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segunda-feira, 30 de abril de 2012

LETRAMENTO



ANTONIO PAIVA RODRIGUES





Letramento, uma palavra muito em voga nos dias atuais. Professores e pedagogos estão se especializando nessa área da língua portuguesa. Diversos autores e conhecedores do assunto definem com especificidade a sinonímia da palavra. Muitos dicionários não especificam a palavra, só aqueles mais completos. Considera-se letramento o processo de aprendizado do uso da tecnologia da língua escrita. Um dos significados usuais para esse processo de aprendizagem tem como significado os atributos em que a criança pode usar os recursos da língua escrita em momentos de fala, mesmo antes de ser alfabetizada. Esse aprendizado se dá a partir da convivência dos indivíduos (crianças, adultos), com materiais escritos disponíveis - livros, revistas, cartazes, rótulos de embalagens e outros. Práticas de leitura e de escrita da sociedade em que se inscrevem, resultando no fruto do grau de familiaridade e convívio do indivíduo com os textos escritos em seu meio. Esse processo acontece pela mediação de uma pessoa mais experiente através dos bens materiais e simbólicos criados em sociedade. Estudiosos afirmam que são muitos os fatores que interferem na aprendizagem da língua escrita, porém estudos recentes incluem entre estes fatores o nível de letramento.
Paulo Freire afirma que na verdade, o domínio sobre os signos lingüísticos escritos, mesmo pela criança que se alfabetiza, pressupõe uma experiência social que o precede a da 'leitura' do mundo, que aqui chamamos de letramento. Contumaz o verdadeiro interesse do estudo do letramento, uma dúvida surge como uma semente que acaba de romper e dá os primeiros sinais de vida. Existe um diferencial entre o letramento e a alfabetização? Estudiosos em educação afirmam ser a alfabetização o processo de descoberta do código escrito pela criança letrada é mediado pelas significações que os diversos tipos de discursos têm para ela, ampliando seu campo de leitura através da alfabetização. Antigamente, acreditava-se que a criança era iniciada no mundo da leitura somente ao ser alfabetizada, pensamento este ultrapassado pela concepção de letramento, que leva em conta toda a experiência com leitura que a criança tem, antes mesmo de ser capaz de ler os signos escritos.  Afirmam alguns mestres em educação em nosso Estado e no País, que o brasileiro não gosta de ler, seria oportuno o enquadramento do letramento no currículo escolar.
Letrado - palavra de derivação latina litteratu pode ser adjetivada como homem versado em letras; erudito, individuo letrado; literato (Profissional da literatura; escritor) e jurisconsulto. Chegamos à conclusão que o estudo aprofundado do letramento facilitaria o desempenho das pessoas na escrita, na assimilação da leitura e discernir melhor aquilo que estudou para por em prática. O letramento sempre será o fator determinante de uma boa alfabetização, sem grandes entraves e conflitos, portanto a criança precisa, antes de qualquer método eficaz de alfabetização, de uma bagagem rica em variedade de discursos nos mais variados gêneros. Fazendo uma pesquisa bem apropriada para o assunto encontramos uma definição bem atual para o letramento, que é uma tradução para o português da palavra inglesa “literacy” que pode ser traduzida como a condição de ser letrado. Um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado. Alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; letrado é aquele que sabe ler e escrever, mas que responde adequadamente às demandas sociais da leitura e da escrita. Alfabetizar letrando é ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, assim o educando deve ser alfabetizado e letrado. A linguagem é um fenômeno social, estruturada de forma ativa e grupal do ponto de vista cultural e social. A palavra letramento é utilizada no processo de inserção numa cultura letrada. Hoje no Brasil não se considera mais como alfabetizado quem apenas consegue ler e escrever seu nome, como era no passado, mas quem sabe escrever um bilhete simples (IBGE, 2000). Fica a dúvida do que se acredita ser um bilhete simples pelos órgãos oficiais que avaliaram por amostragem estatística os níveis de alfabetização do Brasil. Sendo assim, letramento decorre das práticas sociais que leituras e escritas exigem-nos diferentes contextos que envolvem a compreensão e expressão lógica e verbal. É a função social da escrita. (Wikipédia). A palavra letramento ainda não está dicionarizada, porque foi introduzida muito recentemente na língua portuguesa, tanto que quase podemos datar com precisão sua entrada na nossa língua, identificar quando e onde essa palavra foi usada pela primeira vez. Parece que a palavra letramento apareceu pela primeira vez no livro de Mary Kato: No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística, de 1986.
Existe uma diferenciação entre saber ler e escrever? Há, assim, uma diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever, ser letrado (atribuindo a essa palavra o sentido que tem literate em inglês). Ou seja: a pessoa que aprende a ler e a escrever - que se torna alfabetizada - e que passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita - que se tornam letradas - é diferente de uma pessoa que ou não sabe ler e escrever - é analfabeta - ou, sabendo ler e escrever, não faz uso da leitura e da escrita - é alfabetizada, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita. Depois da referência de Mary Kato, em 1986, a palavra letramento aparece em 1988, no livro que, pode-se dizer, lançou a palavra no mundo da educação, dedica páginas à definição de letramento e busca distinguir letramento de alfabetização: é o livro (Adultos não alfabetizados - o avesso do avesso), de Leda Verdiani Tfouni (São Paulo, Pontes, 1988, Coleção Linguagem/Perspectivas) um estudo sobre o modo de falar e de pensar de adultos analfabetos. É um assunto assaz interessante, mas precisaríamos escrever uma enciclopédia falando estritamente em letramento e sua importância na alfabetização. Como tudo no mundo precisa-se de exemplos aqui inserimos um que diz: Retomemos a grande diferença entre alfabetização e letramento, entre alfabetizado e letrado: um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita.
Poderia ser um intelectual das letras? Talvez sim. É importante afirmar que o Letramento é igual ao estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. É interessante que se frise: Termos despertado para o fenômeno do letramento - estarmos incorporando essa palavra ao nosso vocabulário educacional - significa que já compreendemos que nosso problema não é apenas ensinar a ler e a escrever, mas é, também, e, sobretudo, levar os indivíduos - crianças e adultos - a fazer uso da leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita. É ser amigo dos livros; dissecá-los, fazer uma bela leitura e repassar para quem não possui esse dom os ensinamentos que o letramento nos oferece.



