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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

VOZES/SILÊNCIOS DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA SOBRE ANÁLISE LINGUÍSTICA[i]
Edneide Maria de Lima
Universidade Estadual de Alagoas –UNEAL, Alagoas/Brasil.
Aldemir Francelino da Silva
Estadual de Alagoas –UNEAL, Alagoas- Brasil.

Resumo: Sabemos que o ensino gramatical (visto como gramática de frases, estudo isolado de regras), ainda tem sido um dos fortes pilares do currículo de ensino de língua materna nas escolas brasileiras. Todavia, devido aos problemas encontrados nas atividades de leitura e produção textual, no final do século XX, as concepções de língua(gem) começam a ser reconsideradas. Primeiro, foi vista como expressão do pensamento (típico da gramática tradicional grega), logo, o ensino de língua destacava a gramática normativa: conceituar, classificar, usar “corretamente” a regência, a acentuação, a pontuação etc. Mas, na década de 1970, a partir da teoria da comunicação, a língua(gem) deixou de ser entendida apenas como a expressão do pensamento para ser vista também como um instrumento de comunicação (os textos eram capazes de transmitir uma mensagem ao receptor-leitor – sentidos prontos e acabados – a língua seria apenas um código e, assim, escrever seria o exercício de combinar palavras e frases para formar um bom texto). Porém, a partir dos anos 80, no Brasil, temos estudos sobre o ensino de língua materna que partem das reflexões de Mikhail Bakhtin e Wanderli Geraldi, para quem a linguagem é vista como forma de interação, uma nova forma de dar significados aos usos da língua, constituindo a interação, teoria que vigora até hoje e que teve seu alicerce consolidado nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs. Mediante tal concepção de língua (e de ensino), vem-se firmando um movimento de revisão crítica do ensino de língua, ou seja, vem-se questionando a validade de um ensino centrado na gramática pela gramática, o que faz surgir a proposta de análise linguística (AL), conceito/termo que sugere reflexão sobre o sistema linguístico e sobre os usos da língua, em vez de aulas de gramática: como princípio a ampliação da competência discursiva dos indivíduos. Deste modo, o presente trabalho busca relacionar a concepção de analise linguística e as teorias pedagógicas que fundamentam o trabalho do professor de língua materna. Assim, pretendemos “desvendar” se o professor de língua portuguesa compreende (ou não) o conceito/estratégia de análise linguística (foco do processo de aprendizagem). Para melhor discussão, realizamos entrevistas com professores de ensino de língua materna, de escolas das redes pública e privada do município de Arapiraca-AL/BR, posteriormente, transcrições das falas, e em uma abordagem qualitativa objetivamos saber que concepções o/a docente tem acerca do trabalho com a análise linguística, como ela/e o desenvolve e o porquê de sua prática. A análise tem base na teoria dialógica do discurso (Bakhtin, 2003, 2004), Geraldi (1997), Gulart (2010), Mendonça (2007), dentre outros.

