retrato do filho "na mesa do necrotério, com o tronco nu, o corpo em sangue.” Uma legenda: "Amâncio de Vasconcelos, assassinado por João Coqueiro, no Hotel Paris...”

FOCO NARRATIVO

O autor escolheu o seu ponto de vista narrativo, a terceira pessoa do singular, um narrador onisciente e onipotente, fora do elenco dos personagens. Como um observador atento e minucioso dentro das próprias fórmulas apertadas do naturalismo. No caso deste romance, Aluísio Azevedo trabalhou muito servilmente sobre os fatos absolutamente reais.



PERSONAGENS

Como CASA DE PENSÃO foi inspirado na Questão Capistrano, que se encontra nos anexos deste estudo, os personagens, sob nomes fictícios, escondem pessoas reais que viveram a supracitada questão.
Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos - (João Capistrano da Silva) estudante, acusado de sedução. Foi absolvido.
Amélia ou Amelita - (Júlia Pereira) a moça seduzida, pivô da tragédia.
Mme. Brizard - (D. Júlia Clara Pereira, mãe da moça e do rapaz, assassino) é uma viúva, dona da casa de pensão. 
João Coqueiro - Janjão - (Antônio Alexandre Pereira, irmão da moça Júlia Pereira e assassino de João Capistrano. Foi também absolvido).
Dr. Teles de Moura - (Dr. Jansen de Castro Júnior) advogado da família da moça.
Na obra, CASA DE PENSÃO as personagens se constituem como parcela da sociedade e por meio delas são apontados comportamentos condenáveis, os principais são
AMÂNCIO DA SILVA BASTOS E VASCONCELOS é um jovem dissimulado, com traços de complexo de Édipo, que sai do Maranhão para o Rio de Janeiro, na intenção de estudar Medicina. Tem no espírito as marcas da injustiça do mundo e um irreversível talento para se apaixonar por mulheres casadas. Aos 21 anos, acaba de deixar a casa com a figura amorosa de sua mãe e o regulador velho Vasconcelos, e passa a viver em outro núcleo familiar, cuja base são as relações financeiras, de interesse, sem vínculo afetivo. Hospeda-se na casa do senhor Campos, um funcionário público bem posicionado na vida e que muito deve à família de Amâncio. Mesmo que a esposa de Campos, dona Hortênsia, não tenha concordado com a hospedagem, por não confiar em estudantes, ela acaba aceitando. No meio do caminho, porém, ele se muda para a Casa de Pensão de Madame Brizard, e lá se vê uma variedade de moradores que mostra o centro da história - acrescenta ao cenário às teias da promiscuidade, desvios comportamentais, vícios, e toda sorte de jogos de interesses...
Sr. VASCONCELOS é o pai de Amâncio, um português que ainda cultiva um comportamento tradicionalista e austero, cujo objetivo é fazer do filho um “homem”, ou seja, o homossexualismo já é latente na sociedade da época. Percebe-se isso no medo que Vasconcelos tem do filho se tornar efeminado.
D. ÂNGELA é a mãe de Amâncio, uma mulher doce e dedicada, uma “santa”. Fica claro o sentimento materno e a despreocupação com os comportamentos que sociedade possui e a influência que pode desviar o filho.
PROFESSOR ANTÔNIO PIRES foi o primeiro professor de Amâncio, era um homem grosseiro, rigoroso, batia nas crianças por gosto, por um hábito do ofício. Logo percebe-se que a escola já possuía a função de preparar para a vida ignorando os sentimento e priorizando “apenas” a conduta moral.
JOÃO COQUEIRO era estudante da Politécnica, quando conheceu Amâncio, dono da pensão na qual Amâncio foi morar a convite do “amigo”. Coqueiro é quem trama o casamento de Amâncio com a irmã. A partir do comportamento de João Coqueiro percebe-se o jogo de interesses e a falta de escrúpulos da sociedade carioca da época.
MAÉLIA era a irmã de João Coqueiro, era a sedutora e interesseira. Foi quem pôs em prática o plano do irmão e da cunhada.
Mme BRIZARD era esposa de João Coqueiro e cunhada de Amália e se apresenta como gananciosa a ponto de usar a cunhada como objeto negociável. Fica claro que o ser humano vale o que possui, não importando valor moral e sim o material.
RITA BAIANA é uma personagem que aparece no início da obra e reaparece em O Cortiço, em ambos os romances possui comportamento similar. Este fato reitera o comportamento da sociedade carioca da época.