A IMPORTÂNCIA DO LETRAMENTO




 Conhecer as letras é apenas um caminho para o letramento , que é o uso social da leitura e da escrita. Para formar cidadãos atuantes , é preciso conhecer a importância da informação sobre letramento e não de alfabetização. Letrar significa colocar a criança no mundo letrado, trabalhando com os distintos usos de escrita na sociedade. Essa inclusão começa muito antes da alfabetização, quando a criança começa a interagir socialmente com as práticas de letramento no seu mundo social. O letramento é cultural, por isso muitas crianças já vão para a escola com o conhecimento alcançado de maneira informal absorvido no cotidiano. Ao conhecer a importância do letramento, deixamos de exercitar o aprendizado automático e repetitivo, baseado na descontextualização. Os  pais exercem uma grande influência neste processo pois é através deles que as crianças se sentem motivadas a explorar este mundo letrado.
Na escola a criança deve interagir firmemente com o caráter social da escrita e ler e escrever textos significativos. A alfabetização se ocupa da aquisição da escrita pelo indivíduo ou grupos de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. Neste momento o professor entra com um papel muito importante que é os de motivador e facilitador oferecendo ao aluno recursos significativos que permitam que ele aprenda de forma natural e prazerosa.
A alfabetização deve se desenvolver em um contexto de letramento como início da aprendizagem da escrita, como desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, e de atitudes de caráter prático em relação a esse aprendizado; entendendo que a alfabetização e letramento, devem ter tratamento metodológico diferente e com isso alcançar o sucesso no ensino aprendizagem da língua escrita, falada e contextualizada nas nossas escolas.
Letramento é informar-se através da leitura, é buscar notícias e lazer nos jornais, é interagir selecionando o que desperta interesse. Letramento é ler histórias com o livro nas mãos, é emocionar-se com as histórias lidas, e fazer, dos personagens, os melhores amigos. Letramento é descobrir a si mesmo pela leitura e pela escrita, é entender quem a gente é e descobrir quem podemos ser. 







ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO:
REPENSANDO O ENSINO DA LÍNGUA ESCRITA


Silvia M. Gasparian Colello
FEUSP
silvia.colello@uol.com.br

Se, no início da década de 80, os estudos acerca da psicogênese da língua escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetização, longe de ser a apropriação de um código, envolve um complexo processo de elaboração de hipóteses sobre a representação lingüística; os anos que se seguiram, com a emergência dos estudos sobre o letramento [i] , foram igualmente férteis na compreensão da dimensão sócio-cultural da língua escrita e de seu aprendizado. Em estreita sintonia, ambos os movimentos, nas suas vertentes teórico-conceituais, romperam definitivamente com a segregação dicotômica entre o sujeito que aprende e o professor que ensina. Romperam também com o reducionismo que delimitava a sala de aula como o único espaço de aprendizagem.
Reforçando os princípios antes propalados por Vygotsky e Piaget, a aprendizagem se processa em uma relação interativa entre o sujeito e a cultura em que vive. Isso quer dizer que, ao lado dos processos cognitivos de elaboração absolutamente pessoal (ninguém aprende pelo outro), há um contexto que, não só fornece informações específicas ao aprendiz, como também motiva, dá sentido e “concretude” ao aprendido, e ainda condiciona suas possibilidades efetivas de aplicação e uso nas situações vividas. Entre o homem e o saberes próprios de sua cultura, há que se valorizar os inúmeros agentes mediadores da aprendizagem (não só o professor, nem só a escola, embora estes sejam agentes privilegiados pela sistemática pedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade assumida).
O objetivo do presente artigo é apresentar o impacto dos estudos sobre o letramento para as práticas alfabetizadoras.  
Capitaneada pelas publicações de Angela Kleiman, (95) Magda Soares (95, 98) e Tfouni (95), a concepção de letramento contribuiu para redimensionar a compreensão que hoje temos sobre: a) as dimensões do aprender a ler e a escrever; b) o desafio de ensinar a ler e a escrever; c) o significado do aprender a ler e a escrever, c) o quadro da sociedade leitora no Brasil d) os motivos pelos quais tantos deixam de aprender a ler e a escrever, e e) as próprias perspectivas das pesquisas sobre letramento.


AS DIMENSÕES DO APRENDER A LER E A ESCREVER

Durante muito tempo a alfabetização foi entendida como mera sistematização do “B + A = BA”, isto é, como a aquisição de um código fundado na relação entre fonemas e grafemas. Em uma sociedade constituída em grande parte por analfabetos e marcada por reduzidas práticas de leitura e escrita, a simples consciência fonológica que permitia aos sujeitos associar sons e letras para produzir/interpretar palavras (ou frases curtas) parecia ser suficiente para diferenciar o alfabetizado do analfabeto.
Com o tempo, a superação do analfabetismo em massa e a crescente complexidade de nossas sociedades fazem surgir maiores e mais variadas práticas de uso da língua escrita. Tão fortes são os apelos que o mundo letrado exerce sobre as pessoas que já não lhes basta a capacidade de desenhar letras ou decifrar o código da leitura. Seguindo a mesma trajetória dos países desenvolvidos, o final do século XX impôs a praticamente todos os povos a exigência da língua escrita não mais como meta de conhecimento desejável, mas como verdadeira condição para a sobrevivência e a conquista da cidadania. Foi no contexto das grandes transformações culturais, sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que o termo “letramento” surgiu [ii] , ampliando o sentido do que tradicionalmente se conhecia por alfabetização (Soares, 2003).
Hoje, tão importante quanto conhecer o funcionamento do sistema de escrita é poder se engajar em práticas sociais letradas, respondendo aos inevitáveis apelos de uma cultura grafocêntrica. Assim,
Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de uma sociedade (Tfouni, 1995, p. 20).
Com a mesma preocupação em diferenciar as práticas escolares de ensino da língua escrita e a dimensão social das várias manifestações escritas em cada comunidade, Kleiman, apoiada nos estudos de Scribner e Cole, define o letramento como
... um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos. As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de  prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita. (1995, p. 19)
Mais do que expor a oposição entre os conceitos de “alfabetização” e “letramento”, Soares valoriza o impacto qualitativo que este conjunto de práticas sociais representa para o sujeito, extrapolando a dimensão técnica e instrumental do puro domínio do sistema de escrita:
Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos (In Ribeiro, 2003, p. 91).
Ao permitir que o sujeito interprete, divirta-se, seduza, sistematize, confronte, induza, documente, informe, oriente-se, reivindique, e garanta a sua memória, o efetivo uso da escrita garante-lhe uma condição diferenciada na sua relação com o mundo, um estado não necessariamente conquistado por aquele que apenas domina o código (Soares, 1998). Por isso, aprender a ler e a escrever implica não apenas o conhecimento das letras e do modo de decodificá-las (ou de associá-las), mas a possibilidade de usar esse conhecimento em benefício de formas de expressão e comunicação, possíveis, reconhecidas, necessárias e legítimas em um determinado contexto cultural. Em função disso,
Talvez a diretriz pedagógica mais importante no trabalho (...dos professores), tanto na pré-escola quanto no ensino médio, seja a utilização da escrita verdadeira [iii] nas diversas atividades pedagógicas, isto é, a utilização da escrita, em sala, correspondendo às formas pelas quais ela é utilizada verdadeiramente nas práticas sociais. Nesta perspectiva, assume-se que o ponto de partida e de chegada do processo de alfabetização escolar é o texto: trecho falado ou escrito, caracterizado pela unidade de sentido que se estabelece numa determinada situação discursiva. (Leite, p. 25)