Palavras-chave: Leitura-Gramática-Análise Linguística

Tecendo algumas ideias sobre Análise Linguística

No Brasil, nas últimas duas décadas, o ensino de Língua Portuguesa/materna na escola vem sofrendo reestruturações, passando por redefinições. Antes o ensino de gramática era visto como uma atividade enfadonha pelo fato de a gramática ser trabalhada de forma descontextualizada, mostrando-se como um tipo de gramática que só servia para, quando memorizada, ajudar o aluno a “ir bem nas provas” e “passar de ano”. Após as redefinições, a concepção de gramática como prescrição não mais responde à realidade, hoje são propostos eixos de ensino que se baseiam na atividade sociointeracional da língua, e a concebe como atividade, como prática e não como código autônomo, pois vincula o sistema simbólico às situações de comunicação e aos elementos do entorno que participam nas escolhas dos interlocutores (Gulart, 2010).  E, em decorrência dessas transformações, percebe-se uma mudança/avanço no trabalho com os eixos didáticos de leitura e produção de textos. No entanto, em relação à análise linguística, tais mudanças parecem acontecer ainda de forma bastante lentas. Ainda hoje em muitas salas de aula pode-se presenciar o predomínio do velho ensino de gramática, fundamentado em lições de regras gramaticais e análise de frases e períodos.
Sobre isso, Travaglia (1997) e Geraldi (1997) apontam que a concepção de gramática que tem norteado o trabalho do professor, e, por conseguinte, ensinada em nossas escolas, é a da “gramática tradicional”[ii]. Deste modo, nas escolas há uma preocupação em fazer cumprir um programa/currículo pré-estabelecido, mas que não leva em conta as complexidades dos sujeitos envolvidos no processo do uso efetivo da língua nas situações de interação verbal.
Pretende-se, agora, que o ensino do português se realize através de práticas de leitura e de produção de textos em situações o mais possivelmente reais e concretas de interlocução e através da prática de análise do uso da língua, podendo-se ampliar os conhecimentos que os indivíduos já possuem, vinculados às práticas linguísticas, culturais e sociais que desenvolveram dentro e fora da sala de aula. Assim, é mergulhado no texto que o sujeito naturalmente conhecerá a aplicabilidade das regras gramaticais, é com criatividade que o professor fará com que o aluno encontre na leitura e na prática do texto o prazer de aprender os usos do idioma.
Diante da necessidade de se mostrar o que era feito antigamente e o que se propunha que se fizesse, a partir de então, em relação ao ensino de língua materna, de acordo com Gulart (2010), bem como com os PCNs, passaremos a chamar de Análise Linguística (AL) essa prática de reflexão sobre os elementos linguísticos de um texto, uma vez que está interligado com a situação comunicativa em que é produzido, buscando sua significação, observando o desenvolvimento da competência comunicativa do estudante e tendo por base uma perspectiva sociointeracionista de língua. Ainda de acordo com os PCNs/LP (1997, p. 38):

A análise linguística refere-se a atividades que se pode classificar em epilinguísticas e metalinguísticas. Ambas são atividades de reflexão sobre a língua, mas se diferenciam nos seus fins. (...) Nas atividades epilinguísticas a reflexão está voltada para o uso, no próprio interior da atividade linguística em que se realiza (...). Já as atividades metalinguísticas estão relacionadas a um tipo de análise voltada para a descrição, por meio da categorização e sistematização dos elementos linguísticos.

Dizendo em outras palavras, fazer AL é prioritariamente pensar sobre a organização micro do texto  que compreende a estruturação dos períodos, escolha de palavras e expressões afim de entender os usos realizados, no processo de interação, entender os efeitos de sentido pretendidos pelo “eu” do discurso em relação ao “outro” com quem ele fala. Assim, atividade epilinguística nada mais é do que o exercício de reflexão sobre o texto lido/escrito e são aquelas atividades voltadas para o uso da língua, as que, mais especificamente, tratam da natureza das frases utilizadas, tipos de palavras e expressões, estratégias discursivas, os diferentes recursos sintáticos utilizados, emprego de sinônimos, etc. Já na atividade metalinguística o sujeito tem a capacidade de falar sobre a linguagem, descrevê-la e analisá-la como objeto de estudo. Exemplificando:

Figura 1: propaganda da cerveja Brahma[iii].

A partir da propaganda acima, podemos questionar:
  1. Qual o sentido do termo NO CARNAVAL na expressão: “No carnaval, lata de Brahma é como silicone: tem 350 ml e todo mundo quer meter a mão”?
Podemos entender que a propaganda leva o consumidor a comemorar, bebendo e participando (de mais) libertinagens/orgias, com a justificativa de que é carnaval. Notamos, assim, que a expressão “NO CARNAVAL” produz seus efeitos de sentido através de uma ambiguidade, portanto, podemos perceber que a cerveja foi produzida para uma ocasião especial, neste caso, o carnaval, e de certa forma ela quer explicar o porquê da marca da cerveja está relacionada à sensualidade, reforçando que é só no carnaval que a Brahma (e as mulheres) se despem de seus pudores “para que todo mundo possa meter a mão”. Esse discurso, novamente, utiliza- se da ambiguidade como recurso linguístico. Assim, o termo “meter a mão” possui duplo sentido, podendo ser entendido como meter a mão tanto na cerveja, quanto no corpo de quem a consome.