LINGUAGEM

Uma técnica comum ao escritor naturalista é o abuso dos pormenores descritivo-narrativos de tal modo que a história caminha devagar, lerda e até monótona. É a necessidade de juntar detalhes para dar ao leitor uma impressão segura de que tudo é pura realidade. Essas minúcias se estendem a episódios, a personagens e a ambientes. Num episódio, por exemplo, há minúcias de tempo, local e personagens, os móveis de uma sala até os objetos mais miúdos.
Não se pode dizer que a linguagem do romance é regionalista, pelo contrário, o padrão da língua usada é geral e a organização frasal/oracional, a estrutura morfossintática é completamente fiel aos padrões da língua portuguesa da época, segundo a velha gramática portuguesa.
Aluísio Azevedo também usa alguns recursos desconhecidos da língua portuguesa do Brasil, principalmente na língua oral. Assim, por exemplo, o caso da apossínclise "Há anos que me não encontro com o amigo." (Há anos que não me...) "Se me não engano, você está certo.", "Que se não deixasse levar pelos pândegos...","... o que lhe não desejo", "Amâncio já se não lembrava", "... porque ela se não desprendesse logo", "São dessas coisas que se não explicam" e "... hás de ver que te não faltará nada" (104)
Em Casa de Pensão o uso da apossínclise é um hábito comum.

ESPAÇO
Na narrativa CASA DE PENSÃO o espaço assume uma importância preponderante na trajetória do provinciano Amância.sabe-se que em uma narrativa, o espaço pode ser dividido em micro e macroespaço, sendo que aqui macroespaço é entendido como a cdade do Rio de Janeiro e o(s) microespaço(s) compreendido(s) como como os lugares em que amâncio frequentava buscando satisfação para suas necessidades ansiedades e delírios “adolescentes.
Deste modo, cada microespaço contribuiu de forma significativa com o avultamento do comportamento boêmio do personagem e o afastamento de seu maior objetivo que motivou sua ida ao Rio de Janeiro.
Destarte, o ambiente da Casa de Pensão oferecia/contribuía com o declínio tanto de Amância quanto da hipocrisia na/da própria casa assim como da sociedade carioca da época.


QUESTÃO CAPISTRANO


Notório crime passional ocupou as manchetes dos jornais cariocas e foi inspiração para o enredo do romance "Casa de Pensão"
Em janeiro de 1876, a cidade do Rio de Janeiro foi assolada pela notícia de um crime envolvendo dois amigos. A história, que tomou ares de novela ao dividir opiniões, suscitar debates e causar comoção, ficou conhecida como Questão Capistrano, devido ao sobrenome de um dos jovens envolvidos na tragédia.
Pode-se considerar que o caso de polícia, protagonizado pelos inseparáveis amigos João Capistrano da Cunha e Antônio Alexandre Pereira, foi popularizado porque continha todos os ingredientes de uma boa trama: romance, amizade, honra, vingança e assassinato. Assim, a opinião pública envolveu-se nos acontecimentos, dividiu-se em juízos, mas, sobretudo, polemizou.
O tema mereceu destaque na biografia de Aluísio Azevedo escrita por Raimundo de Menezes que, no capítulo "O crime do estudante Capistrano", relata as minúcias do acontecido. Eis como o enredo que inspirou o romance "Casa de Pensão", de Aluísio Azevedo, principia...
A viúva baiana Júlia Clara Pereira, com dificuldades para sustentar as despesas da família somente com a quantia advinda das aulas de piano, delibera alugar outra casa, maior e mais confortável, que lhe possibilitaria alugar alguns quartos e, com isso, prosperar sua renda mensal. Assim, muda-se com os filhos Antônio Alexandre Pereira e Júlia Pereira para a rua do Alcântara, sob o número 71, local em que estabelece uma casa de pensão.
Entre os primeiros pensionistas encontra-se o paranaense João Capistrano da Cunha, colega de Antônio Alexandre na Escola Politécnica, considerado confiável e, portanto, acolhido carinhosamente no seio da família Pereira.
Com o convívio cotidiano, Capistrano e Júlia enlaçam um namoro, no qual a concupiscência leva o desventurado jovem a adentrar o quarto da moça, em uma madrugada de janeiro de 1876, e no ímpeto violentá-la.
Após a filha relatar o acontecido na noite anterior, Dona Júlia exige explicações do estudante que, com pretextos, intenta adiar o matrimônio, compromisso que repararia o dano causado. Feita a promessa, João Capistrano atravessa semanas e meses sem movimentar-se no sentido do cumprimento de sua palavra até que desaparece de vez, sem deixar notícias. Com isso, a família apresenta queixa-crime na delegacia mais próxima, acompanhados do causídico dr. Jansen de Castro Júnior, para pleitear uma indenização de 50 contos pelo prejuízo à honra da menina Júlia.
O julgamento tem início e a imprensa não tarda em estampar seus desdobramentos nas colunas diárias sobre o caso, inflamando a opinião pública a se manifestar ora a favor do casamento reparador dos danos causados ora a favor da imputação de uma severa pena ao jovem sedutor.
No Tribunal, João Capistrano da Cunha tem como defensores os advogados Busch Varela e Duque Estrada Teixeira, além do conselheiro Saldanha Marinho. Figura como promotor público interino o dr. Ferreira de Oliveira, que produz vigorosa acusação. Completando o cenário, tem-se uma agigantada massa popular desejosa de acompanhar os detalhes do julgamento.
Após a contestação do dr. Bush Varela, há a réplica do promotor, seguida pelos dizeres de Duque Estrada Teixeira e Saldanha Marinho. O resultado dos enérgicos debates é a absolvição do jovem Capistrano que, para festejar o veredicto favorável, reúne os amigos no Hotel Paris, em festança exuberante comentada por toda sociedade fluminense.
Para Antônio Alexandre, a irresignável sentença demandaria que ele próprio tomasse uma atitude para restaurar a honra de sua família e, principalmente, de sua irmã, cujo incessante choro denota a vergonha e a profunda prostração. Deste modo, articula por três dias uma possível solução que impusesse ao ex-amigo uma lição.
Assim, o irmão inconformado sai à procura do estudante, encontrando-o à rua da Quitanda, quando caminhava para casa de um negociante. Empunhando uma arma de 25 cápsulas, atira em João Capistrano pelas costas, ceifando-lhe a vida em plena luz do dia. E, após tentar sem sucesso a fuga, é preso em flagrante e entregue à Justiça.
Os alunos da Politécnica, comovidos pelo crime e enlutados, homenageiam o falecido, tornando o enterro praticamente uma glorificação pública. Até o próprio Visconde do Rio Branco, diretor da Escola, suspende as aulas por dois dias.
Pelo assassinato, Antônio Alexandre é levado a julgamento a 20 de janeiro de 1877 e tem a defesa elaborada pelo já conhecido dr. Jansen de Castro Jr. Neste momento, o público que alimentava antipatias pela família Pereira, compadece-se pelo irmão que agiu em defesa da honra. Com isso, o mesmo júri que remiu Capistrano também absolveu seu assassino... por unanimidade de votos! E, por paradoxal que pareça, aqueles que na véspera homenageavam o colega morto foram quem também ovacionaram o amigo que ganhava a liberdade.