O DESAFIO DE ENSINAR A LER E A ESCREVER

Partindo da concepção da língua escrita como sistema formal (de regras, convenções e normas de funcionamento) que se legitima pela possibilidade de uso efetivo nas mais diversas situações e para diferentes fins, somos levados a admitir o paradoxo inerente à própria língua: por um lado, uma estrutura suficientemente fechada que não admite transgressões sob pena de perder a dupla condição de inteligibilidade e comunicação; por outro, um recurso suficientemente aberto que permite dizer tudo, isto é, um sistema permanentemente disponível ao poder humano de criação (Geraldi, 93).
Como conciliar essas duas vertentes da língua em um único sistema de ensino? Na análise dessa questão, dois embates merecem destaque: o conceitual e o ideológico.
1) O embate conceitual
Tendo em vista a independência e a interdependência entre alfabetização e letramento (processos paralelos [iv] , simultâneos ou não [v] , mas que indiscutivelmente se complementam), alguns autores contestam a distinção de ambos os conceitos, defendendo um único e indissociável processo de aprendizagem (incluindo a compreensão do sistema e sua possibilidade de uso). Em uma concepção progressista de “alfabetização” (nascida em oposição às práticas tradicionais, a partir dos estudos psicogenéticos dos anos 80), o processo de alfabetização incorpora a experiência do letramento e este não passa de uma redundância em função de como o ensino da língua escrita já é concebido. Questionada formalmente sobre a “novidade conceitual” da palavra “letramento”, Emilia Ferreiro explicita assim a sua rejeição ao uso do termo:
Há algum tempo, descobriram no Brasil que se poderia usar a expressão letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a perceber a função social do texto. Acreditar nisso é dar razão à velha consciência fonológica. (2003, p. 30)
Note-se, contudo, que a oposição da referida autora circunscreve-se estritamente ao perigo da dissociação entre o aprender a escrever e o usar a escrita (“retrocesso” porque representa a volta da tradicional compreensão instrumental da escrita). Como árdua defensora de práticas pedagógicas contextualizadas e signifcativas para o sujeito, o trabalho de Emília Ferreiro, tal como o dos estudiosos do letramento, apela para o resgate das efetivas práticas sociais de língua escrita o que faz da oposição entre eles um mero embate conceitual.
Tomando os dois extremos como ênfases nefastas à aprendizagem da língua escrita (priorizando a aprendizagem do sistema ou privilegiando apenas as práticas sociais de aproximação do aluno com os textos), Soares defende a complementaridade e o equilíbrio entre ambos e chama a atenção para o valor da distinção terminológica:
Porque alfabetização e letramento são conceitos freqüentemente confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo que é importante também aproximá-los: a distinção é necessária porque a introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo  de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque  não só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro  do conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (2003, p. 90)
Assim como a autora, é preciso reconhecer o mérito teórico e conceitual de ambos os termos. Balizando o movimento pendular das propostas pedagógicas (não raro transformadas em modismos banais e mal assimilados), a compreensão que hoje temos do fenômeno do letramento presta-se tanto para banir definitivamente as práticas mecânicas de ensino instrumental, como para se repensar na especificidade da alfabetização. Na ambivalência dessa revolução conceitual, encontra-se o desafio dos educadores em face do ensino da língua escria: o alfabetizar letrando.
2) O embate ideológico
Mais severo do que o embate conceitual, a oposição entre os dois modelos descritos por Street (1984) [vi] representa um posicionamento radicalmente diferente, tanto no que diz respeito às concepções implícita ou explicitamente assumidas quanto no que tange à pratica pedagógica por elas sustentadas.
O “Modelo Autônomo”, predominante em nossa sociedade, parte do princípio de que, independentemente do contexto de produção, a língua tem uma autonomia (resultado de uma lógica intrínseca) que só pode ser apreendida por um processo único, normalmente associado ao sucesso e desenvolvimento próprios de grupos “mais civilizados”.
Contagiada pela concepção de que o uso da escrita só é legitimo se atrelada ao padrão elitista da “norma culta” e que esta, por sua vez, pressupõe a compreensão de um inflexível funcionamento lingüístico, a escola tradicional sempre pautou o ensino pela progressão ordenada de conhecimentos: aprender a falar a língua dominante, assimilar as normas do sistema de escrita para, um dia (talvez nunca) fazer uso desse sistema em formas de manifestação previsíveis e valorizadas pela sociedade. Em síntese, uma prática reducionista pelo viés lingüístico e autoritária pelo significado político; uma metodologia etnocêntrica que, pela desconsideração do aluno, mais se presta a alimentar o quadro do fracasso escolar.
Em oposição, o “Modelo Ideológico” admite a pluralidade das práticas letradas, valorizando o seu significado cultural e contexto de produção. Rompendo definitivamente com a divisão entre o “momento de aprender” e o “momento de fazer uso da aprendizagem”, os estudos lingüísticos propõem a articulação dinâmica e reversível [vii] entre “descobrir a escrita” (conhecimento de suas funções e formas de manifestação), “aprender a escrita” (compreensão das regras e modos de funcionamento) e “usar a escrita” (cultivo de suas práticas a partir de um referencial culturalmente significativo para o sujeito). O esquema abaixo pretende ilustrar a integração das várias dimensões do aprender a ler e escrever no processo de alfabetizar letrando:



O SIGNIFICADO DO APRENDER A LER E A ESCREVER

Ao permitir que as pessoas cultivem os hábitos de leitura e escrita e respondam aos apelos da cultura grafocêntrica, podendo inserir-se criticamente na sociedade, a aprendizagem da língua escrita deixa de ser uma questão estritamente pedagógica para alçar-se à esfera política, evidentemente pelo que representa o investimento na formação humana. Nas palavras de Emilia Ferreiro,
A escrita é importante na escola, porque é importante fora dela e não o contrário. (2001)
Retomando a tese defendida por Paulo Freire, os estudos sobre o letramento reconfiguraram a conotação política de uma conquista – a alfabetização - que não necessariamente se coloca a serviço da libertação humana. Muito pelo contrário, a história do ensino no Brasil, a despeito de eventuais boas intenções e das “ilhas de excelência”, tem deixado rastros de um índice sempre inaceitável de analfabetismo agravado pelo quadro nacional de baixo letramento.