Esta reflexão, tomando o texto como unidade de análise epilinguística, exige a observação e reflexão sobre o uso da língua na propaganda e os efeitos de sentido provocados por tal uso, pensando no sistema como recurso. Quanto ao uso dos dois pontos, o indivíduo à medida que vai analisando a propaganda, metalinguisticamente, vai entendendo as regras para a utilização que se fez do sistema linguístico. Os dois pontos na propaganda são usados na comparação entre a primeira e a segunda oração, com a finalidade de dar mais veracidade à idéia de vender tanto a cerveja quanto incitar a libertinagem no carnaval. Podemos observar ainda que na função de “pregar sentidos no texto”, a palavra “meter” significa fazer entrar, pôr dentro, o que reforça o sentido da propaganda estimular a libidinagem e também deixa significar que algo será tomado à força.

            Para uma melhor compreensão e visualização das diferenças básicas entre ensino de gramática e AL, visto que a primeira trata o texto como pretexto para abordagens gramaticais e a segunda usa-o para a inserção de inferências e produção de sentido a partir do que está explícito na superfície do texto, vejamos a seguinte tabela proposta por Mendonça (2006):

Quadro 1: Diferenças entre o ensino de gramática e análise linguística (Mendonça, 2006. p. 207).

Como se pode observar, as diferenças presentes em todos os itens elencados derivam da mudança na concepção de linguagem: de uma visão estrutural, passa-se a uma visão enunciativo-discursiva, centrada no texto e no discurso.
Contudo, não podemos dizer que as aulas de gramática desaparecerão do cotidiano escolar. Na verdade, elas ganham outra dimensão, pois deixam de ser uma finalidade do ensino de regras para a Língua Portuguesa, passando a ser um meio de levar o aluno a refletir sobre os usos da língua. Dessa forma, ao pensar e falar sobre a linguagem realiza-se uma atividade de natureza reflexiva, ou seja, quando se há interação, há sempre uma atividade de reflexão e, portanto, uma atividade de análise linguística. A leitura, a escrita e a reflexão linguística passam a ter verdadeiramente um “elo”, uma articulação entre si, como propõem os PCNs (1998).

Conceituando a pesquisa: nascimento

  1. Metodologia

A princípio, faz-se necessário abordar que as análises estão pautadas a partir da leitura enunciativo-discursiva (BAKHTIN, 2003, 2004; BETH BRAIT, 2006) e das pistas de contextualização (RIBEIRO e PEREIRA, 2002), dentre outros e percebidas por meio da voz do entrevistado que intencionou, por meio de seu discurso – entrevista –, mostrar conhecimento acerca da Análise Linguística (AL).  Foram convocados dois mestres, um em educação e outro em linguística; três especialistas, sendo que destes, dois em Língua Portuguesa e um em Educação; dois graduados e um graduando em Letras/Português. Destes oito convocados, apenas um, graduado em Letras por uma Universidade Federal, professor da rede pública e privada do município de Arapiraca nos concedeu a entrevista, a qual foi constituída de quatro questionamentos, sendo três contextualizados e fundamentados nos PCNs do I, II e III ciclo e um fundamentado nas concepções de Geraldi (1997), Karla Gulart (2010) e Márcia Mendonça (2006).