JORNAIS DA ÉPOCA

Na Gazeta de Notícias, de 20 de novembro de 1876, lia-se:
"A população de nossa cidade foi ontem sobressaltada por um triste acontecimento, terrível desenlace de um drama, que há pouco, todos presenciamos e que além de duas famílias, veio encher de luto a mocidade acadêmica, roubando-lhe um de seus membros.
(...)
Às dez horas da manhã, na rua da Quitanda, o estudante da escola Politécnica João Capistrano da Cunha, que há três dias o júri absolveu da acusação de ter violentado D. Júlia, foi assassinado com dois tiros de revólver por Alexandre Pereira, irmão de D. Júlia."
Já o conservador Jornal do Comércio, sob o título ASSASSINATO CAPISTRANO, assim mesmo, em caixa alta, estampava em suas páginas do dia 21 de novembro:
"Ontem, logo depois do meio-dia, algumas ruas das mais centrais, e com especialidade a da Quitanda..."
E segue o relato, em linguagem esmerada, que lembra a da ficção, para finalmente fechar o texto informando que os advogados que cuidaram da defesa e absolvição de Capistrano levaram-no ao cemitério:
"Carregaram a princípio o caixão os Srs. conselheiro Saldanha Marinho, Drs. Duque Estrada Teixeira, Busch Varela, Pinto Júnior e os Srs. Matos Cruz e Nunes de Sá. Era na verdade uma cena bem comovente aquele féretro, rodeado de mancebos que, trajados de preto e com a tristeza estampada no rosto iam levar à última morada o companheiro de todos os dias, tanto nas árduas lidas do estudo, como nos descuidosos prazeres da mocidade."

DA REALIDADE À FICÇÃO
Observa-se, portanto, que o crime foi narrado por vários gêneros diferentes, mostrando-se arqueável e apto a transitar na convergente fronteira da realidade jornalística e da ficção literária. Assim, a Questão Capistrano resgata a dicotomia emblemática da fatualidade e da ficção, exemplificada com maestria na trama naturalista de Aluísio Azevedo.

OBS.: Texto acima é a versão original encontrada no link abaixo.


Referências Bibliográficas

Fontes:

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