O QUADRO DA SOCIEDADE LEITORA NO BRASIL

Do mesmo modo como transformaram as concepções de língua escrita, redimensionaram as diretrizes para a alfabetização e ampliaram a reflexão sobre o significado dessa aprendizagem, os estudos sobre o letramento obrigam-nos a reconfigurar o quadro da sociedade leitora no Brasil. Ao lado do índice nacional de 16.295.000 analfabetos no país (IBGE, 2003), importa considerar um contingente de indivíduos que, embora formalmente alfabetizados, são incapazes de ler textos longos, localizar ou relacionar suas informações.
Dados do Instituto Nacional de Estatística e Pesquisa em Educação (INEP) indicam que os índices alcançados pela maioria dos alunos de 4ª série do Ensino Fundamental não ultrapassam os níveis “crítico” e “muito crítico”.  Isso quer dizer que mesmo para as crianças que têm acesso à escola e que nela permanecem por mais de 3 anos, não há garantia de acesso autônomo às praticas sociais de leitura e escrita (Colello, 2003, Colello e Silva, 2003). Que escola é essa que não ensina a escrever?
Independentemente do vínculo escolar, essa mesma tendência parece confirmar-se pelo “Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” (INAF), uma pesquisa realizada por amostragem representativa da população brasileira de jovens e adultos (de 15 a 64 anos de idade) [viii] : entre os 2000 entrevistados, 1475  eram analfabetos ou tinham pouca autonomia para ler ou escrever, e apenas 525 puderam ser considerados efetivos usuários da língua escrita. Indiscutivelmente, uma triste realidade!


OS MOTIVOS PELOS QUAIS TANTOS DEIXAM DE APRENDER A LER E A ESCREVER

Por que será que tantas crianças e jovens deixam de aprender a ler e a escrever? Por que é tão difícil integrar-se de modo competente nas práticas sociais de leitura e escrita?
Se descartássemos as explicações mais simplistas (verdadeiros mitos da educação) que culpam o aluno pelo fracasso escolar; se admitíssemos que os chamados “problemas de aprendizagem” se explicam muito mais pelas relações estabelecidas na dinâmica da vida estudantil; se o desafio do ensino pudesse ser enfrentado a partir da necessidade de compreender o aluno para com ele estabelecer uma relação dialógica, significativa e compromissada com a construção do conhecimento; se as práticas pedagógicas pudessem transformar as iniciativas meramente instrucionais em intervenções educativas; talvez fosse possível compreender melhor o significado e a verdadeira extensão da não aprendizagem e do quadro de analfabetismo no Brasil.
Nesse sentido, os estudos sobre o letramento se prestam à fundamentação de pelo menos três hipóteses não excludentes para explicar o fracasso no ensino da língua escrita. Na mesma linha de argumentação dos educadores que evidenciaram os efeitos do “currículo oculto” nos resultados escolares de diferentes segmentos sociais, é preciso considerar, como ponto de partida, que as práticas letradas de diferentes comunidades (e portanto, as experiências de diferentes alunos) são muitas vezes distantes do enfoque que a escola costuma dar à escrita (o letramento tipicamente escolar). Lidar com essa diferença (as formas diversas de conceber e valorar a escrita, os diferentes usos, as várias linguagens, os possíveis posicionamentos do interlocutor, os graus diferenciados de familiaridade temática, as alternativas de instrumentos, portadores de textos e de práticas de produção e interpretação...) significa muitas vezes percorrer uma longa trajetória, cuja duração não está prevista nos padrões inflexíveis da programação curricular.
Em segundo lugar, é preciso considerar a reação do aprendiz em face da proposta pedagógica, muitas vezes autoritária, artificial e pouco significativa. Na dificuldade de lidar com a lógica do “aprenda primeiro para depois ver para que serve”, muitos alunos parecem pouco convencidos a mobilizar os seus esforços cognitivos em benefício do aprender a ler e a escrever (Carraher, Carraher e Schileimann, 1989; Colello, 2003, Colello e Silva, 2003). Essa típica postura de resistência ao artificialismo pedagógico em um contexto de falta de sintonia entre alunos e professores parece evidente na reivindicação da personagem Mafalda:


Com ironia e bom humor, o exemplo acima explica o caso bastante freqüente de jovens inteligentes que aprenderam a lidar com tantas situações complexas da vida (aquisição da linguagem, transações de dinheiro, jogos de computador, atividades profissionais, regras e práticas esportivas entre outras), mas que não conseguem disponibilizar esse reconhecido potencial para superar a condição de analfabetismo e baixo letramento.
Por último, ao considerar os princípios do alfabetizar letrando (ou do Modelo Ideológico de letramento), devemos admitir que o processo de aquisição da língua escrita está fortemente vinculado a uma nova condição cognitiva e cultural. Paradoxalmente, a assimilação desse status (justamente aquilo que os educadores esperam de seus alunos como evidência de “desenvolvimento” ou de emancipação do sujeito) pode se configurar, na perspectiva do aprendiz, como motivos de resistência ao aprendizado: a negação de um mundo que não é o seu; o temor de perder suas raízes (sua história e referencial); o medo de abalar a primazia até então concedida à oralidade (sua mais típica forma de expressão), o receio de trair seus pares com o ingresso no mundo letrado e a insegurança na conquista da nova identidade (como “aluno bem-sucedido” ou como “sujeito alfabetizado” em uma cultura grafocêntrica altamente competitiva).
... a aprendizagem da língua escrita envolve um processo de aculturação – através, e na direção das práticas discursivas de grupos letrados - , não sendo, portanto, apenas um processo marcado pelo conflito, como todo processo de aprendizagem, mas também um processo de perda e de luta social. (...)
(...) há uma dimensão de poder envolvida no processo de aculturação efetivado na escola: aprender – ou não – a ler e escrever não equivale a aprender uma técnica ou um conjunto de conhecimentos. O que está envolvido para o aluno adulto é a aceitação ou o desafio e a rejeição dos pressupostos, concepções e práticas de um grupo dominante – a saber, as práticas de letramento desses grupos entre as quais se incluem a leitura e a produção de textos em diversas instituições, bem como as formas legitimadas de se falar desses textos -, e o conseqüente abandono (e rejeição) das práticas culturais primárias de seu grupo subalterno que, até esse momento, eram as que lhe permitiam compreender o mundo. (Kleiman, 2001, p. 271)
Como exemplo de um mecanismo de resistência ao mundo letrado construído por práticas pedagógicas (ainda que involuntariamnete ideologizantes) no cotidiano da sala de aula, Kleiman (2001) expõe o caso de um grupo de jovens que se rebelaram ante a proposta da professora de examinar bulas de remédio. Como recurso didático até bem intencionado, o objetivo da tarefa era o de aproximar os alunos da escrita, favorecendo a compreensão de seus usos, nesse caso, chamando a sua atenção para os perigos da auto-medicação e para a importância de se informar antes de tomar uma medicação (posologia, reações adversas, efeitos colaterais, etc). Do ponto de vista dos alunos, o repúdio à tarefa, à escola e muito provavelmente à escrita foi uma reação contra a implícita proposta de fazer parte de um mundo ao qual nem todos podem ter livre acesso: o mundo da medicina, da possibilidade de ser acompanhado por um médico e da compra de remédios.
Na prática, a desconsideração dos significados implícitos do processo de alfabetização - o longo e difícil caminho que o sujeito pouco letrado tem a percorrer, a reação dele em face da artificialidade das práticas pedagógica e a negação do mundo letrado – acaba por expulsar o aluno da escola, um destino cruel, mas evitável se o professor souber instituir em classe uma interação capaz de mediar as tensões, negociar significados e construir novos contextos de inserção social.