  1. Conceituando o gênero entrevista
A entrevista é construída acerca dos conhecimentos críticos do entrevistador e do entrevistado referentes a um dado tema, é essencialmente oral. É importante ressaltar que na elaboração da entrevista, a linguagem sofre a influência do contexto que a motiva, de modo que atende às especificidades exigidas pelo tema e os discursos são construídos de modo a despertar os interesses do público. Logo, fica muito evidente a relação de dominação e submissão de um e de outro interlocutor, uma vez que os discursos são produzidos a partir das ideologias e intencionalidades dos envolvidos e, certamente por adequação proposta pela temática sobre a qual a entrevista se desenvolve.
Destarte, a entrevista possui pluralidade de vozes que ficam claras pelos diversos enunciados produzidos pelos participantes, já que há, no mínimo dois indivíduos que por meio de seus discursos contribuem para a formação crítica do público. Seguindo a perspectiva bakhtiniana, deve-se evidenciar o processo de sua produção, ou seja, as relações dialógicas e a sua contextualização sócio histórico-cultural.
O gênero textual entrevista é visto como “uma constelação de eventos possíveis que se realizam como gêneros (ou subgêneros) diversos. Assim, teríamos, por exemplo, entrevista jornalística, entrevista médica, entrevista científica, entrevista de emprego, etc.” (Hoffnagel, 2003: 180). Hoffnagel (2003: 181), citando Marcuschi (2000), pontua as diferenças existentes entre os diversos tipos de entrevistas:

(...) há eventos que parecem entrevistas por sua estrutura geral de pergunta e resposta, mas distinguem-se muito disso. É o caso da ‘tomada de depoimento’ na Justiça ou do inquérito policial. Ou então um ‘exame oral’ em que o professor pergunta e o aluno responde. Todos esses eventos distinguem-se em alguns pontos (em especial quanto aos objetivos e a natureza dos atos praticados) e assemelham-se em outros.

Seguindo os preceitos de Marcuschi, pode-se dizer que esse gênero possui itens gerais comuns a todos os subgêneros, a saber: 1) sua estrutura será sempre caracterizada por perguntas e respostas, envolvendo pelo menos dois indivíduos – o entrevistador e o entrevistado; 2) o papel desempenhado pelo entrevistador caracteriza-se por abrir e fechar a entrevista, fazer perguntas, suscitar a palavra ao outro, incitar a transmissão de informações, introduzir novos assuntos, orientar e reorientar a interação; 3) já o entrevistado responde e fornece as informações pedidas; 4) gênero primordialmente oral, podendo ser transcrito para ser publicado em revistas, jornais, sites da Internet (Hoffnagel, 2003). Entretanto, os itens que diferenciam um subgênero de outro estão relacionados com o objetivo, a natureza, o público-alvo, a apresentação, o fechamento, a abertura, o tom de formalidade, entre outros.
Alguns resultados
Os dados aqui apresentados são resultados parciais de uma entrevista de caráter qualitativo. Essa forma de estrutura nos garantiu um “formato de interação, havendo assim uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde”. O trabalho foi realizado na disciplina “Língua Portuguesa” I, no terceiro período de Letras da Universidade Estadual de Alagoas-Uneal (2010), Campus I, Arapiraca, sob a orientação do professor Ismar Inácio dos Santos Filho.
O desconhecimento sobre AL por parte dos docentes procurados foi perceptível através do silêncio e das dificuldades de encontrarmos professores que nos concedessem a entrevista e a resistência dos encontrados em discorrer acerca da AL. A partir de tais dificuldades, concluímos, portanto, que a AL ainda é desconhecida por parte de muitos docentes que atuam na educação básica uma vez que tivemos dificuldades . Tal conclusão foi possível a partir das reações de incerteza, dúvida, receio que demonstravam ao saberem que o assunto sobre o qual discorreriam era a AL.
Pressupomos que a falta de conhecimento sobre AL foi o fator maior da resistência encontrada e geradora das atitudes anteriormente mencionadas, as quais decorrem da formação dos docentes convocados para a concessão da entrevista, inicialmente pensada com três educadores da área de Letras e que, em decorrência dos problemas encontrados, conta com apenas uma entrevista.
Outro fator importante que também foi levado em conta foi o fato de que é recente a atenção dada a este assunto nas universidades e o de que o professor de Língua Materna ainda não está lendo/estudando o suficiente a respeito, o que dificulta o tratamento da AL em salas de aula da e consequentemente o professor acaba não tendo a compreensão necessária para as abordagens do tema em suas aulas ou em situações como a que motivou esta pesquisa.
Durante a realização da entrevista do único professor que aceitou o convite, ele foi solicitado a falar sobre as concepções que tem acerca do trabalho com a AL de acordo com os PCNs, como ele a desenvolve e o por quê de sua prática. Com a utilização desse instrumento de investigação, buscamos levantar dados (prévios) necessários para verificar qual o conceito que os docentes de LP têm acerca da AL:

