A SUA REDAÇÃO PRECISA FAZER SENTIDO
Por Alfredina Nery*
Para que seu texto seja claro, compreensível e possa transmitir a ideia que você queira passar, é importante que ele tenha duas características: coesão e a coerência. Entenda o que são esses conceitos e saiba como utilizá-los em suas redações.
Deve-se ter em mente que escrever não é apenas colocar palavras no papel. É preciso trabalhar muito para ter um bom texto. Então aí vai uma dica: para começar, pense no fim! Isso mesmo! Qual a finalidade do seu texto? O que você quer com ele? Responda então, para si mesmo, às seguintes questões:
1- Qual a finalidade do texto? Para que ele serve?
2 - Qual o assunto? Sobre o que vou escrever?
3 - Quem vai ler o meu texto?
4 - Qual tipo de texto vou fazer?
Vamos a um exemplo concreto. Imagine que você vai escrever uma carta (ou um e-mail) para um jornal comentando uma notícia sobre alimentos transgênicos. Você deve, então, levar em consideração:
a finalidade de sua carta (participar do debate, dando sua opinião);
o que quer comentar (alimentação e transgênicos);
para quem está escrevendo (os outros leitores do jornal);
o tipo de texto: a carta ou e-mail.
Depois de ter pensado nisso tudo, você dá sua opinião, usando elementos da carta e escolhendo argumentos que sustentem suas ideias. Assim, para escrever sua carta, você - como autor - precisa elaborar um texto "coerente", ou seja, que faça sentido. O texto deve ser coerente não só com suas ideias, mas também coerente em relação ao seu objetivo, ao leitor que pretende atingir, ao gênero textual que está desenvolvendo.
Depois de ter pensado nisso tudo, você dá sua opinião, usando elementos da carta e escolhendo argumentos que sustentem suas ideias. Assim, para escrever sua carta, você - como autor - precisa elaborar um texto "coerente", ou seja, que faça sentido. O texto deve ser coerente não só com suas ideias, mas também coerente em relação ao seu objetivo, ao leitor que pretende atingir, ao gênero textual que está desenvolvendo.
Vamos pensar um pouco mais a esse respeito...
COESÃO E COERÊNCIA
Imagine a seguinte situação: na grande decisão de um campeonato, o técnico de um dos times declarou aos jornalistas:
"Vamos respeitar o adversário, mas, agora, nosso time está coeso".
Agora, numa outra situação, a namorada diz para o namorado:
"Não adianta. Não vou mais perdoar você. Quero que tenha atitudes coerentes."
Na primeira situação, o técnico enfatizou o fato de seu time estar coeso, como uma qualidade importante para ganharem o jogo. "Coeso" significa "unido", "intimamente ligado", "harmônico".
Na segunda situação, a namorada cobra atitudes coerentes do namorado. "Coerência" significa "harmonia", "conexão", "lógica".
Sem coesão e coerência, sua redação não existe! Quando muito, há um amontoado desconexo de palavras colocadas lado a lado. Vamos a mais uma reflexão? Desta vez, leia o trecho de uma crônica de Millôr Fernandes.
“As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica” - Richard Gehman
“Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte."
“Junto com as outras?"
“Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.";
“Sim senhora. Olha, o homem está aí."
“Aquele de quando choveu?"
“Não. O que a senhora foi lá e falou com ele no domingo."
“Que é que você disse a ele?"
“Eu disse para ele continuar."
“Ele já começou?"
“Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse."
(...)
“Junto com as outras?"
“Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.";
“Sim senhora. Olha, o homem está aí."
“Aquele de quando choveu?"
“Não. O que a senhora foi lá e falou com ele no domingo."
“Que é que você disse a ele?"
“Eu disse para ele continuar."
“Ele já começou?"
“Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse."
(...)
(Millôr Fernandes. "Trinta anos de mim mesmo". São Paulo: Abril Cultural, 1973)
Veja como o humorista faz sua sátira, a partir de duas ideias básicas: "as mulheres falam demais" e "somente as mulheres se entendem".
Comece a analisar pelo título a ironia do autor: "A vaguidão específica" (como algo pode ser vago e específico, ao mesmo tempo? Só as mulheres, diria Millôr e os que pensam como ele...). Para confirmar suas ideias, ele busca uma "autoridade" para fazer a citação: Richard Gehman (quem seria? Um estrangeiro, pelo nome. Novamente, o humorista brinca com uma ideia pronta: sendo "alguém de fora" deve ter muito a nos ensinar...).
Quem participa da história narrada? Duas mulheres. São elas patroa e empregada? Mãe e filha? Não sabemos. Qual é o assunto de que falam as duas mulheres? Nós, leitores, não sabemos, mas as duas personagens sabem, não é mesmo?