PERSPECTIVAS DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO

Embora o termo “letramento” remeta a uma dimensão complexa e plural das práticas sociais de uso da escrita, a apreensão de uma dada realidade, seja ela de um determinado grupo social ou de um campo específico de conhecimento (ou prática profissional) motivou a emergência de inúmeros estudos a respeito de suas especificidades. É por isso que, nos meios educacionais e acadêmicos, vemos surgir a referência no plural “letramentos”.
Mesmo correndo o risco de inadequação terminológica, ganhamos a possibilidade de repensar o trânsito do homem na diversidade dos “mundos letrados”, cada um deles marcado pela especificidade de um universo. Desta forma, é possível confrontar diferentes realidades, como por exemplo o “letramento social” com o “letramento escolar”; analisar particularidades culturais, como por exemplo o “letramento das comunidades operárias da periferia de São Paulo”, ou ainda compreender as exigências de aprendizagem em uma área específica, como é o caso do “letramento científico”, “letramento musical” o “letramento da informática ou dos internautas”. Em cada um desses universos, é possível delinear práticas (comportamentos exercidos por um grupo de sujeitos e concepções assumidas que dão sentido a essas manifestações) e eventos (situações compartilhadas de usos da escrita) como focos interdependentes de uma mesma realidade (Soares, 2003). A aproximação com as especificidades permite não só identificar a realidade de um grupo ou campo em particular (suas necessidades, características, dificuldades, modos de valoração da escrita), como também ajustar medidas de intervenção pedagógica, avaliando suas conseqüências. No caso de programas de alfabetização, a relevância de tais pesquisas é assim defendida por Kleiman:
Se por meio das grandes pesquisas quantitativas, podemos conhecer onde e quando intervir em nível global, os estudos acadêmicos qualitativos, geralmente de tipo etnográfico, permitem conhecer as perspectivas específicas dos usuários e os contextos de uso e apropriação da escrita, permitindo, portanto, avaliar o impacto das intervenções e até, de forma semelhante à das macro análises, procurar tendências gerais capazes de subsidiar as políticas de implementação de programas. (2001, p. 269)
***
Sem a pretensão de esgotar o tema, a breve análise do impacto e contribuição dos estudos sobre letramento aqui desenvolvida aponta para a necessidade de aproximar, no campo da educação, teoria e prática. Na sutura entre concepções, implicações pedagógicas, reconfiguração de metas e quadros de referência, hipóteses explicativas e perspectivas de investigação, talvez possamos encontrar subsídios e alternativas para a transformação da sociedade leitora no Brasil, uma realidade politicamente inaceitável e, pedagogicamente, aquém de nossos ideais. 


NOTAS
[i] “Literacy” do inglês, traduzido por “letramento” no Brasil e por “literacia” em Portugal é uma terminologia não dicionarizada que, nos meios acadêmicos, vem sendo utilizada com diferentes sentidos.
[ii] No Brasil, o termo “letramento” foi usado pela 1a vez por Mary Kato, em 1986, na obra “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística” (São Paulo, Ática). Dois anos depois, passa a representar um referencial no discurso da educação, ao ser definido por Tfouni em “Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso” (São Paulo, Pontes) e retomado em publicações posteriores.
[iii] O autor utiliza a expressão “escrita verdadeira” em oposição à “escrita escolar”, um modelo muitas vezes artificial, cujo reducionismo não faz justiça à multidimensionalidade da língua viva.
[iv] Como evidência desse paralelismo, é possível, por exemplo, termos casos de pessoas letradas e não alfabetizadas (indivíduos que, mesmo incapazes de ler e escrever, compreendem os papéis sociais da escrita, distinguem gêneros ou reconhecem as diferenças entre a língua escrita e a oralidade) ou de pessoas alfabetizadas e pouco letradas (aqueles que, mesmo dominando o sistema da escrita, pouco vislumbram suas possibilidades de uso). 
[v] Em uma sociedade como a nossa, o mais comum é que a alfabetização seja desencadeada por práticas de letramento, tais como ouvir histórias, observar cartazes, conviver com práticas de troca de correspondência, etc. No entanto, é possível que indivíduos com baixo nível de letramento (não raro membros de comunidades analfabetas ou provenientes de meios com reduzidas práticas de leitura e escrita) só tenham a oportunidade de vivenciar tais eventos na ocasião de ingresso na escola, com o início do processo formal de alfabetização.
[vi] Para um estudo mais aprofundado dos modelos “Autônomo” e “Ideológico” descritos por Street, remetemos o leitor à leitura de Kleiman, 1985.
[vii] Dinâmica porque pressupõe o movimento intenso de um pólo ao outro; reversível porque a experiência em qualquer um dos pólos remete ao amadurecimento nos demais.
[viii] Para mais dados sobre a pesquisa do INAF (objetivos, população envolvida, critérios de análise e resultados obtidos), remetemos o leitor à leitura de Ribeiro (2003).


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domingo, 29 de abril de 2012

DISCUSSÃO

A frase abaixo foi proferida no filme "O Retrato de Dorian Gray". O que você acha?



A CONSCIÊNCIA É SÓ UM NOME EDUCADO PARA A COVARDIA. 