1.      De acordo com os PCNs, não se justifica tratar o ensino de gramática desarticulado das práticas de linguagem. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de forma descontextualizada, tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova. Assim, você concorda, quando os PCNs versam que a referência para o ensino de Língua Materna não podem ser a gramática tradicional?

1.      Eu concordo com essa posição, porque há uma tradição em que antes havia o ensino
2.      gramatical, inclusive nas universidades existia uma disciplina que era o ensino
3.      gramatical e... o avanço hoje na modernidade é justamente articular a gramática ao 
4.      momento de leitura de leitura, ao momento de produção [...] Porque a gramática por
5.      si só apenas como uma aula de metalinguagem ela não se aproxima a meu ver da
6.      realidade linguística  do aluno.
7.      [...] Então, pra mim, o ensino de gramática tradicional ele não é tão assim... ele não é eficaz!

Analisando-se esses trechos, verificamos, inicialmente que o trecho das linhas 1 a 7, não apresenta uma definição direta do que, para ele, seja a atividade de AL. Podemos perceber ainda que o sujeito da pesquisa demonstra entender a AL como sendo a utilização do texto para o ensino de gramática (gramática contextualizada). Interpretamos que o professor conhece alguns termos como metalinguagem (ensino de nomenclaturas), que é o estudo de regras descontextualizadas da realidade do aluno. Constatamos então, que muitas dessas ideias não correspondem ao que pretendiam os PCNs.
O entrevistado elenca como sendo competências para o aluno ao sair do ensino básico:

8.      Ler, ler bem, escrevendo bem, fazendo uso da oralidade, utilizando as figuras de
9.      linguagem na retórica, fazendo isso de forma dinâmica e não de forma estática, hoje
10.  nós vamos estudar as figuras de linguagem, hoje nós vamos estudar verbo.
11.  Também todo ensino ele precisa também de um plano de aula de didática, seja
12.  gramatical, seja um objetivo apenas da gramática, não é?
13.  Eu acho que não apenas, mas que o objetivo, os objetivos principais seja refletir sobre
14.  algum item gramatical. Eu acho que tem que ter um plano.
15.  Não é simplesmente chegar e dizer: nós vamos estudar verbo, o verbo é isso, aquilo,
16.  aquilo, o aluno pode ler na gramática, pesquisar sempre.
17.  Acho que tem que relacionar e não afastar, eu acho, eu chamo até de desintegrar a
18.  língua, quando você diz vou trabalhar gramática, vou trabalhar leitura, vou trabalhar
19.  produção. Acho que isso pode-se dar simultaneamente, depende do plano de aula do
20.  professor.