A que se referem as palavras e trechos: "isso", "outras", "alguém", "qualquer coisa", "lugar do outro dia", "o homem", "Aquele", "o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo", "continuar", "começou"? Os leitores não sabem, mas as mulheres sim e como as duas sabem do que estão falando, a "costura" do texto vai sendo feito de forma coerente e coesa.
Você viu que Millôr Fernandes, intencionalmente, quis brincar com um preconceito social a respeito da mulher e seu jeito de falar, considerado excessivo. Assim, para entendermos o texto, como coerente e coeso, é preciso levar em conta o fato do autor ser um humorista e seu texto trazer essa marca da "surpresa" ou do "olhar sobre outro ângulo" - como numa piada.
AS PARTES DE SUA REDAÇÃO FORMAM UM TODO?
Ao lado da coerência, a coesão é outro requisito para que sua redação seja clara, eficiente. A seguir, mostramos alguns elementos que permitem que sua redação seja coesa. Para entender melhor a coesão textual, analise como algumas palavras/frases estão ligadas entre si dentro de uma sequência, numa conhecida fábula de Esopo.
O CÃO E A LEBRE Um cão de caça espantou uma lebre para fora de sua toca, mas depois de longa perseguição, ele parou a caçada. Um pastor de cabras vendo-o parar, ridicularizou-o dizendo: “Aquele pequeno animal é melhor corredor que você”. O cão de caça respondeu: “Você não vê a diferença entre nós: eu estava correndo apenas por um jantar, mas ela por sua vida.” Moral:O motivo pelo qual realizamos uma tarefa é que vai determinar sua qualidade final. | |
FÁBULA | ELEMENTOS DE COESÃO |
Um cão de caça espantou uma lebre para fora de sua toca, mas depois de longa perseguição,ele parou a caçada. Um pastor de cabras, vendo-o parar, ridicularizou-o dizendo: “Aquele pequeno animal é melhor corredor que você. “ O cão de caça respondeu: “Você não vê a diferença entre nós: eu estava correndo apenas por um jantar, mas ela por sua vida.” | 1- No início da fábula, as personagens são indicadas por artigos indefinidos que marcam uma informação nova (ou não dita anteriormente): “Um cão de caça” + “uma lebre” + “Um pastor de cabras”, o que também sinaliza uma situação genérica, como é típico nas fábulas. 2- “Sua toca”: o pronome possessivo refere-se à casa da lebre. 3 - No lugar de repetir a palavra ”cão”, foi usado o pronome pessoal por três vezes: “ele” = cão “vendo-o” + “ridicularizou-o” = vendo o cão + ridicularizou o cão. 4- Para retomar o substantivo “lebre” foi usada uma expressão semelhante: “Aquele pequeno animal”. 5- No meio do texto, há o uso do artigo definido “o cão de caça e não mais “um cão” como no início. Aqui a referência ao animal está sendo retomada: já se sabe qual cão era. 6- A conjunção ”mas” indica um contraste: o cão corria por um jantar enquanto a lebre corria para salvar sua vida |
Você percebeu que os sentidos do texto são "fios entrelaçados" e não palavras soltas ou frases desconectas? São os elementos coesivos que organizam o texto de forma a constituir também sua coerência.
A coesão textual pode ser feita através de termos que:
retomam palavras, expressões ou frases já ditas anteriormente ("anáfora") ou antecipam o que vai ser dito ("catáfora"). Na fábula, são exemplos de anáforas os itens 2, 3, 4 e 5 da coluna à direita da tabela;
encadeiam partes ou segmentos do texto: são palavras ou expressões que criam as relações entre os elementos do texto. Exemplo na fábula: item 6, a conjunção "mas" que, além de ligar as duas partes do texto (uma que se refere à atitude da lebre e a outra, ao cão), estabelece uma determinada relação entre elas, isto é, um contraste.
A coesão por retomada ou antecipação pode ser feita por: pronomes, verbos, numerais, advérbios, substantivos, adjetivos.
A coesão por encadeamento pode ser feita por conexão ou por justaposição.
A coesão por retomada ou antecipação pode ser feita por: pronomes, verbos, numerais, advérbios, substantivos, adjetivos.
A coesão por encadeamento pode ser feita por conexão ou por justaposição.