OPINE:

ANÁLISE DE LIVRO DIDÁTICO: AS DIVERSAS ABORDAGENS E MÉTODOS APLICADOS AO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA


Aldisnéia Santos Rossi De Deo*
Luiza Maria Duarte*

Resumo: O presente trabalho esboça a análise de alguns aspectos do livro didático Tech Teens, bem como a aplicabilidade das diversas abordagens e metodologias ao ensino da língua estrangeira, tentando indicar possíveis soluções para o aprimoramento do processo.
Palavras-chave: livro didático, abordagens, métodos, processo de ensino-aprendizagem, reflexão crítica.

A situação atual do ensino no Brasil é sofrível. Os alunos concluem seus cursos sem saber a razão pela qual estudam e sem aprender, já que seus professores cobram a memorização da informação.
Em um mundo globalizado, o inglês tornou-se uma língua de prestígio e símbolo de status social ligada às classes economicamente privilegiadas. A busca crescente pelo idioma resultou em um ensino deficitário com aulas descontextualizadas e alunos desmotivados que não conseguem sequer aprender o idioma em sua forma básica.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs –, criados e implementados em 1996, começam a abrir espaço para uma nova proposta educacional, tentando direcionar o trabalho do professor ao considerar a diversidade cultural local, o convívio social, a ética e os temas transversais. Todavia, ainda existe, muitas vezes, a falta de aceitação do corpo docente e até mesmo casos de total desconhecimento sobre esses parâmetros.
Com base nesses dados, propomos uma reflexão crítica sobre a eficácia do livro didático (doravante LD), por meio de uma análise de suas propostas e das atividades e técnicas usadas, traçando um paralelo entre o que é realizado dentro da sala de aula e o que é proposto pelas metodologias e abordagens para o ensino de língua estrangeira, avaliando o seu reflexo no processo de ensino-aprendizagem e até mesmo nos alunos. Para que essa reflexão ocorra, utilizamo-nos, como fundamento teórico principal, da bibliografia específica: Second Language Learning, de David Nunan, e Approaches and Methods in Language Teaching, de Jack Richards e Theodore S. Rodgers.
Embora os LDs apresentem ideias e conceitos variados, a tendência no ensino de uma língua estrangeira hoje é abordar o processo de ensino-aprendizagem de forma comunicativa. A contextualização durante esse processo, sem dúvida, estimula o interesse do aluno, um dos pontos mais importantes para garantir a aprendizagem.
Essa tendência faz parte do conceito de language acquisition de Krashen (1988), processo de assimilação natural, intuitivo, subconsciente e fruto de interação em situações reais de convívio humano, no qual o aprendiz participa como sujeito ativo, diferentemente do conceito de language learning, também do autor, que está ligado à abordagem tradicional do ensino de línguas, em que a atenção volta-se à língua em sua forma escrita, e o objetivo é o entendimento pelo aluno da estrutura e das regras do idioma através do esforço intelectual e de sua capacidade dedutivo-lógica. Nesse último, o ensino e aprendizado são vistos como atividades em um plano técnico-didático delimitado pelo conteúdo. Ensina-se a teoria na ausência da prática. Valoriza-se o correto e reprime-se o incorreto. Há pouco lugar para espontaneidade.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O livro didático é ainda a fonte de acesso ao ‘saber institucionalizado’ de que dispõem professores e alunos” (Carmagnani, apud Peralta, 1999, p. 127) e “constitui o centro do processo de ensino-aprendizagem em todos os graus de ensino no cenário atual da educação brasileira” (Coracini, apud Peralta, 1999, p. 34), cabendo, portanto, ressaltar três questões principais que precisam ser urgentemente revistas: a noção de língua, os critérios adotados e as habilidades trabalhadas.
Com a importação de LDs, obtivemos uma grande veiculação e transmissão da cultura estrangeira realizadas sem grandes discussões ou questionamentos. E, segundo Ariovaldo Lopes Pereira em sua Dissertação na Unicamp, cabe destacar que muitos dos LDs são repletos de textos que, geralmente, têm como finalidade principal a transmissão de idéias e valores advindos de uma cultura anglófana dominante, repassada aos alunos sem críticas aos conteúdos que levam à sua assimilação inconsciente. Isso pode ocorrer através de procedimentos como a escolha de vocábulos, a organização do texto, o próprio texto como representação de eventos sociais etc.
Faz-se necessário uma análise crítica, sob o aspecto do papel do professor, que pode e deve fazer as alterações necessárias no livro, de modo a tornar os assuntos úteis e relevantes para a vida do aluno, despertando assim o seu interesse pelo aprendizado. Para isso, o professor deve ter ciência da necessidade de incluir em sua rotina diária de trabalho momentos para a reflexão e questionamento sobre suas ações para poder reconstruí-las. Com isso, ele deixará de ser um mero transmissor de conteúdo e tornar-se-á um profissional envolvido e crítico.
O que muitas vezes temos são textos usados como veículos para o ensino de estruturas linguísticas sem desafiar as suposições quanto às futuras funções sociais e ocupacionais dos alunos, não há incentivo à leitura crítica. Ressaltam-se apenas perguntas de conteúdo ou estrutura em detrimento à construção de sentidos, um dos principais problemas não se refere apenas ao conteúdo, mas à maneira pela qual o mesmo é transmitido e interpretado. Por isso, para despertar em seus alunos o desejo pela leitura crítica, tornando-os seres pensantes, é imprescindível que os próprios professores sejam adeptos à literatura.
Dessa maneira, com relação à escolha do LD, não é suficiente ter um bom material se o professor não tiver consciência da prática pedagógica e das limitações do LD. O professor deve estar atualizado, ser reflexivo e bem preparado para poder valer-se de um livro ruim e transformá-lo, tornando-o uma ferramenta útil e eficaz em suas aulas.
Vemos professores e alunos tornarem-se escravos do LD, perdendo até mesmo sua autonomia e senso crítico, pois ficam condicionados e não aprendem nada efetivamente. Não há o desenvolvimento da autonomia, do pensamento crítico, da competência, mas sim de um processo de “alienação” constante. Tais colocações reforçam a necessidade de investimentos na formação do professor e na educação como um todo.