Nas linhas de 8 a 10, o docente nos pareceu viver um dilema entre aquilo que ele acredita que deve ser o ensino de língua materna, conforme os PCNs, elencando o que pensa ser as competências que os alunos precisam aprender no ensino básico: ler e escrever “bem”. Analisando ainda as respostas nas linhas de 4 a 5, percebemos o quanto ela é ambígua, e devemos destacar que o professor se contradiz quando afirma que se deve fazer um estudo baseado na AL (linha1), e logo após, dar um exemplo focalizando a gramática.
Em relação aos conteúdos que ele acredita ser mais importantes para trabalhar na sala de aula, acreditamos que o professor fez referência, na exemplificação de um plano de aula voltado para o ensino de gramática, talvez pelo fato de que os “professores” preferirem o ensino gramatical em algumas atividades, quem sabe, por não se sentirem prontos para o estudo do texto a partir da análise linguística, ou simplesmente por não conseguirem transformar os velhos exercícios em novos, estando assim habituados a trabalhar com planos de aula que contemple o ensino de gramática.
De acordo com a fala do entrevistado, a AL vem sendo colocada em nossas aulas vagarosamente (linhas 17 a 20), mas a ideia de encarar a língua como um processo de interação social já está clara o professor. Em vários momentos da entrevista, o professor chega a afirmar que dá importância às questões relacionadas à AL, porém isto fica um pouco comprometido quando afirma que é contra a predominância apenas dessa AL na sala de aula, e o pior, às vezes sem uma utilidade na vida do aluno, conforme revela o trecho abaixo (linha 27).

2.      As novas concepções de língua e de ensino vêm afirmando um movimento de revisão crítica da língua portuguesa, ou seja, vem questionando a validade de ensino centrado na gramática, o que fez surgir a proposta de AL, assim, o que você entende por AL?

21.  Análise Linguística, eu entendo como essa reflexão metalingüística sobre itens
22.  gramaticais ou itens linguísticos, então, se eu pego, por exemplo, é a gramática
23.  tradicional normativa, eu vou trabalhar metalinguisticamente um termo, um verbo ou
24.  uma análise sintática, é uma análise gramatical.
25.  [...] Eu acho que o, a reflexão Linguística , a Análise Linguística pode
26.  partir dos próprios anseios e das próprias dúvidas do aluno.
27.  [...] Eu não sou contra uma Análise Linguística, eu sou contra a predominância apenas dessa Análise Linguística na sala de aula, e o pior, às vezes sem uma utilidade na vida do aluno.

Com a fala do professor (linhas 21 a 24) percebe-se a dificuldade que temos de realmente trabalhar com as funções linguísticas na aula, parece que temos receio de inovar e é mais fácil permanecer (de acordo com os exemplos que dá referindo-se a gramática) com o “manual” que já traz pronto aquilo que devemos “explicar” ao aluno.
Diante das respostas da linha 27, podemos inferir que os pré-requisitos necessários para o entendimento do conceito de AL nos PCNs estão comprometidos. Em outras palavras, a formação desse professor está regulada por princípios teóricos significativamente diferentes dos que norteiam os conceitos de AL enfocado nos Parâmetros.

3.      Em sua opinião, é possível aplicar em sala de aula a AL com base nas orientações dos PCNs?

28.  Com certeza, concordo que a linguística não pode ser extinta da sala de aula... das
29.  aulas de língua portuguesa… e eu acredito que em qualquer aula, eu ainda vou mais
30.  longe, eu acho que a análise linguística... eu não gosto nem desse nome “análise” eu
31.  gosto de reflexão linguística, porque hoje em dia você trabalha muito com a palavra
32.  reflexão, pensar sobre, aquilo vai ser útil em quê? Por quê eu tenho que aprender
33.  isso? Para quê eu tenho que aprender isso?[...]
34.  Eu estou totalmente de acordo, porque ele trás essa reflexão sobre ensino de línguas
35.  em que não é centrada, não é centralizada apenas na análise linguística pura, mas
36.  em uma análise linguística em um contexto, né?[...]
37.  Pega um texto político, um discurso político...faz uma análise daquele discurso aí na
38.  análise do discurso aí você vai perceber sutilezas da língua, do sistema linguístico e
39.  porque não fazer uma análise linguística? ... as vezes uma metáfora está atrelada a
40.  uma estrutura sintática, ou a um emprego de uma palavra, porque não refletir e
41.  analisar essa...esse fato linguístico? Num é? Se vai ajudar na compreensão e se vai
42.  descobrir sutilezas do discurso pela análise linguística, eu concordo, só não
43.  concordo, repito com essa análise pura né? Análise linguística, análise gramatical,
44.  como o povo denomina.