1) A coesão por conexão traz elementos que:
a) fazem uma gradação na direção de uma conclusão: "até", "mesmo", "inclusive" etc;
b) argumentam em direção a conclusões opostas: "caso contrário", "ou", "ou então", "quer... quer"; etc;
c) ligam argumentos em favor de uma mesma conclusão: "e", "também", "ainda", "nem", "não só... mas também" etc;
d) fazem comparação de superioridade, de inferioridade ou igualdade: "mais... do que", "menos... do que", "tanto... quanto", etc
e) justificam ou explicam o que foi dito: "porque", "já que", "que", "pois" etc;
f) introduzem uma conclusão: portanto, logo, por conseguinte, pois, etc;
g) contrapõem argumentos: "mas", "porém", "todavia", "contudo", "entretanto", "no entanto", "embora", "ainda que" etc;
h) indicam uma generalização do que já foi dito: "de fato", "aliás", "realmente", "também" etc;
i) introduzem argumento decisivo: "aliás", "além disso", "ademais", "além de tudo" etc;
j) trazem uma correção ou reforçam o conteúdo do já dito: "ou melhor", "ao contrário", "de fato", "isto é", "quer dizer", "ou seja", etc;
l) trazem uma confirmação ou explicitação: "assim", "dessa maneira", "desse modo", etc;
m) especificam ou exemplificam o que foi dito: "por exemplo", como, etc
2) Os elementos coesivos por justaposição estabelecem a sequência do texto, ou seja:
a) introduzem o tema ou indicam mudança de assunto: "a propósito", "por falar nisso", "mas voltando ao assunto" etc;
b) marcam a sequência temporal: "cinco anos depois", "um pouco mais tarde", etc;
c) indicam a ordenação espacial: "à direita", "na frente", "atrás", etc;
d) indicam a ordem dos assuntos do texto: "primeiramente", "a seguir", "finalmente", etc;
b) argumentam em direção a conclusões opostas: "caso contrário", "ou", "ou então", "quer... quer"; etc;
c) ligam argumentos em favor de uma mesma conclusão: "e", "também", "ainda", "nem", "não só... mas também" etc;
d) fazem comparação de superioridade, de inferioridade ou igualdade: "mais... do que", "menos... do que", "tanto... quanto", etc
e) justificam ou explicam o que foi dito: "porque", "já que", "que", "pois" etc;
f) introduzem uma conclusão: portanto, logo, por conseguinte, pois, etc;
g) contrapõem argumentos: "mas", "porém", "todavia", "contudo", "entretanto", "no entanto", "embora", "ainda que" etc;
h) indicam uma generalização do que já foi dito: "de fato", "aliás", "realmente", "também" etc;
i) introduzem argumento decisivo: "aliás", "além disso", "ademais", "além de tudo" etc;
j) trazem uma correção ou reforçam o conteúdo do já dito: "ou melhor", "ao contrário", "de fato", "isto é", "quer dizer", "ou seja", etc;
l) trazem uma confirmação ou explicitação: "assim", "dessa maneira", "desse modo", etc;
m) especificam ou exemplificam o que foi dito: "por exemplo", como, etc
2) Os elementos coesivos por justaposição estabelecem a sequência do texto, ou seja:
a) introduzem o tema ou indicam mudança de assunto: "a propósito", "por falar nisso", "mas voltando ao assunto" etc;
b) marcam a sequência temporal: "cinco anos depois", "um pouco mais tarde", etc;
c) indicam a ordenação espacial: "à direita", "na frente", "atrás", etc;
d) indicam a ordem dos assuntos do texto: "primeiramente", "a seguir", "finalmente", etc;
Para analisar o papel da coesão na construção dos sentidos de um texto, faça a correlação entre os provérbios e os elementos coesivos respectivos, preenchendo as lacunas, de tal forma que haja coerência entre as duas partes que constituem esse tipo de texto:
PROVÉRBIOS | ELEMENTOS DE COESÃO POR CONEXÃO |
Devagar ....... sempre se chega na frente. | mas |
Trate os outros ..... quer ser tratado. | mais... do que |
A aparência pode ser mudada, ..... a natureza não. | e |
Ao carneiro ......peça lã. | como |
....vale paciência pequenina ... força de leão. | somente |
Você percebeu que, nos casos acima, a precisão no uso dos elementos de coesão faz toda a diferença na significação de cada provérbio, não é mesmo?
Para concluir, podemos afirmar que o texto é tanto produto como processo. Ao escrever, o autor planeja seu texto, a partir de sua finalidade, deixando pistas de sua intencionalidade. O leitor, por sua vez, vai perseguindo essas pistas, para poder interpretar o texto. Nesse sentido, a coesão textual - ou pistas linguísticas - tem uma importante função na produção de todo e qualquer texto.
* Alfredina Nery é professora universitária, consultora pedagógica e docente de cursos de formação continuada para professores na área de língua/linguagem/leitura.
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