PANORAMA DAS DIVERSAS ABORDAGENS E MÉTODOS DE ENSINO
Para que possamos esclarecer um pouco mais sobre o conhecimento das teorias educacionais, faremos uma breve explanação a seguir.
Neste trabalho usamos o termo método como um conjunto de procedimentos de ensino-aprendizagem sintonizados a um determinado currículo, direcionado por uma abordagem ou modelo teórico; e abordagem como os pressupostos teóricos acerca da língua e da aprendizagem.
Behaviorismo: Abordagem aplicada com o intuito de se obter um determinado comportamento que deve ser mantido. Utilizam-se condicionantes e reforçadores arbitrários como: elogios, graus, notas, prêmios, reconhecimento do mestre e dos colegas, associados a outros mais distantes, como: o diploma, as vantagens da futura profissão, a possibilidade de ascensão social, monetária etc. O ensino consiste em um arranjo e planejamento de condições externas que levam os estudantes a aprender, sendo de responsabilidade do professor assegurar a aquisição do comportamento. Parte-se do princípio de uma aprendizagem mecânica, com repetições sistemáticas do tipo estímulo-resposta automáticos, portanto, indutiva.
Cognitivismo: Preocupa-se com a forma sob a qual a aprendizagem é alcançada, o importante é como ocorrem a organização do conhecimento, o processamento das informações e os comportamentos relativos à tomada de decisões. O ensino dos fatos é substituído pelo ensino de relações, pela proposição de problemas. Embora existam os fixos, os currículos são flexíveis.
Situações desafiadoras são oferecidas às crianças, tais como jogos, leituras, visitas, excursões, trabalhos em grupo, arte, oficina, teatro etc. Nessa abordagem o aluno reflete sobre aquilo que lhe é oferecido.
O professor é quem gera a informação e a disponibiliza, cabendo aos alunos construírem seus conhecimentos e significados através da reflexão, dando lições aos seus pares, escrevendo, levantando e dando resposta a questões, praticando (Rodrigues apud Doolittle, 2002).
Construtivismo: Baseia-se no fato de que não é o professor que ensina, e sim o aluno que aprende, que constrói o conhecimento. O próprio aluno precisa ter a iniciativa para questionar, descobrir e compreender o mundo a partir de interações com os demais elementos do contexto histórico no qual está inserido.
Abordagem comunicativa: A competência comunicativa passa a ser o objetivo, em vez da construção de conhecimento gramatical ou da estocagem de formas memorizadas.
Caracteriza-se por ter o foco no sentido, no significado e na interação propositada entre os sujeitos que estão aprendendo uma nova língua. O ensino comunicativo é aquele que organiza as experiências de aprender em termos de atividades/tarefas de real interesse e/ou necessidade do aluno, tornando-o capaz de usar a língua-alvo para realizar ações autênticas na interação com outros falantes-usuários dessa língua. Além disso, esse ensino não toma as formas da língua descritas nas gramáticas como modelo suficiente para organizar as experiências de aprender outra língua, embora não descarte a possibilidade de criar em sala momentos de explicitação das regras e prática cotidianas dos subsistemas gramaticais, como o dos pronomes, as terminações de verbos, etc. (RICHTER apud Almeida Filho, 1993).
Abordagem Estrutural: Segundo Maria Alice Capocchi Ribeiro, do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o Estruturalismo é uma teoria que se baseia na psicologia da escola Behaviorista de Pavlov e Skinner, ou seja, uma visão de aprendizagem que postulava “resultados rápidos” e “aplicação imediata”. Essa teoria enfoca a estrutura da língua deixando de lado sua contextualização com a realidade do aluno.
Abordagem Funcional/Nocional: Foca a maneira como a língua é usada em interações: as funções das expressões utilizadas e o seu significado estão relacionados à situação na qual um evento da fala está inserido e na intenção do falante. Pressupõe uma prática mais controlada, a qual seria gradualmente abrandada no início, levando à total liberdade dos alunos, de modo que possam expressar seus significados no estágio final do processo. Esse aprendizado em situações de real comunicação confere um papel social e político mais importante aos falantes da língua do cotidiano, satisfazendo também as necessidades dos alunos de usar a língua em situações rotineiras de comunicação, abordando a questão de praticidade do uso e da aprendizagem de línguas estrangeiras.