Observando essas respostas, é notável que o entrevistado, no que diz respeito às aulas de língua portuguesa e ao ensino de análise linguística, pareceu-nos preocupado em deixar claro que acreditava na concepção sociointeracionista. Porém houve um “misto” ao correlacionar as teorias análise do discurso e AL (linha 37) bem como gerou uma incompreensão de nossa parte sobre o que seria a extinção da AL (linha 28).
Em relação à AL, ele pontuou também que a mesma tinha de acontecer de forma contextualizada, partindo sempre do texto.  O que sustenta um pouco essa afirmação é o que está disposta nas linhas 34 a 36, quando o professor falou da validade do ensino integrado com o contexto escolar/social.

4.      Em sua opinião, há diferenças entre o ensino de AL e o ensino de gramática?

45.  Há, eu já falei e eu não concordo nem com o termo análise linguística e sim reflexão
46.  linguística, reflexão sobre a língua, com a língua e na língua. Reflexão com a língua
47.  porque você utiliza a língua pra refletir né? Na língua porque você está nela,
48.  né?...Certo? E..assim....em relação a questão (relendo a pergunta na pauta)...
49.   é... concordo sim, que....(relendo) o ensino de análise lingüística ela é diferente do
50.  ensino da gramática, mas não existe só uma gramática existe a gramática tradicional,
51.  com a raiz da Grécia em Roma[...]
52.  e eu acho q o ensino de língua portuguesa não depende de um compendium cheio de
53.  normas para que o  aluno siga, eu acho que o ensino de gramática, o ensino de língua
54.  portuguesa tem a gramática. [...] acho que a nossa formação hoje graças a Deus ela
55.  abre um espaço e um leque de informações e de conhecimentos pra que a gente utilize
56.  criticamente o que é tradicional e o que é linguística e... e não fique assim: Vou ficar
57.  com o velho porque é tradição, eu ou ficar com o novo porque é novo e pegar as coisas
58.  importantes e úteis de cada um, acho que quem faz a aula é o professor num é?...Então
59.  acho que é isso, eu fiquei muito feliz porque gramática e ensino gramatical foram
60.  palavras-chave do meu TCC, do meu trabalho de conclusão e eu discuti muito que não
61.  se pode desarticular o ensino de gramática.