OS MÉTODOS
Com base no livro Approaches and Methods in Language Teaching de Jack Richards e Thoedore S. Rodgers datado de 1999, apresentamos os conceitos básicos para referência. Competency-Based Language Teaching: Concentra-se na produção ou no resultado do aprendizado através de um levantamento das necessidades básicas do aluno em situações do seu dia-a-dia. Trata-se de um método prescritivista que prepara o aluno para se encaixar em um sistema preestabelecido e manter a relação entre classes sociais, além de focalizar o comportamento do indivíduo e não o seu desenvolvimento de pensamento.
Collaborative Learning: Enfoca as atividades organizadas em grupo, objetivando a troca de informações entre os seus membros. Colaborar é trabalhar em conjunto para atingir um objetivo em comum.
Segundo John Dewey, a educação democrática deveria ser uma ferramenta que integrasse o indivíduo a ele mesmo e a sua própria cultura. Dewey também, através de sua filosofia, considerou as éticas de uma sociedade democrática e viu a educação como os meios práticos pelos quais as crianças poderiam se tornar cidadãs de ajuste de uma democracia. (John Dewey. Disponível em http://www.jewilke.hpg.ig.com.br/dew.htm)
Tasked-Based Learning (& Teaching): Trata-se de atividades na língua-alvo que possuem uma seqüência de fases, tendo como propósito levar o aluno a se comunicar (meta) para atingir um resultado. O aluno só pode passar para a fase seguinte ao terminar, com êxito, a fase anterior. As tarefas devem se espelhar em situações reais e, de acordo com Peter Skehan, são atividades que têm como enfoque primário o sentido e o aprendizado enquanto são feitas.
Total Physical Response: Método de ensino de linguagem construído em torno da coordenação da fala e da ação. Busca-se ensinar a língua por meio de atividade física (motora) para que o aluno pratique a língua inglesa de forma natural e prazerosa.
Whole Language: Enfatiza-se a integração das quatro habilidades (speaking, reading, listening e writing), ou seja, a língua como um todo dentro de um contexto. Faz uso de literatura autêntica e textos reais, com atividades sempre realizadas em língua estrangeiras.
Audiolingual: Baseia-se em diálogos e exercícios de repetição. A gramática é trabalhada de forma indutiva, permitindo o uso dos próprios diálogos para repetição e memorização, fazendo assim correções de pronúncia, ritmo, entonação, ênfase nas silabas tônicas que reforçam as características behavioristas. Todo material áudio-visual possui um papel central no curso.
Content-Based Instruction: A aprendizagem é organizada em torno de um conteúdo ou informação que os alunos vão adquirir. Uma situação ideal é aquela cujo assunto do aprendizado da língua é o conteúdo, um assunto de fora do domínio da língua.
Suggestopedia: Trata-se de um estudo sistemático das influências irracionais e inconscientes. Há o enfoque na comunicação, utilizando a aquisição de vocabulário por meio de textos/elementos significativos ao grupo.
Algumas das características mais importantes são: a decoração, os móveis e a sua disposição na sala de aula, o uso de música e o comportamento autoritário do professor.
Neurolinguistic Programming (NLP): Consiste em uma filosofia humanista e em uma série de sugestões baseadas na psicologia popular, objetivando o convencimento das pessoas de que elas têm o poder de se controlar. A programação neurolingüística permite novas formas de compreender como as comunicações verbais e não-verbais afetam o cérebro humano, apresentando oportunidades de não apenas melhorar a comunicação entre as pessoas, mas também de adquirir mais controle e desenvoltura sobre os aspectos sensoriais, sendo, desse modo, fundamental que o professor conheça seus alunos para poder trabalhar efetivamente com os aspectos sensoriais dos seus discentes.
The Lexical Approach: Enfatiza o léxico, tornando as colocações e as unidades lexicais características fundamentais dessa abordagem. As colocações referem-se ao modo como as palavras podem estar dispostas na língua. As unidades léxicas são as palavras em seus respectivos contextos. O aluno é inserido em uma situação que lhe permite “manusear” o seu aprendizado com o propósito de abandonar a idéia de um professor conhecedor, criando no aluno a ideia de descobridor.
Community Language Learning: Busca a promoção da interação aluno-aluno, a democratização da aprendizagem (discussões) e a valorização do aspecto cognitivo e afetivo da aprendizagem, uma vez que os alunos são tipicamente agrupados em círculos de seis a doze. O professor direciona a interação como mediador das atividades, que normalmente referem-se à tradução, à gravação, às análises, às reflexões, às observações, às conversações livres e ao listening. Temos um exemplo disso quando um aluno quer dizer algo e primeiro diz em sua língua materna ao professor, para que este traduza para a língua alvo e depois aquele repita.
ANÁLISE
Como já mencionado anteriormente no resumo, o livro analisado por esta pesquisa é o Tech Teens, das autoras Carla Giannassi, Maria Luiza Santos e Renata Lucia Cardoso, editora Maccmillan, que faz parte de uma coleção composta de quatro volumes usada nas séries de 5ª a 8ª do Ensino Fundamental. Neste trabalho analisaremos especificamente o Tech Teens 2 (livro do professor).
O livro traz, em sua proposta introdutória, a abordagem sócio-construtivista, na qual o estudante deve refletir e interagir partindo do seu conhecimento prévio e do equilíbrio entre conhecimento de língua e uso. Todavia, observa-se, no decorrer do LD, o enfoque à abordagem behaviorista, devido ao excesso de atividades que priorizam o método Audiolingual com o objetivo de ensinar, principalmente, a gramática, o vocabulário e o writing. Nota-se também a presença da abordagem estrutural/funcional, quando o mesmo apresenta as ocasiões em que a língua será usada, abrangendo seus diferentes aspectos, entretanto, as estruturas não passam de uma prática controlada (Competency-Based Teaching). Nesse caso, o uso de exercícios contextualizados com a gramática ensinada explicitamente poderia ser mais adequado, uma vez que o aluno teria a oportunidade de correlacioná-los com seu dia-a-dia.
Ao longo do livro didático há um total de 70 exercícios gramaticais, sendo 41 de reading, 13 de speaking, 70 de writing e 24 de listening, o que prejudica a micro divisão do livro, visto que não há um equilíbrio de quantidade entre as habilidades trabalhadas, os números são desproporcionais. No entanto, a macro divisão é lógica e bem organizada.
Com relação aos PCNs, são encontradas algumas sugestões referentes ao contato com novas culturas, atualidades globais e temas transversais, principalmente os de saúde e meio ambiente. Todavia, de modo geral, o livro não leva o aluno a refletir e a construir o seu conhecimento, visto que as suas atividades são de prática controlada e extremamente descritiva, sem conduzir a discussões sobre questões da atualidade ou temas pertinentes a faixa etária como drogas, sexo e gravidez, por exemplo.
No geral há a predominância de uma abordagem behaviorista e dos métodos Audiolingual e Competency-Based Teaching. Para que o livro pudesse alcançar a abordagem sócioconstrutivista proposta inicialmente, os métodos Whole Language; Total Physical Response; Content-Based Instruction; Neurolinguistic Programming; Collaborative Learning; Community Learning and Teaching e Suggestopedia poderiam ser usados em seus diversos aspectos, o que, normalmente, não acontece.
Pode-se concluir que o livro, em certos aspectos, é adequado para o Ensino Fundamental, porque trabalha com temas que envolvem o contexto do aluno, mas deixa a desejar no que se refere à sua proposta comunicativa e à formação do aluno como construtor do seu próprio conhecimento. Poderiam ser proporcionadas, por exemplo, situações práticas como a confecção de um jornal e o envolvimento com as atividades da comunidade, de modo que o aluno possa tornar-se um cidadão que interaja mais com a sociedade em que vive principalmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos constatar a importância de uma abordagem de ensino de língua com base na abordagem comunicativa que permite a preparação do cidadão, a fim de que o mesmo possa atuar na sociedade, além do aproveitamento máximo do tempo em que o aluno passa na sala de aula, ensinando-lhe o que realmente possa lhe ser útil para atuar no mundo e não apenas na escola. Por tratar-se de uma abordagem que considera a realidade do aluno, provavelmente, permitirá a diminuição da evasão e da repetência escolar, bem como o envolvimento do educador de forma efetiva nesse processo e na escolha do LD.
Entretanto, há a necessidade de LDs que se preocupem com uma abordagem comunicativa e de professores cientes da importância dessa abordagem de modo a encaminhá-la com ou sem o LD. Em geral, constatamos que os professores estão habituados a seguirem os materiais didáticos que enfatizam o aprendizado na estrutura da língua. Isso nos leva a afirmar que tanto os professores precisam rever sua metodologia de ensino, como os materiais de ensino precisam ser revistos.
A escolha do LD deve ser feita de maneira mais adequada. Acreditamos que uma maneira de reverter esse quadro seria investir na formação do professor, que, de acordo com o seu preparo, segundo Janete Santos, poderá ajudar os alunos a contornar os vácuos existentes nas defasagens causadas por características regionais (um material utilizado com sucesso no Sul, por exemplo, pode não ser adequado à região Norte), além de melhorar e criar novos LDs e paradidáticos, que privilegiem o Inglês no que concerne à comunicação, apresentando formas alternativas de se trabalhar os conteúdos em sala de aula. Para tanto, é necessário que as universidades, os profissionais da área de ensino, os pesquisadores e as autoridades unam-se em um esforço conjunto para a criação de novos materiais didáticos que auxiliem o professor a realizar o seu papel, propiciando, assim, alternativas para a superação da crise educacional brasileira e para a possível falência do sistema educacional.




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*Alunas do curso de Letras - Tradutor/Intérprete do UNIBERO.