Num primeiro momento, o professor mostra um desconhecimento do que foi questionado, é como se surpreendesse, consideramos isso porque ele pediu para rever a questão por duas vezes (linhas 48 e 49), mas, logo em seguida, responde a partir do que conhece, caracterizando e atrelando, inclusive, a gramática pelo substantivo tradição à AL. Contrariando este pensamento, Mendonça (2006) esclarece que a prática de AL, não equivale ao que se tem chamado de gramática contextualizada, expressão que aparece no discurso de alguns professores como uma prática renovada de ensino de português. Esse termo, muitas vezes, “encobre” o uso do texto como pretexto para análises gramaticais convencionais. Porém, é desejoso que o professor de língua materna não faça do conhecimento gramatical o único fundamento de sua autoridade, até porque a língua extrapola a gramática. Ele ainda usa a expressão “reflexão linguística” e não “análise linguística” fazendo menção à ideia de repensar a língua (gem), porém de uma forma muito superficial (linhas 45 a 47).
Considerações Finais
Ao final desse estudo, alcançamos os objetivos específicos a que nos propusemos. E, podemos dizer que a conclusão deste trabalho é, portanto, resumida: o professor entrevistado não compreende “de certo modo” as orientações dos PCNs sobre a AL.
A análise da entrevista nos fez acreditar ainda que o professor tem dúvidas, apresentando-se sem muita firmeza quando precisa expor sua opinião quanto à função e à finalidade da AL na escola. Ora ele pensa a língua como forma de interação, ora como regulamentos de bem falar e escrever. Vimos, contudo, na fala deste uma ambiguidade nas respostas produzidas.
Deduzimos dessa forma que, embora ele conheça alguns termos relacionados à AL e o estudo de texto, levando em conta a realidade do aluno, há confusão dos conceitos/teorias,  pode ter sido causada pela falta de maior informação/formação para tal.
Essas reflexões tornaram-se sérias e nos levaram a pôr em validade os/as “ensinamentos/teorias” lecionados na academia, mais especificamente, no curso de formação de professores, em especial o curso de Letras/Português.  Queremos aqui ratificar ser fundamental que os docentes meditem sobre os conhecimentos que aprendem, bem como, é de suma importância que o estudante de língua materna durante a sua formação, compreenda o papel da teoria para a prática docente a se realizar futuramente. Defendemos deste modo, que haja um programa de formação que não apenas instrumentalize os estudantes nas habilidades da docência, mas que os preparem para assumir um papel mais central, direcionado à realidade que espera o/a aluno/a de Letras quando este/a assumir uma sala de aula como professor/a de línguas, com essas competências, o professor pode propiciar condições para que os alunos saibam fazer uso adequado da língua conforme a situação sócio-interativa.
Alguém pode dizer que o ensino da Língua Portuguesa pautado na proposta de trabalho com AL é muito trabalhoso e lento, pois desde meados dos anos 80 se propõe essa metodologia. Mas esperamos que isso demonstre, na verdade, que estamos procedendo a uma mudança consciente e com objetivos claros e bem definidos.
Acreditamos, finalmente, que as propostas mais atuais para o ensino de AL a partir do trabalho com a leitura enquanto construção de sentidos é possível formar sujeitos críticos, reflexivos e atuantes no processo de transformação da sociedade em que estão inseridos.


Referências:


BAKHTIN, Mikhail, VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1929/2004.

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In. Mikhail Bakhtin. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 261-306.

BRAIT, Beth. Análise e teoria do discurso. In. Beth Brait (Org.). Bakhtin – outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006, p. 09-31.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/Secretaria da Educação, 1997.
GERALDI, Wanderlei. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

GULART, Karla Daniele de Souza Araújo. A prática de análise linguística: estratégias de diálogo com os gêneros do discurso no Livro Didático. Disponível em <http://www.pgletras.com.br/2010/dissertacoes/diss_Karla_Daniele.pdf>. Acessado em 18 de março de 2011.
HOFFNAGEL, Judith. Entrevista: uma conversa controlada. In: Ângela Dionísio, Anna Rachel Machado e Maria Auxiliadora Bezerra (Org.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003, p. 180-193.

MENDONÇA, Márcia. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um novo objeto. In. Clécio Buzen e Márcia Mendonça. Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

______ . Diversidade textual. In. Carmi Ferraz Santos, Márcia Mendonça, Marianne C.B. Os gêneros na sala de aula. Belo Horizonte : Autêntica , 2007.

RIBEIRO, Branca Telles e PEREIRA, Maria das Graças Dias. A noção de contexto na análise do discurso. In. Veredas – Rev. Est. Ling, Juiz de Fora, v. 06, nº 2, p. 49-67, jul/dez. 2002.
SANTOS, Noelma Cristina Ferreira dos. O conceito de análise linguística nos PCN: investigação sobre sua apresentação e a compreensão dos professores. Disponível em <http: //www.revistaaopedaletra.net/volumes/vol%203.2/Noelma_Santos.O_conceito_de_analise_linguistica_nos_PCN.investigacao_sobre_sua_apresentacao_e_a_compreensao_dos_professores.pdf>.  Acessado 17 de março de 2011.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1997.



[i] A pesquisa foi orientada pelo professor Ismar Inácio dos Santos Filho.
[ii] De acordo com Santos (2006), essa gramática se baseia na ideia de que o mundo pode ser descrito em termos de fatos, regras e regularidades sintetizados em tabelas de conjugação de verbos e declinação de nomes. Dessa forma, a linguagem é algo que pode ser aprisionado (...).


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